O experimento Carlson – Parte 23

– Está se sentindo bem? – Petra perguntou.
– É o calor, está difícil respirar. – Respondeu Carlson.

Aquela era a primeira coisa parecida com uma conversa que eles tinham em muitas horas de caminhada. Enquanto andavam na planície infinita seguindo os mapas e  os sensores magnéticos do traje, iam poupando as energias. Conversar os deixariam mais ofegantes. Evidentemente essa talvez seria a desculpa perfeita para não tocarem no assunto daquela noite no buraco.
Carlson não sabia  se tocava ou não no assunto do beijo e a atrapalhada tentativa de relação sexual que falhou catastroficamente em parte pelo frio, em parte pelos trajes e a complexidade da tarefa, diante do nervosismo dos dois.

Petra seguia em silêncio. Caminhava inabalável, impondo um ritmo forte. Em alguns momentos Carlson ficava para trás, até dez metros dela. Ele apenas observava. Ela seguia como um robô.
Estaria ela também perdida em pensamentos confusos sobre os dois? Sobre o beijo diante da constelação do leiteiro?  Não parecia.
O explorador sentou-se no chão de pedrinhas pequenas.  Forçava a respiração. O ar pareceu-lhe mais rarefeito naquele dia que o de costume. Talvez o tempo respirando um ar pressurizado na base chinesa o tivesse deixado mal adaptado ao ambiente externo.
Petra parou. Colocou as mãos na cintura. Sua sombra se projetava sobre Carlson. Ela parecia irritada com a baixa disposição de Morten.

Ele não queria se sentir um velho. Mas estava difícil de disfarçar.

Bebeu um pouco de água.

-Sabe? Não notei nada diferente no ar.

-Meu traje não esta dando mais leituras da pressão… – Ele disse, jogando um pouco de água na testa suja.

-Que lindo. Agora tem uma lama aí na sua cara. – Petra riu, mas mesmo seu riso não disfarçava um pouco de impaciência.

-Esse planeta é foda!

-É foda! É foda! – Ela repetiu, dando-lhe as costas e seguindo adiante.

Carlson se levantou, recolocou a mochila e seguiu a mulher do cabelo verde.

Caminhando ia pensando sobre tudo. Tinha sido, sem dúvida, um erro se envolver com essa menina. Certamente ela estava pensando no mesmo e isso se manifestava com sua clara impaciência. Ela queria sair daquele lugar logo, se livrar da situação. E ele também. Talvez fosse mesmo o melhor. Chegar na cidade perdida, ajudar Petra a evacuar do planeta e voltar a ficar sozinho. Mas e dali em diante? Ele faria o que?
Seguiria em busca dos sobreviventes amigos de Ramsés? Investigaria o planeta para outra direção?
-Petra?

-Que? – Ela praticamente gritou, pois estava a quase oito metros à diante. Morten acelerou o passo para se aproximar dela.
-Eu… Eu…
-Fala.

-Eu não te contei uma coisa curiosa que me aconteceu. Pensei em falar algumas vezes, mas evitei porque eu achei, quer dizer, eu ainda acho… Que você ia pensar  que eu estava ficando doido…

Ela sorriu.

-Eu já acho que você é doido, Morten.  Pode falar.

Morten Carlson contou a Petra sua aventura no rio subterrâneo sob a cidade perdida e como quase morreu e foi salvo por uma bola de metal.

-…E foi assim que cheguei na base.

-A bola. A bola então te levou até aquela base.

-Sim. Foi isso.

-Mas por que você não me contou? O que era a bola?

-Eu acho… Acho mesmo que talvez a bola seja um dos alienígenas.

-Você acha que eles podem estar controlando ela? Como um tipo de orbe?

-Não sei. Eu acho que talvez ela seja o próprio ser. Não entendo.

-Nem eu.  – Petra disse, dando de ombros.

Eles andaram mais alguns minutos em silêncio lado a lado. O vento estava voltando com rajadas sucessivas.

-A bola era inteligente. Eu acho que talvez essa bola não seja de uma inteligência igual ao dos habitantes da cidade perdida.

-Faz sentido.

-Ela parecia estar em um estado de hibernação no fundo da caverna. Sabe-se lá quantos milhões de anos aquilo ficou ali.
-Pode ser que nem mesmo os aliens que construíram a cidade tenham descoberto a esfera. – Ela disse.

De fato, Petra tinha razão. Carlson não havia pensado por este lado. Aquilo parecia estar a um nível tecnológico extremamente à frente dos aliens que ergueram a cidade de cristais de vidro.

-Espera. – Petra meteu a mão no peito de Carlson. – Olha lá! Olha lá! – Ela apontou.

Ao longe, cerca de mil e duzentos metros à leste, havia algo estranho. Parecia um enorme charuto escuro caído na imensidão plana.

-O que é aquilo?

-Um monólito caído… Eu acho. – Ela disse.

-Não sei…- Carlson olhou em volta. Não havia nenhuma cratera, rochedo, montanha ou pedra aflorada. Aquilo estava completamente fora de lugar. Não estava dentro de um buraco. Não parecia ser os restos de um meteoro.
-Muito liso. – Ela pegou uma pequena luneta na mochila.
-É enorme.  Tem pelo menos uns 50 metros. – Carlson pegou a luneta que Petra estendeu a ele e olhou.
-Talvez menos. Mas é grande… Não tem o brilho da obsidiana. Não é pedra.
-Será uma nave?
Os dois se olharam espantados.

Aceleraram o passo na direção da coisa.

Conforme se aproximavam, o enorme charuto aumentava de tamanho.

-Olha, isso não ta parecendo pedra. – Ele disse.

-Parece algo… orgânico.

-Mas que porra é essa? – Carlson gemeu.

-Puta que pariu! – A moça falou, estancando o passo.

Num ruído gutural aquela coisa começou a se mexer. E se ergueu. Enorme, colossal.

Era a criatura monstruosa que destruíra a base. Petra soltou um grito de pavor. A abominação agora podia ser vista mais claramente. Erguendo-se lentamente sobre seis pernas gigantescas e finas, que estavam recolhidas.

Petra tinha os olhos fixos naquela monstruosidade, enquanto Carlson olhava ao redor pensando com como se esconder, porque ele sabia que os dois estavam extremamente visíveis na imensidão branca que os cercava.

-É o salsichão! Acordamos o capeta! Corre! Corre!!!!  – Ele gritou para Petra.

A mulher engatou uma corrida e o deixou para trás. Ao fundo, a gigantesca e disforme abominação os seguiu. Cada passo daquilo fazia o chão tremer. O bicho emitiu um tipo de rugido conforme vinha se balançando com aquelas pernas enormes atrás deles.

Na frente de seu corpo tubular se projetavam uma série de tentáculos.

Era como fugir de um prédio.
Carlson se virou e viu a enorme boca da criatura, que numa primeira vista lhe pareceu tão feia quanto um ânus. Ela era como uma espécie de minhoca com pregas musculares fechando um orifício da fenda bucal daquele ser. Os tentáculos pendiam ao redor daquilo, quase que lembrando uma anêmona. O monstro parecia não ter nenhum olho.
Petra correu para um lado e gritou: – Corre pra lá, Morten!  -Apontando em direção oposta.

Morten entendeu a ideia, que era realmente boa. Ele correu em sentido posto.

O bicho seguiu na direção dela.
Petra corria bem, mas esse monstro se movia facilmente devido ao seu tamanho, quase alcançando-a com poucos passos.

Carlson estimou que certamente a criatura estava usando algum tipo de sensor para seguir a jovem. Talvez odores, talvez ondas sonoras.
Carlson aproveitou a oportunidade e pegou uma arma na mochila.
A criatura estava perigosamente perto de Petra, que largou a mochila para trás para ganhar velocidade.

Carlson mirou e disparou na criatura. Foram três tiros bem colocados. O monstro sentiu o impacto e se virou instantaneamente.

-Oh shit! – Morten arregalou os olhos. O bicho agora parecia furioso. Ele veio para cima de Morten.
Morten saiu correndo pensando que não tinha um plano e aquilo não era muito esperto. Não aguentaria correr tanto quanto a jovem atlética Petra.
Enquanto corria para salvar sua vida, começou a sentir a dor violenta na perna esquerda. O fantasma da morte parecia ter voltado com tudo.
– “Vou morrer comido pelo cu gigante!” – Pensou, antes de cair no chão.

Petra surgiu como um raio correndo entre o monstro e Morten.

-Vai! Me dá a arma! – Ela gritou.
Carlson fez o melhor lançamento que podia, mas ele era péssimo em lançamentos e a arma caiu no chão.

-Porra! – Ela gritou.

-Foi mal!

A criatura se aproximava.

Carlson tentou se arrastar para longe.

Petra abaixou-se, pegou a metralhadora e disparou uma sequencia de tiros na criatura. E tratou de fugir. O “salsichão” a seguiu.
Petra correu em sentido contrario, passando entre as pernas da criatura que se inclinou para tentar um ataque, mas foi em vão. A jovem corria com grande desenvoltura e  era muito habilidosa.
Ela voltou correndo, trazendo o “salsichão” em seu encalço. Carlson percebeu que Petra estava afastando a criatura dele. Logo, Morten perceberia o plano engenhoso da jovem de cabelos verdes. Enquanto corria, jogou a arma para o chão e quando o monstro passava sobre sua mochila, ela digitou algo no braço e saltou para o chão, cobrindo a cabeça com as mãos.

Morten Carlson anteviu o que iria acontecer e também se jogou no chão, cobrindo a cabeça.

Foi uma explosão sem precedentes. Morten percebeu a onda de impacto, saiu rolando pelo chão em meio a poeira e detritos. Mesmo de olhos fechados ele percebeu o clarão da  bomba.

A explosão arrancou três patas do salsichão, que tombou lá do alto como um edifício sendo implodido. Ele  colidiu no chão com um estrondo de um trovão. Estava morto. No impacto, sua comprida cavidade abdominal se rompeu e toneladas de vísceras malcheirosas se espalharam numa poça viscosa ao redor da monumental carcaça.

Carlson cambaleou com dificuldade até chegar onde a jovem estava.

-Ah, não. Ah não… – Ele gemeu, olhando para o corpo inerte  e ainda fumegante da jovem.

A explosão tinha sido forte demais.

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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