quarta-feira, dezembro 11, 2024

O experimento Carlson – Parte 6

Morten Carlson acordou com um estrondo. Arregalou os olhos e saltou do melhor jeito que deu, para fora da fenda. A montanha estava desabando. Areia e pedras caíam em profusão sobre ele. Não se via nada, pois ainda estava escuro e havia uma nuvem densa de poeira no ar que mesmo que fosse o meio dia não permitiria ver nada.

“Um terremoto!” – Ele pensou.

Morten pulou entre as pedras. Algumas enormes estavam descendo pela montanha. Era quase impossível respirar. Fazia um frio cortante e o som aterrador que mais parecia o rugido de um leão gigante misturado com o ribombar apocalíptico de uma explosão nuclear. Um som tão alto que não permitia ouvir nada.
O explorador se agachou por trás de uma pedra angulosa enorme que lhe daria alguma proteção contra a cascata de pequenos seixos que despencavam por todos os lados. Morten notou que na fraca luminosidade que filtrava do céu por entre as densas nuvens de poeira, surgiu o que a princípio pareceu ser uma montanha andando sozinha.
Logo ele percebeu que estava errado. Não era exatamente uma montanha dando um rolê, mas um rochedo tão gigantesco, com mais de setenta metros de altura que havia se desprendido de um paredão maciço e desceu rolando a montanha, levando consigo tudo que havia pela frente.  A pedra girou se despedaçando e se fragmentando em três monstruosos pedaços, que explodiam em partes menores conforme se chocavam com as rochas sob seu caminho. Era como ver um gigante correndo em câmera lenta.

O espetáculo implacável durou relativamente pouco. Em minutos só restava o ruído incessante dos ventos percorrendo as fendas da montanha. Os ventos constantes que sopravam da planície fizeram seu trabalho de empurrar a nuvem de poeira para longe.
Morten encheu os pulmões de ar frio e gritou:

-Bom dia pra você também, ô planeta filho da puta!

O dia começava a raiar e no lusco-fusco azulado, Morten Carlson notou a trilha de destruição causada pela rocha. Ela havia cavado uma enorme trincheira por onde rolou, moendo tudo que estava em seu caminho. Felizmente a rocha havia rolado para longe. Fosse o contrário, ela teria sido seu fim. A massa do monstruoso megalítico teria literalmente o transformado num patê irreconhecível.

Morten voltou até a fenda e verificou as condições. Ativou as lanternas e olhou pelas paredes. Ali estavam elas:  Rachaduras e fraturas onde antes não havia nada, davam indícios de que ficar ali em baixo já podia ser uma má ideia em termos de proteção.

Tratou de juntar a manta térmica e a mochila. Em meio a areia e pedras do chão localizou o aparelho do Ramsés. Ainda funcionando, felizmente.
Morten pegou tudo e partiu pela entrada da fenda, seguindo o mesmo caminho que havia feito antes. Com mais luz e mais tempo, talvez o corpo de Ramsés revelasse mais alguns segredos. Certamente haveria uma forma de acessar a mochila dele. O que o explorador morto guardaria nela?
Enquanto andava, Morten se deu conta da enormidade da pedra que havia se soltado da montanha. Seus cálculos estavam errados. Conforme andava, foi se aproximando dos grandes pedaços lá em baixo e se deu conta que havia mais que dobrado as perspectivas de tamanho para aquela pedra. Ela devia ter quando era um só rochedo, mais de cem metros de altura. Talvez cento e cinquenta e milhares de toneladas.

O sol havia finalmente chegado com tudo. No céu, havia uma fraca nebulosidade, com nuvens cirros de grande altitude desenhando caminhos na imensidão azul claro que se tornava quase branca no horizonte.
Morten percebeu que estava com a garganta seca. Com o despertar maldito do fim do mundo, havia se esquecido de beber ou comer qualquer coisa. Os inibidores de fome eram eficazes, mas a sede parecia uma constante ali.
Sentou numa pedra e pegou na mochila a garrafinha. Os geradores de condensação tinham trabalhado duro e ali estava uma boa quantidade de água, felizmente.
Morten tomou um gole e sentiu um gosto estranho. Aquilo o preocupou, pois se os filtros e o sistema de correção mineral não estivessem funcionando bem, logo ele iria morrer. Carlson rodou um check up do sistema e parecia tudo em ordem, de modo que ele concluiu que a água devia ter capturado um pouco do sabor da fumaça dos fungos ressecados.
Tinha sido uma burrice deixar a mochila na reta da fumaça.
Ele bebeu toda a água com gosto ruim mesmo e se pôs em marcha para chegar logo no corpo de Ramsés.

Logo, Morten avistou Ramsés caído exatamente como ele havia deixado. Estava em meio ao monte de bolotas verdes, na periferia da imensidão de bolotas.
O corpo rígido, a cabeça tombada para trás. O capacete largado ao lado do corpo.
Logo que chegou junto a Ramsés, Morten livrou-se do peso que carregava e virou o corpo do defunto de bruços para poder explorar a mochila.
Abaixo de uma lingueta estava uma placa metálica, que foi difícil de tirar, mas ele conseguiu. Era uma placa inteiriça e rígida, que protegia o sistema de baterias. Eram baterias muito finas. As mais finas que ele já tinha visto. A placa tinha uma composição de polímeros revestindo a mesma, o que pareceu ser cobre resinado ou algo parecido. Talvez operasse também como uma antena, dado seu formato. Proteger as baterias de impactos era algo fundamental. Não fosse a placa de proteção, um simples tombo poderia fazer o explorador explodir em chamas, como os antigos celulares na Terra.
Morten desmontou as baterias, removendo os encaixes. Os adaptadores eram os mesmos, felizmente. Isso significava uma coisa muito importante. Com baterias extras, mais calor, mais energia, mais luz. Mais sobrevivência. Pilhar as baterias do Ramsés sem dúvida que seria a melhor notícia do “Carlson News”.
Ele vasculhou com cuidado o pack de baterias para tentar descobrir as tensões do conjunto, mas não achou nada que indicasse os valores. Havia muita coisa escrita em chinês, mas como ele não entendia, isso pouco ajudava.

Seguindo com sua “pilhagem da fraternidade”, Carlson encontrou os dois reservatórios de água. Um de cada lado da mochila. Ambos eram de alumínio escovado sem indicações. Um certamente era água e o outro possivelmente, xixi. Os trajes eram equipados com um sistema que coletava a urina e poderia filtrar e converter em água potável. Num planeta desértico, qualquer reciclagem poderia fazer a diferença entre viver e morrer. Descobrir o recipiente que era a água de beber foi relativamente fácil, porque somente um dos recipientes era preso num engate rápido, para permitir ao explorador o acesso ao vasilhame.

O reservatório de urina era fixo. Mas diferente do reservatório na mochila dele, o do chinês era idêntico ao de beber. Talvez, os chineses tivessem feito algumas alterações de barateamento no traje, ou poderia ser outro motivo: Com dois recipientes idênticos, em caso de falha ou problemas na mochila, um sobrevivente em apuros poderia adaptar um item para a função do outro.
Parecia uma ótima ideia em termos de design. Se a ideia era aquela, eles estavam em à frente mesmo.
Morten encontrou os bolsos pelo traje. Com a luz do sol, fuçar o corpo era muito mais fácil.  Achou estiletes, alguns cartões estranhos, pouco maiores que cartões de crédito.  No verso, havia instruções ilegíveis. Os cartões talvez fossem chaves de acesso. Eram cerca de sete deles. Com cores diferentes. Sem dúvidas, um ali era uma chave de acesso. Provavelmente, o cartão-chave era o menor deles, que tinha um microchip embutido no plástico. A incógnita, ficava por conta dos outros. Qual a função deles? Alguns continham uma espécie de filme plástico colado num quadradinho. Talvez fossem para verificações biológicas, verificação de radiações, veneno ou coisas do tipo.
Morten jogou os cartões na mochila dele. Voltou para Ramsés.
A mochila continha praticamente tudo que havia na dele, inclusive um “caderno”, mas quase tudo era de tamanho menor ou mais simplificado, o que indicava um avanço tecnológico bem claro em relação ao chinês.
Morten começou então o difícil processo de desmontar o traje, tentando abri-lo por trás para ver se na parte interna, junto ao corpo do defunto havia alguma pista, alguma coisa que se pudesse aproveitar. Ramsés estava usando um traje de sensores, revestido por um traje térmico bem similar ao dele. Captadores de urina, sensores biométricos, nada demais, mas o cheiro de podre era insuportável. O corpo havia desprendido líquidos e mexer no defunto era horrível. Morten não aguentou o fedor e se dedicou a mexer na mochila. Ali havia um pequeno cilindro de ar comprimido, e um conjunto valvulado de admissão de gás. O cilindro era muito pequeno em relação ao dele.
Morten Carlson percebeu que aquilo dava uma pista importante sobre Ramsés. Ele sentou-se numa pequena pedra diante do defunto e pensou por alguns minutos sobre o que tinha encontrado.
Se o reservatório de ar comprimido era tão pequeno, isso indicava que quem quer que fosse que enviou aquele explorador, já sabia que o planeta misterioso tinha ar respirável. Ou aquele era um traje de pequeno alcance. Talvez Ramsés tivesse sido transportado com um outro traje, mais completo e aquela roupa era só para pequenas explorações pontais nas imediações de sua base. Isso explicaria também porque a mochila de Ramsés era menor e integrada ao traje.
Carlson daria tudo para trazer Ramsés de volta à vida. Eram tantas as perguntas para fazer ao morto… Se ele pudesse falar algo que Morten entendesse, obviamente.
Como ele veio? A China tinha um programa de exploração? Certamente haviam colocado espiões no buraco e copiado a tecnologia. Que sacanas! Quando ele chegou? Onde esteve? O que viu? Como sobreviveu? Como morreu?
As perguntas se sucediam em um turbilhão.
Morten parou e pensou que talvez o mais correto fosse cavar uma cova rasa e enterrar Ramsés. Ninguém merece ficar morto daquele jeito com a boca aberta cheia de dentes… Mas cavar no sol escaldante seria um esforço enorme. Arrastar o corpo já tinha sido um trabalho hecúleo.
De tal modo que Morten decidiu pelo menos trabalhoso: Largar Ramsés para trás esparramado no chão ressecado do deserto e seguir em frente.
“Ninguém vai saber mesmo…”
Continuou sua investigação e encontrou algo realmente interessante: Uma arma! Sabe-se lá por que, Ramsés tinha um coldre oculto no traje e nele havia uma pequena arma de fogo.
-Olha só! Que surpresa, hein? – Morten exclamou ao descobrir a arma. Era uma pequena pistola semiautomática modelo Smith & Wesson Bodyguard .380. Com um tamanho bem pequeno, e leve aquela era uma arma altamente ocultável, e que funcionava geralmente como uma pistola de autodefesa. Um botão na lateral da arma ativava uma mira laser verde. Morten avaliou a arma e ela estava carregada, mas sua capacidade era de seis balas mais um projetil na agulha. Estranho. A arma só tinha três balas no pente e uma na agulha. A menos que Ramsés tivesse se distraído ao carregar a arma, tudo indicava que ele havia usado a Smith & Wesson.  Isso levava a novas questões: Por que o chinês estaria armado? E em quem, ou no que ele atirou?
Um estranho som chamou atenção de Morten.
Ele se virou, mas não viu nada.

Era um som estranho como se algo tivesse passado correndo perto dele.
Morten se virou lentamente e olhou ao redor. O vento havia parado e era como se houvesse um estranho vácuo no lugar.
Morten sentiu a estranha sensação de estar sendo observado.
Com alguma dificuldade, devido a espessura do traje, ajustou a pistola em suas mãos.
Olhou ao redor mas nada parecia diferente. Era só o deserto, pedras, e as bolotas para tudo quanto era lado.
Achou que talvez estivesse ficando paranoico.
Morten agachou-se diante do corpo do explorador chinês. Tornou a ouvir o estranho som.
Dessa vez, não fez movimento brusco. Lentamente virou a cabeça e viu, com a visão periférica, uma espécie de vulto se movendo lentamente por trás das rochas.
Então ele se virou e deu de cara  com aquele troço.

-Puta que o pariu! – Ele exclamou com horror.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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