O contato de 1976

Não faz muito tempo, estivemos no churrasco da Tia Ângela.

O churrasco foi legal, fazia anos que ela não dava nenhuma festa na casa dela. Desde que o meu tio Cláudio faleceu de câncer em 2008, ela andava meio baixo astral. Mas como meus primos vieram de Portugal, ela se animou.

O churrasco transcorreu normalmente, com as piada e as palhaçadas de sempre, mas o que é realmente interessante, aconteceu já quase de noite, no fim da festa. A galera já estava toda na piscina, e eu, a Inês e o Marcelo, tomávamos o resto da batida com a tia Ângela no jardim quando a caixa de som começou a tocar uma música do Raul Seixas, aquela “Ô seu moço do disco voador”.

Inspirada pela música, e pela birita, depois de tomar “umas e outras”, ela nos contou uma história sobre uma promessa que tinha feito ao meu tio de nunca revelar uma situação que eles passaram nos anos 70 enquanto ele estivesse vivo. Era algo sobre um disco voador.

Obviamente que me animei, afinal, o álcool tem efeitos estranhos sobre as pessoas. Enquanto solta a língua de uns, ele normalmente me deixa extremamente curioso.

Minha tia começou a contar, mas logo de cara, a Inês que também estava encachaçada, começou a rir feito uma babaca. A tia ficou puta, queimou no golpe e saiu.

Eu falei com ela e com o Marcelo que era vacilo fazer aquilo. O Marcelo, bundão como sempre foi, falou o bordão dele: “Você sabe como que é a sua irmã”.

Eles levantaram e foram lá pra beira da piscina. Eu fui até a churrasqueira onde uma última linguiça esturricada, que parecia até um cocô fossilizado, resistia ao calor morno que emanava das brasas. Não tive coragem de macular aquela barbaridade estética. Servi mais um pouco da caipirinha.

Nisso, veio a tia Ângela com uma caixa de sapato amarrada com barbante debaixo do braço. Ela chegou na bancada e jogou a caixa sem dar muitas explicações.

“-Tá aí, ó.”

Obviamente que eu perguntei o que era aquilo. Ela sorriu e com dificuldade desamarrou o barbante da caixa. Minha tia começou a tirar umas fotos antigas da caixa e percebendo que eu estava dando atenção sem fazer as piadocas idiotas da minha irmã, ficou num tom sério e disse: “Eu sou amiga de uns extraterrestres.”

O jeito que a tia falava era num misto de tom sério com uma pitada de zoeira. Ela parecia falar serio, mas disse sorrindo. Talvez estivesse me testando.

Na dúvida, eu não disse nada. Apenas olhei para dentro da caixa de fotos. Havia todo tipo de foto antiga ali. Meus primos pequenos, a minha irmã abraçada com uma boneca maior que ela, os natais da família, as fotos da vovó e do vovô…

Ela examinou algumas e dali tirou um pequeno álbum meio desbotado.

E então ela começou a me contar essa história esquisita:

Ela e meu tio Cláudio tinham dois amigos que costumavam acampar com eles. Tia Ângela e tio Cláudio adorava acampar, mas esse caso, segundo ela, aconteceu antes deles comprarem o trailer.

Em 1976 eles viajaram no carnaval com os amigos e foram para um lugar perto de Paraty. Inicialmente o plano era de irem quatro casais, mas uma chuva torrencial na véspera da partida fez com que dois casais desistissem da aventura e ficassem no Rio.

Assim, foram acampar apenas a tia Ângela, tio Claudio, que na época namorava com ela, um amigo deles chamado Vicente que tinha um jipe, e o casal de amigos que eram Lúcia e Beto. O tal Vicente, era um primo de segundo grau do Beto que estudava com ele na faculdade.

Eles chegaram no lugar combinado e montaram a barraca. Essa barraca amarelo-ovo da foto:

Tia Ângela e tio Cláudio

O primeiro dia foi super legal, porque o sol abriu logo que eles chegaram no acampamento. Ela estava com medo, porque lá chove muito e camping no mato com chuva, é uma merda.

No final do primeiro dia, já ia anoitecer quando chegou uma galera lá. Era um trailer de um coroa idoso gente fina, que acampou lá perto deles. Instalaram-se numa clareira entre arvores que eram muito altas. Nesse trailer ela disse que estavam seis pessoas, todos muito educados e mais velhos. Os mais velhos eram um homem chamado Edgar, dono do trailer e sua esposa, que ela acha que chamava “Dora”, ou “Lara”. Algo assim.

Havia ainda três outras mulheres na faixa dos 45 anos e um homem cabeludo de uns 30 anos, que talvez fosse par de uma daquelas mulheres.  Não havia nenhuma criança.

Após se conhecerem e jantarem juntos, tia Ângela disse que o coroa do trailer o tal de Edgar. Ele consultava o relógio a todo momento. Ele parecia aflito. Aliás, todos os caras do trailer estavam parecendo um pouco nervosos demais.

O homem cabeludo era quietão, pouco falava, mas a dona Dora e seu Edgar eram gente finíssima.  Logo, surgiram com vinhos, queijos caros e comida boa, oferecendo pra eles.
Quando deu mais ou menos umas nove horas, o Vicente estava tocando seu violão e todo mundo cantando, quando o seu Edgar, se levantou num pulo da cadeira e olhando para o céu, falou animado: “Olha lá! São eles! São eles!”

Claro que todo mundo do acampamento olhou para cima, tentando ver o que o velho estava apontando.

O pessoal do trailer dele rapidamente correu para se sentar no chão e começaram a cantar umas musicas esquisitas, tipo uns mantras.

O Edgar saiu correndo para o trailer enquanto todo mundo olhava para as estrelas. A principio, não deu para ver nada demais.

Ele voltou com um binóculo e ficou olhando para cima.  Mas tirando um pequeno ponto de luz que passou reto muito lá no céu, ninguém viu mais nada. Tio Cláudio concluiu que era algum Sputinik da vida. Mas a galera do trailer ficou lá cantando e gemendo.

Tia Ângela falou que ninguém deu muita ideia, porque naquela época, o maneiro era ser meio doidão mesmo. Todo mundo lá meio que acreditava em Buda, Jesus, fadas, anjo da guarda, Et. Povo Maluco beleza…

Quando ficou muito tarde, todos foram dormir, menos o seu Edgar, que estava numa cadeira de praia, e lá ficou, com os olhos fixos nas estrelas. Tia Ângela achou que o velho era meio fanático e eles foram dormir.

No dia seguinte, as meninas organizaram um almoço e os rapazes jogaram bola num campinho improvisado no meio do acampamento.

Quando foi lá pelas cinco da tarde, o seu Edgar saiu correndo para o meio do “campo de futebol” agitando os braços loucamente.  De novo ele estava vendo os Ets no céu.

A essa altura, minha tia disse que já esperava que fosse apenas uma viagem de maconha estragada do velho, mas seu coração quase parou quando ela chegou no meio da clareira e olhou lá pra frente.

Estava lá mesmo! Parada, no céu. Iluminada pela luz do sol, aquela coisa parecia uma enorme roda de caminhão, suspensa no ar.

Tio Cláudio que estava dormindo, acordou e veio com a gritaria. Quando ele bateu o olho naquela coisa começou a berrar para o Beto vir com a câmera.

O Beto e a Lúcia tinham uma câmera de boa qualidade. O seu Edgar disse que não era para fotografar, que “eles não gostavam”, mas o Beto cagou solenemente para o que o velho do trailer dizia e começou a fotografar.

Então, aqui temos a primeira foto do que foi o contato do domingo de carnaval, um carnaval que meus tios jamais se esqueceriam.

A primeira foto do objeto do carnaval de 76
A primeira foto do objeto do carnaval de 76

Aquela coisa estava parada no céu, mas gradualmente, começou a aumentar de tamanho.
As pessoas estranhas do trailer começaram a se abraçar e cantar a musica esquisita, que agora, diante dos acontecimentos, meus tios até cantavam também.  O Edgar dizia sem parar: “Não tenham medo! Não tenha medo, que eles vêm! Venham! Venham!”

Tia Ângela começou a ouvir então o barulho que o objeto fazia. Ela imitou pra mim. “Era um som assim: Hummmmmmmmm”.

Esse som foi aumentando e aquele negócio chegando.
O Beto se afastou e a Lúcia entrou no trailer.
“Olhamos para cima e ele estava descendo, enorme. Lindo.”

As coroas do trailer choravam, abraçadas.

Quando ele pousou, era mais ou menos do tamanho de um caminhão, desses caminhões que não são carretas gigantes, um caminhão médio. Devia ter uns dez metros.

Desceu suavemente no meio do camping. Para espanto da minha tia, ninguém correu. As pessoas estavam felizes, pareciam em um tipo de transe, [em choque?] e ficaram lá olhando aquilo descer. Ele desceu no chão e a tia viu quando ele lentamente afundou no solo um pouco. O som tinha parado.


Então abriu uma espécie de portinhola redonda, de onde desceram três figuras enormes. “Elas eram literalmente enormes! E lindas!” – Disse tia Ângela, mexendo no álbum.
O Beto não parava de clicar.


Essa moça gigante veio andando devagar. Saiu uma depois, outra. Pareciam iguais. Só depois veio mais uma. Elas duas estavam vestidas igual. Uma espécie de capa com capuz que parecia feita de ouro bordado. Minha tia nunca tinha visto nada igual aquilo. As mulheres deviam ter dois metros de altura e eram bem parecidas, mas não idênticas. Pareciam irmãs. Elas não falaram e nem gesticularam. Vieram calmamente, com os braços caídos retos ao lado do corpo. Não havia som de vento. Os passarinhos não cantavam, nem as folhas roçavam. Deu como se fosse um vácuo estranho.

O Beto conseguiu registrar a tia Ângela diante de uma delas

Todos do acampamento ficaram olhando as mulheres chegando devagar. Andavam devagar, como se estivessem debaixo d´água.  Elas usavam esse tipo de capa, que lembrava uma capa de chuva, mas era mais solta. E por baixo vestiam um tipo de roupa apertada nos tornozelos, que era uma espécie de macacão inteiriço que fechava até o pescoço, que parecia ser feito de um material igual um veludo. Esse macacão terminava em botas, mas era tudo numa peça só.
Ao todo, só desceram três delas da nave. Tia Ângela nunca soube se havia mais alguma lá dentro.

Duas mulheres ficaram paradas olhando para eles. Uma delas andou de um lado para o outro. Seus olhos eram intensamente azuis. Essa parecia ser a chefe das outras, segundo a tia Ângela notou.  Inicialmente elas não se falaram. Essas duas ficaram prostradas como umas estátuas, com os braços retos, como numa pose de militar. A outra andou pelo acampamento. Ninguém ousava dizer nada.  Beto, de longe, fotografava tudo.

O seu Edgar do trailer se aproximou dela e falou alguma coisa absolutamente incompreensível.
Tia Ângela então, espantada, viu a mulher responder ao velho. As outras pessoas que estavam no trailer, pareciam calmas e conformadas com o que estava acontecendo ali.

A melhor fotografia de uma alienígena que eu já vi. Possivelmente Aruwid

Ela então tirou o capuz. Era uma loura. Elas nunca riam. Sempre estavam sérias, mas não eram nem um pouco agressivas. Pareciam gringas. Se não fosse seu tamanho quase de “estátuas de praça”, elas passariam como turistas. Todas as duas tinham franjas e um nariz um pouco grande.  A líder tinha o mesmo cabelo quase branco, liso, mas era curto. E ela parecia mais bonita que as outras.

Soubemos que ela se chamava Bayleeya (a tia disse que soa como “Bailííia”) As outras eram Daminira e Aruwid, mas minha tia não sabia bem qual era qual.

A esposa do homem idoso do trailer veio trazendo um tipo de copão prata, cheio de água e entregou a ela.  Ele conversava com a líder diante da nave. Ela fez sinal e as duas andaram até o trailer. A líder entregou o vasilhame e uma delas levou para a nave e voltou minutos depois.

Tia Ângela ouviu a voz da mulher. Era firme e bela. Uma voz baixa. Mas ela fava algo que parecia na sonoridade, com alemão.

“Elas vão ficar até de noite!” – o homem disse, sem disfarçar sua grande felicidade. Estava exultante, na verdade.

Foi a coisa mais incrível, porque gradualmente, elas foram ficando por ali, e as pessoas relaxaram completamente. Tia Ângela admirou-se com a espaçonave. O coroa toda hora lembrava para ninguém mexer na nave nem tocar nelas. Eram apenas essas as regras.
As mulheres comeram uns biscoitos e beberam água.
O velho do trailer era o intérprete e conversava com elas naquela língua esquisita.

Baylleeya: O pessoal do trailer trouxe umas comidas, e elas ficavam apenas andando pra lá e pra cá, observando com atenção.

Segundo tia Ângela, o Beto fez dois filmes de 36 poses de fotos daquele dia, mas a maior parte das fotos ficou com ele.

Daminira se interessou pela máquina de retratos

A esposa do seu Edgar contou que são sempre três tripulantes que descem da espaçonave. Normalmente dois homens e uma mulher. Mas naquele dia eram três mulheres.  Aquele era o terceiro encontro deles.

Tio Cláudio e o Beto fizeram muitas perguntas. A Lúcia e o Vicente evitavam o contato. Vicente tocou uma musica no violão, e pareceu que as visitantes gostaram muito.

Tia Ângela foi até a barraca, pegou uma pulseira de ouro que ela tinha e foi até a líder. Através da ajuda do seu Edgar, ela disse que era um presente para elas. A visitante agradeceu pela gentileza. Disse que voltaria.

Beto quis saber delas como a nave funcionava e ela explicou. Infelizmente, Edgar era um pouco atrapalhado para traduzir o que ela dizia.
Ela disse que existem campos magnéticos que formam estradas, por todo o cosmos. É pelo caminho dessas linhas com qual o aparelho deles consegue trafegar. Por isso, elas vinham a cada cinco anos.

Tio Claudio perguntou se ela era da nossa galáxia e elas disseram que sim.
O Velho contou que elas evitam o contato direto, porque os seres humanos são primitivos demais, e colocam a própria vida em risco ao atacar eles, porque o ser humano ataca o que ele não conhece.

Eles estavam comendo e conversando quando Bayleeya disse alguma coisa ao Seu Edgar. Ele falou “Tá na hora delas.”
O rapaz de cabelo comprido saiu do trailer e todos o abraçaram. Só então, meus tios se deram conta. Ele estava indo embora. O rapaz saudou cada um deles com um forte aperto de mãos. As amigas se despediram. Elas entraram na nave pela mesma portinhola circular que o rapaz. O ruído voltou forte. Edgar disse que tínhamos que nos afastar.  De noite, deu pra ver uma intensa luz azul que emanou do objeto conforme ele subiu.

Gradualmente, o disco voador foi ganhando altitude. Ele passou pela copa das árvores e quebrou alguns galhos nessa passagem.
Lá em cima, ele projetou uma luz azul bem forte que passou pelo acampamento. Depois, esse facho de luz se apagou e a nave seguiu na direção do mar, em silêncio, até sumir no horizonte.

Uma estranha “saudade” ficou em todos eles quando elas se foram. As pessoas do trailer estavam felizes. Eles partiram na manhã seguinte, bem cedo de volta para Minas Gerais. Segundo minha tia, todos eles prometeram não contar a ninguém sobre aquela interessante experiência. Prometeram guardar somente para eles.

Eu perguntei para minha tia se cinco anos depois elas voltaram, e minha tia apenas acenou positivamente com a cabeça.

“Eles voltam a cada cinco anos.”  – Ela disse.

Aquela foi uma das últimas vezes que falei com ela. No carnaval de 2022, minha tia foi acampar como sempre fazia e desapareceu.

FIM

Receba o melhor do nosso conteúdo

Cadastre-se, é GRÁTIS!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade

Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

Artigos similares

Comentários

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Últimos artigos

Gripado

O dia da minha quase-morte

Palavras têm poder?