Nas montanhas dos gorilas – Parte 4

“Meu Deus, é o Bob!” – Pensei.

Eu não sabia o que fazer. Talvez devesse sair correndo para avisá-lo para não gritar. Mas isso envolveria abandonar o plano e colocar Olya em risco.

Assim se iniciou um grande conflito. Bob estava gritando e parecia aflito. Achei que já estava sendo perseguido por algum dos macacos. Com certeza Bob ficou preocupado e deu um jeito de entrar no parque em busca de nós. Eu peguei o radio e tentei chamar o Olya. Mas ele não me respondeu. Certamente estava com o radio desligado, tratando de fabricar a armadilha para pegar o Silent.

Sem saber exatamente o que devia fazer, eu resolvi correr para ajudar Bob, que parecia estar numa situação pior que Olya.
Segui os gritos até a beira do lago. Então cheguei numa espécie de pracinha circular perto do lago. Era uma parte que estava iluminada por um poste. A voz de Bob ficou mais e mais abafada. Então, chocado, me deparei com ele. Bob estava lá no final da pracinha, amarrado num poste, com um saco de pano sujo enfiado na cabeça.

Eu parei a uns dez metros dele e olhei em volta. Quem podia ter feito aquela maldade com ele? Corri até o Bob com a arma na mão.

— Bob! Bob! Calma, sou eu, Philipe!

— Phil, me tira… daqui cara… Me tira… daqui!

Bob Era um cara grande e forte. Seus braços musculosos de fisiculturismo estavam presos por uma corda grossa. Ele estava sujo e em choque. Apenas balbuciava coisas incompreensíveis, gemendo por socorro. Tentei desamarrar o bololô de cordas que o prendiam ao poste. Percebi que ele estava com a camisa toda suja de sangue.

Então, parei e me dei conta do que estava acontecendo ali. Eu tinha caído como um idiota numa armadilha. Olhei para trás.

De pé como se fossem gente numa penumbra, estavam três macacos me olhando. Reconheci o do meio imediatamente: Era ele. Silent, aquele maldito!

Me senti completamente burro nessa hora.  Apontei a arma para eles.

Silent sorria com seus olhos arregalados. Estava se divertindo muito em me caçar. Mas eles estavam parados, não vieram pra cima de mim. Deviam estar apenas saboreando o momento de glória.

Agora eu estava convicto de que ia mesmo morrer! Eu apontava a arma na direção deles e estava disposto a morrer mas eu ia levar pelo menos dois comigo pro inferno.

Tirei o pano da cabeça do Bob devagar. Ele estava bem machucado. Os macacos tinham batido muito no pobre Bob.

— Fica aí, senão eu meto bala! –Eu disse para eles, tentando não alar muito alto.

Foi burrice. Logo após falar isso, eles começaram a avançar pra cima de nós, bem devagar. Andavam se balançando, de pé. Era ameaçador demais ver aquelas criaturas andando igual gente.

Eles estavam mais e mais perto e eu já não ia ter como errar. Puxei o gatilho com força. Acertei um tiro no que vinha na frente e ele caiu estatelado. O estampido do tiro ecoou pelo parque.

Silent havia saltado de banda, e se afastou de modo ágil.
Bob assustou com o tiro, e desesperado, começou a gemer tentando se soltar das cordas que o atavam no poste.

— Ai meu Deus! Me tira dessa merda! Rápido!

Eu apontei a arma de novo, mas os macacos agora estavam saltando de um lado para outro, de modo frenético. Era uma estratégia para eu não conseguir acertar.  Eles recuaram e voltaram para a penumbra.  Percebi que agora que eu tinha atirado, logo a pracinha estaria repleta de macacos.

Eu fui para trás do poste e tentei libertar o Bob. As cordas se afrouxaram um pouco.  Olhei para trás de mim e ali estava o lago.  Percebi de maneira bem trágica que minha única chance agora ela pular na água e sair nadando feito louco, porque eu não ia tirar o Bob dali a tempo.  Eu já ouvia os ecos dos gritos dos macacos.

Vendo que recuei e olhei para o lago, Silent e o outro macaco estranho investiram novamente para cima de nós.

Dei mais um tiro e errei. Eles eram ágeis demais.  Quando eles tornaram a vir novamente tentei outro tiro, mas a arma falhou. O tiro não saiu. Tinha dado alguma merda no revólver, bem no pior momento!

— Eles estão vindo, estão vindo! Atira! Atira porra! — Bob gritava, sem entender o que tinha acontecido com a arma.

Eles vieram pra cima de nós com as presas arreganhadas. Mas então um barulhão louco e uma fumaceira branca surgiu eu nem vi de onde. Os macacos se assustaram e saíram pulando feito doidos para dentro de uma loja na forma de uma linda casinha amarela que tinha do outro lado da pracinha.

Era o “moleque feio”.

— Não acredito! Jhonny?

Ele tinha um extintor de incêndio na mão.

— Rápido! Rápido!  — Jhonny disse, apontando o extintor de Co2 para os macacos.

Os macacos tinham mais medo do extintor do que do revólver.

Comecei a desamarrar o Bob com a máxima velocidade que eu conseguia, mas o burro do Bob estava tão afoito que puxava as cordas, e me atrapalhava.

— Para quieto aí, filho da puta! Tu tá me atrapalhando!

Quando finalmente consegui soltar, Eu escutei a algazarra de macacos se aproximando.

— Bora! Bora! — O moleque feio apontou o caminho por dentro de um canteiro.

Levantei o Bob e saímos correndo. Os dois macacos iam nos cercando, mantendo distância do extintor. De vez em quando Jhonny apertava o gatilho e soltava aquela fumaça branca, que afastava eles. Os macacos gritavam e corriam pra longe.

— Pra onde?

— Ali! Ali! — Jhonny me apontou o pedalinho carcomido na beira do lago.

Entendi que teríamos que fugir para a outra margem e ganhar distância dos macacos. Empurrei Bob para dentro do pedalinho com todas as minhas  forças.  O moleque feio ficou para trás, apontando o extintor para os macacos.

— Vai!  — Ele berrou.

— Entra Jhonny!

–Vai! Vai! Eu vou logo atrás.

Comecei a pedalar loucamente. Jhonny apertou aquele gatilho com toda força e o extintor deu duas baforadas brancas e parou. Tinha zerado o Co2.

Ele largou o cilindro no chão correu e pulou na água.  Os macacos começaram a correr e pularam na água também, tentando nos alcançar.

Jhonny estava nadando rápido. Eu e o Bob paramos de pedalar para ele poder se agarrar no pedalinho. Bob esticou o braço musculoso para que ele agarrasse. Os macacos estavam vindo nadando bem atrás.

O moleque feio estava estava dando braçadas, estava quase chegando quando do nada, arregalou os olhos e desceu, sumindo na água escura.  Um monte de bolhas restava no lugar onde estava nosso cinegrafista.

— Jhonny! Jhonny!  — Bob berrou, desesperado.

Eu imediatamente entendi o que tinha acontecido.

Os macacos também, poque imediatamente começaram a surtar em um pânico generalizado, e dar meia volta, num nado desesperado. Vi quando um dos macacos afundou na água escura como havia acontecido ao nosso amigo. Num movimento de água, eu vi a cauda escamosa de um crocodilo se agitando sob o brilho da fraca luz que atingia a superfície do lago.

— Jhonnyyyy! — Bob estava inconsolável.

— Já era cara. Pedala essa merda aí! Pedala!

Vi ao longe uma pequena multidão de macacos pulando lá na pracinha sob o poste. Estavam gritando ao ver o macaco que matei a tiros. Vi quando o Silent saiu da água se sacudindo e correu para o jardim.  Entendi então porque o Silent não tinha pulado atrás de mim do mirante no dia anterior. O lago estava cheio de crocodilos. Eu não sei como sobrevivi atravessando a nado. Talvez eles estivessem se esquentando ao sol em alguma margem naquele momento e eu dei sorte. Tive que pedalar e consolar o Bob ao mesmo tempo.

— Calma cara.

— Eu só quero ir embora dessa merda! — Ele disse, cuspindo sangue.

— Eu também, Bob.

Chegamos na beira da ilha flutuante.

Eu pulei do pedalinho e ajudei o Bob, que estava mancando, para sair do pequeno barquinho.

— E agora, Phil?

— Não sei. Preciso pensar. Vamos nos esconder aqui dentro. Vem.

— Eles vão dar a volta no lago cara. Daqui a pouco chegam aqui. — Ele disse, olhando o lago escuro na nossa frente.

Meti a mão no bolso e peguei a lanterna. Apontei no lago e vi vários pontinhos vermelhos na água.

— Tá vendo isso? São os olhos deles. A água cheia de crocodilos!

Os répteis tinham seguido nosso pedalinho pelo lago, esperando o momento de nos atacar.

— Puta que pariu!

Então, o facho da lanterna iluminou um grosso cabo de aço que estava descendo da ilha flutuante para o meio do lago.  Eu passei a lanterna acompanhando o cabo. Ele estava retesado, subindo do fundo do lago direto para um tipo de casinha amarela octogonal, que lembrava uma cabine de um antigo bonde, que havia ali na extremidade da ilha.

— Vem, Bob. Por aqui! Eu apontei na direção da casinha.

Ajudei bob a atravessar a galeria de arte. Chegamos na casinha. Ali estava um tipo de pequena casa de máquinas com uma série de motores e engrenagens e um grande volante de ferro.  Iluminei as alavancas que subiam do chão.

— Mas que merda é essa? — Bob quis saber.

— Isso aqui é nossa garantia de sobrevivência, Bob. Vai! Me ajuda a rodar esse volante!

Tentamos girar o negócio, mas ele era muito duro. Vi que estava engatado em modo de motor. Eu então puxei uma das alavancas no chão, desconectando o motor e passando o volante para modo manual. Aí sim, aquele volante ficou super mole.

Lá fora estava ouvindo os macacos gritando. Pensei em Olya. Talvez tivessem encontrado o russo.

Começamos a girar aquele enorme volante.

— Mais rápido! Mais rápido!  — Bob dizia, olhando por uma das  janelinhas — Eles estão correndo pela beira do lago! Os malditos vão dar a volta!

Eu girava aquele volante feito louco. E ouvi a estrutura dando vários estalos. Quando já não aguentava mais girar aquilo, pedi ajuda.

Bob assumiu o volante e continuou a girar o mais rápido que podia. Felizmente, Bob era mais forte que eu e girava bem rápido.

A caixa de redução montada abaixo de nós estava trabalhando. Eu ouvia o zunido de diversas engrenagens sob o piso de metal da cabine. Percebi que a ilha inteira estava voltando para o centro do lago.  Quando Bob não aguentava mais, eu voltei a girar o negócio. Girei aquele volante até meus braços parecerem que iam cair.

A ilha com o mirante estava lentamente voltando para seu lugar do lago.

Bob apontava a lanterna para o lado de fora da cabine e ia me dizendo: — Só mais um pouco. Só mais um pouco…

Girei aquele negócio até o limite da minha capacidade física. Bob voltou a assumir o volante e girou com seus poderosos braços musculosos.

Quando finalmente paramos, a ilha estava de volta em seu lugar original, no meio do lago.

Aí, se sentindo seguro, finalmente o Bob relaxou e começou a chorar copiosamente.

— Calma, cara. Calma. Estamos a salvo dos macacos. Eles não vão nadar com esses bichos aí dentro.

Estávamos os dois ofegantes e exaustos. Passamos vários minutos apenas respirando fundo.

Quando estávamos mais calmos, Bob contou que quando estava no carro, começou a achar estranho nosso sumiço. Os celulares não funcionavam. Ele pensou em entrar no parque usando as cordas para nos procurar, mas desistiu. Resolveu dar mais um tempo. Então, uma coisa o acertou na cabeça e quando ele acordou, estava dentro do parque, sentindo muitas dores, amarrado e sendo carregado nas costas de um macaco.

Me espantei ao saber que os macacos tinham conseguido sair do parque de alguma maneira e pegaram o Bob lá no carro.

— Então eles saem do parque?

— Acho que sim. Acho que acertaram minha cabeça com um pedaço de pau. Meu cabelo está emplastrado de sangue, olha aqui.  E o resto do pessoal?

Eu apenas mexi minha cabeça de um lado para o outro e ele entendeu.

— Todo mundo?

— Olya estava comigo. Nos trancamos numa sala do castelo.

— E cadê ele?

— Eu e ele estávamos fazendo uma armadilha para pegar o Silent, aquele macaco maior. Nosso plano era matar o Silent e chegar num acesso a um túnel que tem debaixo aqui do parque. Mas aí você gritou…

— E esses macacos, cara. Eu nunca vi macaco desse tamanho na minha vida. Isso não é gorila não!

— Eles pegaram chimpanzés e fizeram alterações genéticas neles, Bob. Esses são os filhotes dos macacos iniciais de um experimento…

— Pera, Phil. Eles quem? Experimento? Num parque de diversões?

— É isso aí. O parque era uma fachada. Aqui estava rolando um experimento . O Olya descobriu uma série de documentos no castelo. Eu li.

Bob se sentou, encostando numa parede enferrujada. Sentimos o leve balanço da ilha. Ele cruzou os braços sobre os joelhos.

— Cara, brigado. Se você não aparece… Eu não sei o que ia ser…

— Eles te usaram de isca, meu velho.

— Como será que o moleque feio sobreviveu?

— Deve ter se escondido também em algum lugar. Infelizmente, nunca saberemos.

— Eu nunca imaginei que ele ia durar numa situação dessa. Como foi com o Marcell?

Eu contei ao Bob minha saga de fuga do Silent e como vi do alto do tobogã os macacos desmembrarem nossos dois amigos com fúria primal.

— Eu acho que esses macacos são mais espertos que a gente. — Eu disse.

Bob apenas concordou em silêncio. O dia já estava prestes a raiar. Estava frio.

Ouvimos os macacos novamente.  Eu me levantei com cuidado e olhei pela beirada da janelinha. Vi os macacos correndo pela margem do lago. Eles não ousavam entrar na água. Nem se aproximavam muito da margem. Alguns macacos subiram no enorme brinquedo abandonado que lembrava uma montanha russa. Ficara lá, pendurados, nos olhando fixamente, em silêncio.

— Bob, estamos seguros, mas estamos cercados, cara.

— O que a gente vai fazer?

— Eu não sei.

— Será que os macacos vão conseguir usar os pedalinhos? — Ele me perguntou. Eu vi o medo no fundo dos olhos do Bob.

— As pernas deles são muito curtas. — Respondi, com pouca convicção, querendo muito acreditar em meu próprio argumento.

Nossa atenção foi subitamente atraída por um barulhão inesperado. Um rugido avassalador.

— Caralho que isso?

— Só falta ter um dinossauro nessa merda! — Eu disse.

Fomos até a janela da galeria e andamos pela ilha de metal, mas não vimos nada.

— Será que a gente não tá alucinando não?

— Meu… E se tem um leão solto nessa merda?

— Se tem crocodilo, por que não pode ter um leão?

Ficamos ali olhando para as margens do lago, mas não vimos nada.

O sol apareceu finalmente no horizonte, deixando o céu lilás e depois, mais e mais alaranjado.

— Esse parque deve ter sido lindo. — Bob disse, contemplando a paisagem.

Vimos as garças passarem voando.

Eu o chamei e levei bob até o alto da torre de observação. De lá se via uma boa parte dos prédios decadentes que formavam o parque. Vimos ao longe a torre com as antenas. Eu disse ao Bob o que Olya tinha me falado. Aquelas antenas lá bloqueavam os sinais de celular em toda a região da floresta circundante ao parque.

Olhamos  para trás e vimos no alto do brinquedo uns quatro macacos sentados nos ferros. Eles estavam parados lá, de guarda, nos vigiando.

— Com certeza estão ali para avisar ao grupo se tentarmos sair.

Ficamos ali sentindo o calor do sol da manhã nos queimando.  O Bob viu quando lá em cima no céu um avião passou.  Aquele avião nos lembrou da civilização.  Presos no parque, tínhamos a sensação de estar num outro planeta. Pensei que ainda faltavam doze horas para a polícia começar a fazer as buscas… Só não sabia se eu duraria mais doze horas naquele inferno.

— Bob?

— Que?

— Você acha que os macacos conseguem chegar na mansão?

— Eu não sei… Acho que não.

— Talvez eles não se aventurem para além da floresta.

— O mundo deles é esse aqui dentro. Acho que eles devem se concentrar mais aqui, né?

— Phil, tá ouvindo um zumbido?

De fato eu estava mesmo ouvindo um barulho estranho. Era um som baixo, mas foi ficando mais e mais alto.  Olhei para os macacos e eles estavam se levantando no colossal esqueleto de metal.

zzzzzzzzzzzzzzzZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ…

— Olha lá! Olha lá! — Bob gritou, apontando para trás de mim.

Me virei e vi o Olya, descendo em grande velocidade numa tirolesa, escorregando num cabo de aço que atravessava o lago. A tirolesa descia de uma grande torre lá no meio do parque e vinha até outra torre, perto da montanha russa, atravessando o lago.

Ele estava pendurado, descendo rápido. E então, foi diminuindo a velocidade até ficar parado, pendurado, se balançando sobre a água verde lá em baixo.

Olya ficou parado, pendurado no cabo de aço a uns cem metros de onde estávamos com nossa ilha.  Os macacos do brinquedo desceram e correram pela margem, fazendo grande barulho, e se dirigiram para pequena torre perto da montanha russa.

— Rápido!  Pro pedalinho, Bob!

Corremos para pegar o pedalinho que estava amarrado na ilha. Lá longe, o Olya começou a gritar por socorro.

Montamos no pedalinho e fomos resgatar o russo!

À medida em que chegávamos perto, vimos que não éramos só nós que estávamos querendo pegar ele. Ao longe, vários macacos estavam pendurados no mesmo cabo de aço, eles vinham se pendurando, dos dois lados do lago.  Com grande agilidade estavam avançando no cabo de aço, indo na direção do Olya.

Em baixo deles, uma profusão de crocodilos estava nadando em círculos, esperando que alguém caísse.

— Vai, ajuda aí, porra!  Rápido!  — Olya berrou, a plenos pulmões.

Nós pedalávamos no máximo da velocidade que podíamos.

Bob olhou pra mim e disse: — Não vamos perder mais ninguém para esses bichos lazarentos!  — E danou a pedalar o mais forte que ele podia.

Logo, chegamos sob o Olya.  Ali começou uma operação difícil para posicionar o pedalinho. Ele não acertava ficar em baixo do Olya, porque sempre saía da posição. Para girar o pedalinho eu precisava pedalar pra frente e o Bob para trás simultaneamente. O pedalinho ficava girando com pouco controle. O Cabo de aço estava balançando com os macacos  pendurados nele.

Era preciso acertar a posição exatamente sob nosso amigo russo, pois se ele caísse na água, seria comido em segundos.

— Eles estão chegando porra!

Olhei para cima e ele devia estar a quase uns sete metros de altura. Era uma operação perigosa.  Olya tinha usando um cinto de couro para fazer um tipo de laço que prendeu no cabo de aço, como um freio, segurando a carretilha na posição.  Os crocodilos passavam nadando muito perto do nosso pedalinho, mas logo afundavam e sumiam na água turva.

–Vai! Solta!  –Eu gritei quando vi que estávamos bem debaixo dele.

Olya se soltou da carretilha e ficou pendurado apenas no cinto de couro. E então caiu. Ele bateu com força bem na frente do nosso pedalinho, ouvi um estalo forte e Olya ameaçou desequilibrar. Bob se esticou todo e agarrou o russo.

–Segura! Vai! Vai!

Então, buuuum!

Um dos macacos tinha caído do cabo de aço. Ele caiu a uns dez metros de onde estávamos e veio nadando para o nosso pedalinho. Vimos as ondulações surgindo na água. Eu já sabia o que ia acontecer. O macaco começou a se debater desesperado e então foi puxado para o fundo. Em seguida, num giro louco, vimos o crocodilo passar a cauda pelo ar, respingado água para todos os lados. E afundou numa confusa profusão de bolhas esverdeadas.

Pedalamos rápido, para sair debaixo do cabo ou algum dos macacos podia tentar pular no pedalinho. Fomos com o Olya deitado, exausto, sobre a frente do nosso pedalinho.

— Phil! Phil! — Bob gritou, apontando para o chão. Vi o pedalinho se enchendo de água verde.

— Puta que pariu! Ah, não!

— Estamos afundando, caralho!

Eu vi que quando Olya bateu no pedalinho ele quebrou uma parte do casco de fibra que já devia estar muito podre.  A água estava entrando rápido e a ilha ainda estava longe.

— Caralho! Vai, vai!  Olya dizia, com os olhos arregalados vendo o pedalinho encher de água. Mas conforme ele enchia, ia ficando mais e mais pesado para podermos pedalar.

Olhei ao redor e vi os crocodilos nos acompanhado a pouco menos de dois metros.

Estávamos voltando vagarosamente para nossa ilha segura no meio do lago, mas eu não tinha certeza se ia dar pra chegar.  Olya ficou de pé na frente do pedalinho, tentando mudar o balanço de peso.  Isso jogou o ar para os flutuadores traseiros. Vi Olya arrancando a mochila das costas. Ele girou a mochila no ar e lançou ela longe, como um lançador de martelo olímpico. A mochila girou no espaço e  caiu lá no platô da ilha. Calculei que ele já previa que não iríamos sair daquela desgraça com o pedalinho.

Estávamos tão perto…  A frente do nosso pedalinho já estava parcialmente submersa. Vi Bob fazendo toda a força que ele tinha nas pernas.

— Não vai dar, cara.

— Vai sim, força! –Bob disse, usando suas coxas musculosas.

— Não vai, cara. Eu não estou aguentando, ung! — Gemi.

O pedalinho cheio de água estava absurdamente pesado.

Faltavam poucos metros. Eu vi que íamos afundar mesmo.  Bob também desistiu. Não havia mais esperanças.

“Plum!” — Ouvimos. O barulho veio lá de trás.

Outro macaco tinha caído do cabo de aço. Foi como um milagre. Vimos os crocodilos se virando e partiram nadando em disparada para o macaco, que começou a se debater e gritar, estendendo o braço para cima, onde os outros macacos estavam pendurados, apenas olhando.

— Pula! Pula! — Eu gritei, mas Olya abriu a mão na minha frente.  — Espera! Agora não! Deixa eles ficarem mais distantes!

Nosso pedalinho estava quase totalmente submerso já. Evitamos nos mexer bruscamente. Vimos os crocodilos chegando no meio do lago, o macaco berrava em pânico e então foi tragado num puxão.

— Agora! — Olya berrou.  Pulamos os três do pedalinho e nadamos rápido para a segurança da ilha. Ela estava logo ali.

Eu que havia atravessado o lago inteiro nadando, agora para nadar apenas cinco metros, com as pernas ardendo de pedalar os braços ardendo do volante, a distância parecia que nunca ia acabar.

Estávamos quase chegando. Bob nadava loucamente do meu lado. Ajudei ele a se agarrar nos ferros e subir para a plataforma. Mas então me dei conta. O russo não sabia nadar!

— Ei o que você tá fazendo? Tá maluco? Ei, ei!  — Bob disse, atônito ao me ver pular de volta na água. Eu nadei o mais rápido que eu pude na direção do Olya, que estava se debatendo tentando não afundar. Vi os crocodilos voltando para pegar ele.

— Calma, calma que eu vou te puxar! — Eu gritei, mas o russo estava em estado de desespero e tentou me agarrar. Eu vi que era quase certo de nós dois morrermos afogados pelo medo dele. Evitei ficar ao alcance dele.

Um garrafão de água vazio amarrado numa corda azul caiu bem na minha frente.  Olhei para trás. Era Bob.

Joguei o garrafão pra cima do Olya. Quase acertei na cabeça do russo. Ele se agarrou naquilo com toda força. Era como uma boia. Uma coisa passou na minha perna. Se era um peixe, crocodilo ou alga, eu não sei, mas me deu um desespero dos diabos.  Eu ganhei uma energia que não sei de onde veio e berrei:

— Puxaaaaaa Bob!!!

Bob era muito forte. Todos aqueles anos de musculação fizeram jus. Ele começou a puxar a corda com enorme violência. Eu me agarrei no Olya e batia as pernas com as parcas forças que me restavam.  Seria questão de segundos para os repteis nos pegarem.

Mas Bob deu tudo de si. Chegamos na beira de metal. Ele nos puxou com tudo para cima do platô. Logo escalamos aquilo e já na segurança da ilha, vimos os crocodilos chegando e submergindo. A uns nove ou dez metros da ilha, só restava uma pálida ponta azul daquele nosso pedalinho, que lentamente descia para as profundezas do lago.

— Caralho!

— Puta que pariu. Essa foi….

— Uffff…..

— Que Inferno!

Deitamos os três, exaustos no piso enferrujado.

— Essa foi… por… pouco.

— Te devo uma! A vocês… Dois! –Disse o russo, puxando o ar.

Não respondemos nada, até porquê, ele devia mesmo!

Quando recuperamos um pouco das energias, fomos até o bar da ilha e nos sentamos numa mesa. Estávamos moídos, mas felizes de estar juntos.

Olya nos contou que estava preparando a armadilha no barco dos piratas quando ouviu o primeiro tiro.  O som pareceu vir da direção do castelo e ele concluiu o óbvio. O russo achou que eu tinha me dado mal. Ele teve medo, achando que Silent tivesse me descoberto. Em vez de ir na direção do tiro, Olya foi em direção oposta, se escondendo quando viu um monte de macacos passando.  Pensou em seguir direto para o Kong, quando ouviu o segundo tiro.  Mas então, Olya acabou sendo visto por um dos macacos e foi perseguido. Ele passou um grande aperto tentando fugir. Quando finalmente conseguiu se desvencilhar, subiu na estrutura da roda gigante, e lá de cima ele nos viu no mirante do lago. Percebendo que estávamos vivos, o russo usou a tirolesa do parque para chegar ate o meio do lago.

— Eu estou morto de fome! — Exclamou Bob, esfregando a barriga.

Eu também estava. Olya também. Era uma fome horrorosa, que parecia nos queimar por dentro. Começamos a vasculhar o bar da pequena ilha, que ficava do lado de fora da galeria, em busca de algum alimento. Curiosamente, a primeira comida que conseguimos encontrar foi uma caixa lacrada, cheia de pacotes de pipocas de microondas, mas era algo completamente inútil, pois não tínhamos energia. Ninguém ali tinha vocação para galinha e estava disposto a comer milho puro.

Continuamos a buscar mais comida, mas não havia praticamente nada pra comer. Tinha uma velha lata de leite em pó, mas estava vazia. Bob conseguiu achar uns produtos de limpeza nos fundos de um armário, perto de onde ele pegou o garrafão para jogar pra nós. Eram umas quatro garrafas de álcool e desinfetantes.

— Não tem mais nada?

— Tem uma caixa ali no fundo. Deixa eu ver… — Disse Bob, se metendo dentro do armário.

Ele saiu de dentro do armário com um sorriso misterioso.

— O que é?  O que tem aí?

Bob me mostrou. Uma caixa de latas de cerveja. Um pack com doze latinhas.

— Oh, meu Deus! Aleluia Senhor!!!! — Bob disse sorrindo.

— Cara isso tá quente, meu. Vai dar o maior piriri! Estamos fodidos! — Eu disse, olhando as latas de cerveja quente e as porcarias que tínhamos juntado em cima do balcão.

— A gente vai morrer de fome antes mesmo dos macacos comerem a gente. — Olya riu sarcasticamente. Então ele simplesmente foi lá na mochila dele, abriu o zíper, pegou um saquinho…

— Porra tu vai acender um baseado, ô puto? — Bob perguntou, chocado.

— Ué… Tamo fodido mesmo… — O russo disse, enrolando a maconha.

— Deixa de ser burro que isso vai te dar uma larica do carai! A gente nem tem o que comer!

— Em mim dá efeito diverso. Eu perco a fome.

— Ah, sei. Phil já te contei a história dele com a pizza, né?

— Mil vezes.  — Respondi ao Bob.

— Então. Essa é a fome que o baseado dele tira. Eu quase fui demitido por causa desse puto aí!

— Frescura.  Eu paguei a pizza do cara depois!  — Olya disse sorrindo com uma baforada no ar.

— Era a porra da pizza do cliente, caralho! O cliente fiou puto esperando, porra! Era seu primeiro dia, jumento! Tu comeu a pizza da entrega em vez de entregar!

— Ah, foda-se aquele velho italiano também. Nhé, nhé, nhé… Mamma mia! Chato pra porra dum caralho! Não podia nem dar uma provadinha… E era de pepperoni. Não resisto. Tu sabe, Bob.

— Porra meu, seu Paolo quase botou o bob na rua, meu.  –Eu me meti na confusão.

— Ok, desculpa. Vacilei. Eu sei. …Mas era pepperoni.  — O russo riu, usando o isqueiro para acender mais um.

Olhei para aquilo, olhei em volta. Os macacos tinham sumido.  Olhei para as garrafas de álcool no balcão do bar.

— Phil? Tudo bem? — Bob perguntou. Ele me viu olhando de um lado para o outro.

— Tive uma ideia! Vou agitar um rango top pra nós!

Os dois amigos riram da minha ideia. Mas em seguida fui andando até a galeria. Ali dentro tinha um monte de sucata de tudo que era tipo, uns quadros feios e pretenciosos, esculturas cafonas caídas pelo chão, muito lixo.

–Ajuda aqui, Bob!

Meu amigo me ajudou a catar folhas de jornais que se espalhavam. Começarmos a catar tudo que era papel. Depois com a ajuda dos braços fortes dele, quebramos varias telas, para tirar os suportes de madeira. Removemos a parte de tecido. Havia uma grande escultura horrorosa, que imitava um candelabro tosco, cheia de copos de acrílico pendurados em fios de nylon.  Desmontamos aquela estrutura toda, e Bob ficou ali sentado, emendando os pedaços de nylon.

O russo logo entendeu qual era o meu plano. Ele me deu os parabéns pela ideia.  Nós abrimos um dos pacotes de pipoca de microondas. Olya usou uma faca para separar o bloco de gordura e tempero das bolotas do milho.

Depois ele foi na mochila e abriu sua caixa de ferrinhos de arrombamento. Voltou com um arame de aço bem forte e uns alicates. Com isso ele fabricou ali, em tempo recorde uma série de anzóis de tamanho médio.  Bob voltou com um enorme carretel de nylon que ele tinha reconstituído.

— Vamos pescar nosso rango!

Enquanto estávamos nos preparando para pescar, eu vi o Bob enrolar uma das linhas no pack de cervejas.

— Tá fazendo o que?

— Vou gelar essa porra! –Ele disse, prendendo bem e descendo aquilo para o fundo, junto à beirada.

De fato, ele tinha uma certa razão. A água do lago era bem fria. Se a cerveja ficasse naquela temperatura, já estaria bem agradável. Enquanto Olya dava banho nas nossas 12 latinhas, eu e o russo começamos a pescaria propriamente dita.

Espetamos com cuidado o milho de pipoca no anzol. O Bob pegou uns dez milhos avulsos e foi até a beirada da nossa ilha. Ele jogou o milho na água. O milho ficou boiando uns segundos depois a água pareceu que estava fervendo. Eram os peixes. Arredios no começo, eles dispararam a comer milho de pipoca com enorme frenesi.

— Ei, não gasta tudo!  — Eu sussurrei.

— Vamos acostumar eles. Só assim virão os grandes.

Ficamos esperando os peixes darem cabo os milhos.

Quando já quase não havia mais milho boiando, pegamos nosso anzol com os milhos atravessados e jogamos lá perto. Não demorou nem seis segundos para o primeiro peixão agarrar nossa isca e tentar nadar pro fundo. Olya deu um puxão na linha e ele fisgou forte aquela tilápia.

— Calma, com cuidado. Vem, traz. Olha aí! Olha a borda! Não pode arrebentar o nylon!
Depois da primeira, vieram mais três peixes graúdos.

Bob e Olya foram limpar os peixes. O sol lá fora estava muito forte. Devia ser umas duas horas da tarde, pela posição do sol.
Eu peguei aquele monte de madeiras, fui lá perto do bar e montei uma fogueira, enchendo de papel por baixo. Um pouco de álcool e o isqueiro do Olya fizeram o fogo pegar rápido.

Improvisamos com uma velha cadeira de metal, da qual arrancamos o assento, um tipo de suporte. Ela ficava por cima da fogueira, uma grelha. Colocamos os peixes ali. Em minutos, o delicioso cheiro do peixe assado inundou a nossa ilha flutuante.  Usei o tempero de manteiga salgada das pipocas como tempero. Ficou uma delicia.

Bob resgatou a linha com o pack de cervejas lá do fundo. Não estavam muito geladas, mas dava pra tomar.  Brindamos com as latinhas diante do fogo!

— Saúde!

Estávamos comendo grandes nacos de peixe e conversando animadamente quando Bob se levantou, foi lá no armário e voltou sorrindo com uma lata na mão.

— Que isso?

— Lata de leite em pó.

— Tá, mas e daí? Eu vi lá. Ela está vazia. — Eu disse.

Bob riu e balançou. Ouvi o barulho de um chocalho. Estava cheia de milhos. Bob colocou aquilo sobre o fogo e logo começamos a ouvir os estouros. Pipoca!

— Caramba, Bob, tu é um gênio, doido! Quem vê esses brações teus, não diz.

Peixe com pipoca foi nossa comida. Olhando para nós três ali, sentados numa mesa de bar, rindo animadamente e comendo churrasco de peixe enquanto bebíamos cerveja, ninguém poderia imaginar que talvez estivéssemos nos despedindo em grande estilo.

Já eram quase quatro da tarde quando resolvemos começar a montar um pequeno acampamento dentro da galeria. Íamos passar a noite ali no meio do lago.  Precisávamos dar uma arrumada no lugar. Com os tecidos de fundo de umas grandes telas que desmontamos e algumas cortinas, montamos um tipo de acampamento ali no chão. Olya varreu o lugar para ficar minimamente habitável. Separamos um pouco de peixe e pipoca para ser nosso jantar.  Os estofados das cadeiras do bar foram convertidos em travesseiros.

De vez em quando, um de nós olhava lá fora para saber se os macacos estavam por lá. Mas estranhamente não havia qualquer sinal dos macacos.

Nos reunimos em nosso novo “quarto”. Cada um deitou em sua tela e ficamos conversando. Bem, pelo menos eu e o Bob, porque o Russo, em dez segundos já estava roncando com aquele boné vermelho na cara.

— Ei Bob?

— Opa?

— Estou achando estranho que os macacos sumiram.

— Eu também. — Ele disse, cruzando os braços e olhando para o teto da galeria.

— Será que estão tramando alguma coisa?

— Eles não vão entrar nessa água de jeito nenhum.

— Vamos ter que começar a planejar o que fazer. Precisamos dar o fora daqui o quanto antes.

— Sim, o peixe com a cerveja deu uma segurada, mas não temos como resistir assim muito tempo.

— Eu e o russo estávamos indo para os tuneis. Acho que nossa maior chance seria dar um jeito de nos escondermos lá.

— Ei, estou tentando dormir aqui, pô! — Olya disse, irritado, por dentro do boné.

Resolvemos calar a boca e tratar de dormir. Não sei se pelo esforço físico do dia ou pela cerveja com peixe, eu apaguei de tal maneira que acordei sendo sacudido com violência.

— Quê? O Que foi?

— Shhhh! — Olya sussurrou. — Os macacos voltaram! Estão planejando nos atacar!

Devia ser umas onze e meia da noite. Estava tudo escuro e o Bob dormia encolhido de frio do meu lado, cobrindo-se com uma das cortinas.

— Quê? — Perguntei espantado.

O russo fez sinal para que o seguisse. Eu fui atrás dele e ele se abaixou perto do platô. Nos deitamos de barriga no ferro.

— Olha pra lá. — Ele disse apontando, mas era uma escuridão danada. Não dava para ver muita coisa.

Quando a nuvem que estava tampando a lua cheia se moveu, eu vi, na fraca luminosidade do luar que os macacos estavam trabalhando em silêncio. Estavam colocando coisas na água. Mas não dava para ver direito.

— Estão bem perto. — Olya disse.

— O que você acha que eles estão fazendo?

— Estão fazendo uma ponte para chegar aqui na ilha!

— Uma ponte?

— Algo assim, estão colocando com cuidado coisas no lago. Acho que estão usando pedaços da montanha-russa.

— Eles estão trabalhando em silêncio.

— Sim, eles são organizados. Estão colocando essas coisas no lago e montando nelas. São as bases de uma ponte primitiva. Aposto que vão arrumar umas placas e ligar os ferros até chegarem aqui.

— Meu Deus, cara! E agora? O que a gente faz?

— Eles devem nos alcançar de manhã. Devem imaginar que estamos dormindo.

Voltamos até nosso quarto e acordamos o Bob. Contamos para ele o que estava acontecendo e nosso amigo ficou desesperado.

— Não temos para onde fugir. Eles vão nos pegar!

— O que podemos fazer? — Olya perguntou, no escuro.

— Precisamos sair da ilha. Mas está fora de cogitação nadar.

Ficamos em silêncio cada um  pensando numa saída, quando Bob teve uma ideia:

–E se nós fugirmos pela ponte dos macacos?

— Hã?

Bob parecia ter endoidado, mas pensando bem, o que ele disse tinha algum sentido. O único caminho real para fora da ilha era justamente a ponte que os macacos estavam fazendo. O único problema era como passar por ela com os macacos lá.

Bob disse que teríamos que nos esconder. Podíamos jogar alguma coisa pesada, como uma mesa dentro do lago. No escuro, os macacos ouviriam o barulho e pensariam que pulamos na água.

Eu e o russo ouvimos atentamente ao plano. Ele envolvia nos escondermos debaixo da ilha. Os macacos invadiriam a ilha e procurariam. Não nos achando, eles iriam pensar que entramos na água e fomos comidos pelos crocodilos. Sem motivos para ficar na ilha, os macacos iriam embora, e depois que eles saíssem do lago, nós usaríamos a ponte deles para dar o fora.

— É uma ideia com algum risco, mas eu não vejo saída melhor! — Disse o russo.

Começamos a procurar no escuro uma maneira de ir até os flutuadores da ilha. Ouvíamos de vez em quando o barulho de metais se chocando no escuro do lago. Eram eles montando a ponte.

Eu me lembrei de ter visto no piso dos fundos da casinha de máquinas que tracionava o cabo de aço, uma placa quadrada parafusada no chão. Imaginei que o acesso aos flutuadores poderia ser por ali.
Fomos nos esgueirando no escuro até lá. Olya pegou uma chave de fenda na mochila de ferramentas e com dificuldade conseguimos desaparafusar a placa.  Removemos com bastante cuidado. Usando a camisa enrolada na lanterna, Olya conseguiu baixar a luminosidade para uma potência mínima, que nos permitiu olhar sem que a luz chamasse a atenção.
De fato ali em baixo estava a enorme caixa de redução, repleta de engrenagens do tracionador do cabo. O lugar era infestado de sujeira e teias de aranha. Havia restos de algas e baratas. Os flutuadores eram como grandes tambores de metal amarrados em correntes grossas. Vimos que era possível nos enfiarmos entre os conjuntos de tanques de flutuação e o piso na área da galeria. Era preciso, no entanto nos arrastar sobre eles. Eu disse aos dois que iria faze a parte mais arriscada da missão. Ir lá fora pegar uma das mesas e jogar na água.

Eles se adiantaram, se esgueirando para a frente, no escuro, abraçados aos flutuadores enferrujados

Eu fui até lá no bar. Peguei uma mesa de madeira que era bem pesada. Com ela fui ate a escada e comecei a subir em silêncio. A mesa parecia cada vez mais pesada a cada minuto. Lá fora os macacos seguiam construindo a ponte.  Eu já conseguia ouvi-los. Eles pareciam falar entre si com sopros de ar, que soltavam pelas narinas. Fazendo um “Shhh, shhhhh”!

Cheguei no primeiro lance das escadas que levavam ao mirante. Ergui a mesa acima de minha cabeça e lancei longe. Ela bateu na água com um grande barulho.

Fiquei em silêncio observando o que aconteceria. Ouvi o som dos macacos. Eles estavam se agitando. Ouvi novos barulhos na água. Os macacos aceleraram a ponte. Eles começaram a jogar entulhos na água.

Desci correndo pelas escadas até chegar na casa de maquinas. Ali me esgueirei pelo buraco. Puxei a tampa de metal para sua posição e me agarrei no flutuador. Comecei o lento e penoso trabalho de me esgueirar na direção dos meus amigos. Eles sinalizaram uma a lanterna coberta com a camisa. A água estava tão perto que eu poderia tocar a superfície com a mão. Imaginei que bastava um daqueles crocodilos levantar a cabeça que poderia me puxar para o fundo com enorme facilidade.

— Vem, vem! — Eles gemeram.
Eu fui me esfregando, me lambrecando naquela sujeira toda na direção deles.
Muito tempo depois, eu cheguei ao fim do caminho sobre  flutuador, do outro lado da ilha de metal.
— Deu tudo certo. Estou ouvindo os macacos! — Bob sussurrou, abraçado com o flutuador.
Ficamos ali naquela posição incômoda por horas e horas. A espera foi se tornando cada vez mais monótona e eu peguei no sono.
Acordei com os macacos invadindo a ilha. Eles passavam correndo bem acima das nossas cabeças. Ouvíamos: plam, plam, plam, plam…

Passavam de um lado para o outro. Ficavam dando guinchos e correndo, iam pra um lado, para outro e voltavam. Estavam nos procurando. Nós ali no escuro, somente com a lanterna do russo. Apenas esperávamos que eles desistissem.
Ouvi um som de metal raspando.
Olya sussurrou: — Estão abrindo a tampa para olhar aqui em baixo!

Nos entreolhamos preocupados.

CONTINUA

 

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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