Gringa – Parte 12

Alex ficou pensando sobre aquilo. Estava diante de uma decisão difícil. Se por ventura desse qualquer problema, ele poderia sempre alegar que nem soube de nada, estava do outro lado da ilha, não ouviu nem viu nada. Por outro lado, era difícil que desse qualquer problema. A ilha era tão remota e o volume de crimes não solucionados no estado do Rio de Janeiro era tão gigantesco que o mais provável é que dessem como desaparecimentos, e ficasse por isso mesmo. “Diariamente centenas de pessoas somem no mundo” – Ele pensou.

Resolveu que o melhor era largar os corpos lá. Eles logo seriam comidos pelos peixes, quando o tempo virasse a corrente ia arrastar aqueles corpos para o mar aberto e o que já estava feito, estava. Elas iam se tornar só mais um número na estatística de mocinhas bonitas que somem sem mais nem menos por aí.

Mas havia um problema. Se a Gringa visse os corpos, e justamente eles estavam boiando na pequena enseada onde na tarde anterior ela estava parada olhando fixamente para o nada, ela iria dar com a língua nos dentes quando fosse levada para o continente.  Tudo bem que até isso rolar, alguém da cidade entender a língua do país dela e tudo mais… Mas era um risco. Ela ia falar sobre mulheres nuas mortas na ilha. E ela mesma aparecera na ilha como uma mulher nua “morta” na ilha.

Alex então teve um insight. A Gringa poderia não ser uma náufraga.  E se esses vagabundos estão se aproveitando dessas meninas, violentando elas e jogando no mar? Talvez ele tenha achado que matou a gringa, jogou a moça no mar e ela acabou sendo jogada pelas ondas contra as rochas do costão. Como ela estava em estado de catalepsia, era possível que eles tivessem achado que ela morreu e se livraram do problema, tal qual fizeram com as amigas da Suellen.

Tudo parecia se encaixar logicamente, com apenas um porém. Ele havia examinado cuidadosamente o corpo da gringa. Ela não tinha nem sequer a orelha furada. Não se depilava,  nem fazia as unhas. Os dentes não tinham lentes ou clareamentos, não havia nem uma única tatuagem e o cabelo parecia nunca ter visto uma tintura. E isso não combinava com aquelas beldades que tiveram um final trágico na lancha. Talvez a gringa tivesse sido traficada do país de origem dela. Era possível que ali estivesse algo ainda mais sinistro que apenas playboys bandidinhos matando umas putinhas.

O telefone tocou. Alex levantou-se e foi até ele. Do outro lado, era Manel, dando notícias. Ele disse que Evandro se recuperava bem, mas a febre estava indo e vindo, piorando geralmente durante a madrugada. Ele mandava um abraço e queria saber como estavam as coisas na ilha. Alex disse que estava seguindo à risca o cronograma de limpeza e preparação, mas obviamente, sendo um só na ilha, o cronograma de limpeza iria atrasar. Manel disse do outro lado da ligação que já havia conseguido dois “peão bão” que eram sobrinhos dele, e que ele estava pronto para vir com eles para a ilha e começar os trabalhos na cisterna, aguardando somente do OK de Alex, pois Evandro já havia acertado tudo.

-Se o Evandro já acertou tudo é só chegar. Traz mais água, e umas carnes. – Disse Alex.

Manel agradeceu o apoio e disse que no dia seguinte cedinho estaria chegando, por volta das seis da manhã.. Eles estavam, com tudo esquematizado para sair no raiar do dia, às cinco e meia. Disse que ia na venda pegar os itens e partiria com o barco, os peões e algumas ferramentas.

-Mas você vindo aqui pra ilha, quem vai ficar com o Evandro?

-Minha senhora vai ficar tomando conta dele. A gente vem aqui pro hospital todo dia de tarde ver o menino, seu Alex.

-Tudo bem então.  Traz os dois rapazes e chegando aqui a gente monta um esquema de trabalho com eles.

-Tá ótimo. Fica com Deus, seu Alex…

-Obrigado.

-Ah…. Seu Alex, seu Alex?

-Oi Manel.

-Seu Evandro me pediu, e eu já ia esquecendo. Como que está a moça? Ele perguntou da moça. Ele só fala na tal moça que eu até estou curioso.

-Rapaz… Diz pra ele que eu vi a moça nadando ontem, e depois ela roubou as carnes e umas garrafas d´água aqui da casa, mas ela é arredia demais, ela foge pro mato e fica se escondendo. Ela roubou um facão e eu vou te dizer que fiquei até meio com medo.

-Ah…. Eu digo pra ele. Brigado seu Alex. Amanhã estamos chegando aí com o café.

-Ah, traz umas duas baterias de telefone, porque essa bateria aqui está acabando.

-O seu Evandro falou no dia que chegou aqui. Isso minha senhora já providenciou. As baterias de telefone estão no pacote lá na sala pra trazer, seu Alex.

-Ah, perfeito. Espero vocês então.

-Boa noite seu Alex.

Alex desligou o celular. O final da tarde já ia bem adiantado. Era uma tarde mágica e tropical, e o  mar cintilava em tons de azul-marinho. Lá em baixo, as ondas dançavam num ritmo celestial, indo e vindo sem cessar, numa sinfonia divina.

No ar, um aroma gelado da mata surgia inesperadamente. O vento soprava uma brisa suave que trazia consigo uma sensação de paz. E então, no céu, o sol começou a descer, pintando o firmamento de dourado e laranja.  As nuvens, como pinceladas de um mestre, coloriam o espaço com suas sombras de anil.

A ilha parecia flutuar sobre o mar. Era triste que uma paisagem era tão magnífica estivesse sendo maculada com cadáveres, boiando entre as pedras.

Alex ficou ali pensando na beleza da ilha e na deslumbrante paisagem. A ilha tinha seus horários de beleza, e sem duvida, o horário da beleza da varanda era testemunhar o por do sol na direção do continente.

Aquilo lhe deu uma ideia nova. Eles deviam construir o sistema de bangalôs em dois braços, sendo um que se estendia pela lateral direita do costão, a partir do píer. Outro braço de bangalôs devia pegar o outro lado da ilha, para que os hóspedes pudessem escolher os bangalôs do amanhecer ou os do pôr do sol.  Ele também tinha a ideia de criar um bangalô nas árvores, no topo da ilha. Esse seria um bangalô premium, com uma escada e um pequeno observatório, de onde o hóspede poderia ver 360 graus ao redor da ilha. Mas era preciso escalar as rochas e chegar no topo, uma missão que até aquele momento ainda não tinha sido possível fazer.  A ideia de um bangalô na mata certamente iria agradar ao Evandro, pois combinaria perfeitamente com a ideia dele de erguer um paraíso isolado para pessoas em busca de se esconder de seus problemas.

Alex se levantou da banqueta da varanda e pensou em tomar um banho, se preparar para descansar pois o dia seguinte prometia ser puxado. Manel chegaria com os dois rapazes no dia seguinte pela manhã. Mas e se um deles visse os defuntos boiando? Pior, e se visse um dos defuntos apenas, e não todos? Pensariam imediatamente que Alex tinha dado cabo da gringa.  A ideia daquelas mocinhas mortas estava lhe incomodando terrivelmente.

Alex vestiu a camiseta, calçou os tênis novamente, pegou sua lanterna. Ele foi até a casa, pegou um dos grandes sacos de lixo, esvaziou a mochila das roupas e jogou o facão lá dentro, algumas cordas, uma garrafa de água. Verificou a arma, colocou no bolso da bermuda.  Colocou a mochila nos ombros e voltou para a mata.

Já estava escurecendo. Ele precisava tirar aqueles corpos da enseada.
Conforme andava pelo mato, foi pensando no que iria fazer. O plano era simples, ia descer entre as pedras na enseada, pular na água, puxar cada um dos defuntos ali para as pedras. Não parecia ser difícil, elas deviam pesar menos de cinquenta quilos cada uma. Com o facão ele ia desmembrar os corpos, depois ia para o outro lado da ilha, onde a maré do mar aberto jogava ondas maiores no costão. Ali ele ia jogar os pedaços em diferentes pontos e assim o mar se encarregaria de sumir com as defuntas mais rapidamente. Era algo macabro de se fazer, mas pra ele não importava.

Alex acendeu a lanterna. Na mata, a escuridão era progressivamente mais densa conforme ele se aprofundava.

Logo ele chegou nas pedras e viu a enseada lá em baixo.  Assim que Alex jogou o poderoso facho de luz na enseada, não havia sinal de nenhum corpo.

-Ué…  – Ele resmungou, varrendo a área de um lado para outro em busca dos corpos. Mas não tinha nada.

Alex desceu pelas pedras, saltou de uma pedra para outra para chegar bem perto da água. Elas teriam afundado? Era improvável.

A maré estava muito calma, a enseada era bem protegida do vento, e aqueles corpos tinham que estar ali em algum lugar.

Alex foi pulando de pedra e, pedra, tentando localizar algum sinal das defuntas. Mas não tinha nada. A água mais rasa permitia que se visse o fundo através do poderoso facho. Eram somente pedras e mais pedras. Algumas com algas, alguns mexilhões, eventualmente peixes que nadavam rápido, fugindo da luz.

A escuridão das últimas noites de lua nova havia finalmente chegado novamente sobre a ilha. O céu estava salpicado de estrelas e com nuvens somente do lado virado para o continente.

-Mas que merda. Cadê essas filhas da puta? – Ele se perguntou.

Então, um estranho barulho chamou sua atenção. Era um barulho incomum, como se algo tivesse mergulhado. Veio de um remanso de trás dele. Alex virou-se de supetão, apontando a lanterna, mas não viu nada. A água estava mexida, havia uma grande ondulação naquela área, indicando que alguma coisa tinha mergulhado.

-Será que uma das filhas da puta está por aqui?

Imediatamente Alex pensou que talvez tivesse sido a tal Suellen.

-“Será que a Suellen se ligou que elas estavam para ser executadas de qualquer maneira e fugiu?” – Aquele pensamento parecia provável.  Talvez Suellen tivesse se ocultado entre as pedras o tempo inteiro, e depois corrido para a mata, escapando assim da morte.

Mas podia ser também outra coisa. Um bicho, ou mesmo a gringa. Talvez a gringa estivesse seguindo-o.

Alex varreu a água em busca de algum sinal. Mas não via nada.  Ele então optou por fazer algo inesperado. Ele chamou pela Suellen.

-Suellen! Suellen! Eu sou o morador da ilha, Suellen! Pode aparecer. Não vou te machucar!  Os caras da lancha foram embora!

Alex ainda repetiu os gritos, que ecoavam entre as pedras naquele início de noite.

Nada. Nem a Suellen respondeu, e nem o estranho barulho de alguma coisa mergulhando voltou. Alex pensou que talvez pudesse ter sido o barulho de um casco de tartaruga batendo nas pedras. As tartarugas gostavam de comer as algas verdes que se aderiam nas rochas.

Alex deu mais uma olhada, saltou de pedra em pedra, tentando chegar do outro lado da enseada, mas estava começando a esfriar.
Ele passou a lanterna pela mata, e só se viam folhas, troncos e galhos. A mata parecia impenetrável realmente. Alex olhava as pedras com cuidado em busca de pegadas. Mas nada estava estranho ali.

Novamente, ao longe ele ouviu algo na água. Era alguma coisa grande.  Alex virou de supetão iluminando a parte mais funda, e conseguiu ver muito rapidamente  a cauda de um golfinho. Eram os golfinhos, nadando ao redor da ilha.

-Maldito, quase me mata de susto! – Resmungou.

Alex resolveu voltar. Saltou de pedra em pedra de volta para o local de onde ele tinha vindo.

“Sem corpos, sem crime”. – Pensou.

Alex voltou para a casa e guardou toda aquela tralha.  Estava, na verdade, um pouco aliviado, pois não estava muito feliz de se imaginar nadando no escuro para agarrar gente morta e depois desmembrar cadáveres noite adentro.

Mas a questão de onde os cadáveres estavam ainda perturbava sua mente.  Sem saber onde eles estavam, a coisa tinha se complicado. Se uma corrente  marinha tivesse tirado os corpos da enseada e eles eventualmente aparecessem sendo jogados sobre as pedras, como foi com a gringa, ia ficar esquisito.

Ele estava sem fome, pois havia almoçado aquelas salsichas enlatadas tarde demais. Resolveu fazer uma fogueira.

Alex foi até o monte de madeiras e galhos e empilhou algumas toras. Buscou as revistas antigas para dar início ao fogo. Minutos depois, as chamas ganhavam o ar, iluminando o terreiro da casa de alaranjado.
A noite na ilha era o momento mais solitário. Sem ter com quem conversar, chegava uma hora que seus pensamentos pareciam estar surgindo como frases em voz alta.

Alex sentou-se na banqueta e ficou ali, sentindo o calor da fogueira. Ele foi lá dentro da casa, pegou umas batatas e espetou numa vareta de bambu. Enfiou as batatas na beira do fogo para assarem.
Depois buscou o copo e o uísque. resolveu tomar um gole observando as chamas crepitando. De fato, era gostoso ficar na ilha, mas chegava um momento que começava a dar agonia.

“Eu devia ter mandado o Manel trazer um radio de pilha”.  Ficar sem notícias do que acontecia no mundo era estranho.

Alex virou o copo de uísque cowboy. À aquela altura, o gelo era só uma saudosa lembrança.

“Eu devia ter pedido pro Manel trazer mais gelo”. – Pensou.  Mas talvez o velho tivesse um bom expediente de se lembrar de trazer, já que ia trazer mais carne.

Alex bebeu mais uma dose. Ficou olhando para o fundo do copo e novamente suas lembranças o assaltaram.

Ele se lembrou de estar olhando assim para dentro de um copo durante um chatíssimo jantar de negócios.

O restaurante havia sido escolhido com cuidado. O plano de Plínio era impressionar seus convidados da Coréia do Sul com um jantar exclusivo, fechando o Le Somelier do Jardim, Botânico só para eles, mas um pequeno problema de agenda com o chef Joel Guerin acabou obrigando que eles ativassem um “plano B”.

O plano B era o famoso restaurante Cipriani. Ajudava o fato de o Cipriani ser instalado no Copacabana Palace e os convidados do Doutor Koo Kyung-sik, e seu irmão, Koo Kyung-neung  estarem hospedados lá.

Os dois irmãos eram os fundadores construtora Kyung Group, com patrimônio estimado na casa de  1,7 bilhão de dólares, os dois eram baixinhos com idades na faixa dos quarenta anos. Neung parecia ser o mais novo. Eles falavam inglês fluente, e eventualmente, coreano entre si , embora sempre com bastante discrição, por ser algo mal visto numa reunião de negócios, sobretudo num jantar. Naquela noite, Plínio Marcos telefonou no fim da tarde para o hotel e pediu desculpas, pois havia sido acometido de uma terrível crise de gota. Alex teria que representá-lo no jantar. Como Alex, naquela altura ainda estava no início do curso de inglês, não entendia metade do que os ilustres convidados diziam. Plínio disse que ia escalar um intérprete para ajudar Alex com a tarefa de ciceronear o jantar em seu lugar.
Alex entregou a chave da Ferrari na mão do manobrista do Copa exatamente às oito da noite. Finalmente ele havia conseguido a pontualidade britânica exigida por Plínio.
Ele chegou no restaurante e o Maitre lhe informou que os dois convidados já estavam confortavelmente instalados.

O restaurante era muito elegante e requintado, com grandes lustres de cristal alemão. Enormes arranjos de flores decoravam o ambiente marcado por colunas neoclássicas, e cortinas de padrões florais sobre as enormes janelas.
Alex foi levado até a mesa, um local bem reservado, num canto onde se podia ver toda a beleza da piscina do Copa através do vidro. Os dois empresários já estavam conversando, sentados em confortáveis poltronas de cor vinho. Com eles estava Cléberson, o diretor financeiro dos escritórios do Rio, que por sorte, havia chegado antes do horário.
Todos se cumprimentaram, e Alex se sentou com os empresários e Cléberson, que pediu que o garçom trouxesse mais uma taça de vinho para Alex. Este, entretanto, agradeceu a oferta do caríssimo vinho, e solicitou para ele um bom scotch escocês.

-Uísque é uma merda. – Sentenciou Koo Kyung-sik, assim que o belo copo de cristal Baccarat foi colocado sobre a mesa.

Cleberson, obviamente concordou e disse que bom mesmo era vinho.

O assunto logo derivou sobre os uísques e como os coreanos dizendo que uísque não prestava. O bom mesmo, segundo eles, era uma bebida local parecida com uma vodca de arroz, chamada Soju.
Os dois falavam ao mesmo tempo com um sotaque complicado de entender. Para piorar, estavam ficando cada vez mais alcoolizados e intransigentes. Num momento em que eles pediram licença para ir ao banheiro, Cleberson sussurrou para Alex:

-Caralho que malucos chatos. Meu, eles reclamam de tudo. Até desse vinho. Olha o rótulo! Reclamaram que queriam ir à praia, que queriam ir no puteiro… O pessoal do hotel está cortando um dobrado com eles. Desde cedo o mais novo…

-Esse que parece um etezinho?

-Esse. Desde cedo ele está no bar da piscina enchendo os canecos de caipirinha. O pessoal do hotel disse que ele estava importunando as moças na piscina…

-Ah é? Que merda. Eu não entendo a metade do que eles falam. -Alex sorriu, enquanto se preparava para mordiscar um pedaço de torrada do couvert.

-O mais velho é o mais chato, mas muito inteligente. E o “etezinho” é super inconveniente.

-Shhhh…. Eles estão voltando, olha ali. O Plínio disse que é para a gente dar um tratamento especial pra eles. – Respondeu Alex, cortando o assunto.

-Ele me falou que era  pra concordar com tudo que eles dissessem. – Confirmou Cleberson. O diretor financeiro consultou o relógio, e disse – Alex, eu estou achando estranho que ela ainda não chegou e… Olha ela ai! Falando no diabo…

Os irmãos coreanos estavam se sentando à mesa quando todos olharam. Era Maitê, aquela mulher enorme entrando no restaurante. Houve um breve silêncio. Todas as conversas foram interrompidas quando ela entrou, magnífica, andando atrás do pequeno Maitre, que parecia um reles anão abre-alas de Maitê e sua majestade ruiva.

Os coreanos, como era de se esperar, ficaram absolutamente boquiabertos com a visão.  Alex engasgou com o pedaço de torrada e tomou uma golada de uísque que desceu queimando a garanta.

Dois dias antes, estava deitado numa cama com aquela maravilhosa ruiva entre lençóis, olhando para o espelho no teto e tentando memorizar cada pedaço daquele corpo escultural gigantesco que cavalgava sobre ele.

-Boa noite, senhores.  – Ela disse, sem olhar nos olhos de Alex. Então se virou para os dois empresários, que estavam congelados de boca aberta como se estivessem diante de uma aparição mística.

잘자요. 어떻게 지내세요? 지연을 용서하십시오. 택시에 문제가 있었습니다. – Ela disse em coreano. 

Se até então apenas com a visão daquela mulher com dois metros, cabelo vermelho, lábios carnudos num vestido justo preto que tinha reflexos verdes, combinando com suas joias de diamantes e esmeraldas e que combinavam com seus olhos verdes. O vestido, é claro, tinha um decote impressionante e brincos de prata e diamantes. Mas foi quando ela falou em coreano, que eles quase desmaiaram.

Um olhou para o outro com absoluta estupefação.  Cleberson dirigiu um olhar de soslaio para Alex, e sorriu discretamente.

Era a arma secreta de Plínio.

Os dois coreanos começaram a engasgar e gaguejar. Falaram um monte de coisa, que nem Alex nem Cleberson conseguiram entender, mas pela expressão e sorrisos de Maitê eles deviam estar elogiando a pronúncia dela. O Maitre ajeitou a cadeira e agora Maitê estava sentada ao lado de Alex, o que era um tipo de “climão”.

-Eles estão dizendo que além de muito bonita eu falo bem a língua deles. – Ela disse. O garçom perguntou se ela gostaria de tomar vinho.
-Sim, por favor, obrigada. – Ela disse.

-Você está linda… – Alex. Sussurrou.

Maitê apenas sorriu e ergueu sua taça.

Os coreanos pensaram que ela estava erguendo um brinde e logo levantaram suas taças.
Alex brindou com o copo de uísque vazio, para não “ficar no vácuo”, em seguida, pediu mais uma dose dupla ao garçom.

Os coreanos estavam completamente hipnotizados pelo decote do vestido de Maitê e aquilo provocou um pouco de desconforto na mulher, e claro, em Alex, que precisou avaliar seus sentimentos, e percebeu que estava tendo ciúmes.

Eventualmente Maitê trocava alguma conversa em coreano com eles, e depois traduzia para os dois colegas. Ela perguntou se eles estavam gostando da vinda ao Brasil.
Eles disseram que sim, mas que gostariam de ter ido à praia, porém, com a agenda apertada, não tiveram a oportunidade.
Maitê disse a eles que havia praias belíssimas na cidade e Koo Kyung-neung, vulgo “etezinho” perguntou sele eles poderiam ir com ela para a praia.

Maitê sorriu e disse que não costumava ir a praia porque tinha preocupação com os raios UV. O jantar seguiu seu curso, com diversas investidas e verdadeiras cantadas de pedreiro que iam se sucedendo à medida em que os dois irmãos magnatas entornavam mais e mais vinho. Logo eles pediram os pratos.

Alex pediu Pernil de javali com salada de maçã verde. Maitê optou por lasanha de cogumelos silvestres e queijo asiago ao molho de vinho tinto.

Os coreanos pediram peito de pato com blinis de mandioquinha, e figos frescos. Cleberson comeu penne com molho de confit de pato, rúcula e tomates frescos.

O “etezinho” não tirava os olhos da ruiva. Maitê parecia incomodada. Em certo momento, ele disse algo para ela, quase sussurrando em coreano. Maitê enrubesceu. Ela pediu licença e foi ao toalete.

Então o Koo Kyung-sik começou a discutir com o irmão em coreano na mesa, o que causou desconforto ainda maior. A discussão dos dois deu a oportunidade de Alex e Cleberson também trocarem algumas palavras em português. Alex olhou para Cleberson, que estava se entupindo de vinho.
-Esses dois vão dar petê. – Ele disse.

Alex concordou silenciosamente.

-Dona Maitê deve estar doida para meter a porrada no baixinho.

Quando finalmente Maitê voltou, com a maquiagem retocada, o garçom trazia a sobremesa. Torta de chocolate gelada e calda de jabuticaba e banana flambada ao rum com sorvete de canela.

Foi nesse momento que algo inesperado ocorreu. Maitê pegou na mão de Alex carinhosamente, se encostando nele.
O coreano olhou aquilo e obviamente não gostou. Ele falou alguma coisa com a ruiva e ela respondeu a ele em coreano.

- 당신과 이 남자가 엮이는 건가요?

-네, 그와 저는 두 달 정도 사귀었습니다. 우리는 내년에 결혼할 계획입니다.

O “etezinho” fez uma expressão de “puta que pariu”. Arregalou os olhos.

Nisso, o irmão já olhava para ele com expressão de pura reprovação.

-미안해요, 미안해요. 당신이 사귀고 있다고 생각하지 않았습니다. 제가 실수를 한 것 같아요. 천번의 용서를 구합니다.

Maitê partiu a torta no prato com cuidado e respondeu.

-괜찮아요. 나는 기분이 상하지 않았다. 우리는 우리 관계에 대해 꽤 사적입니다. 제 남자친구도 굉장히 예의 바르고 당신을 부끄럽게 하려는 의도는 아니었어요.

Alex não sabia o que estava acontecendo, e por isso se manteve firme, segurando com carinho a mão de Maitê. Aquilo lhe deu esperanças de que com sorte, talvez eles pudessem repetir a noite de amor.

Ao fim da noite, Alex apenas confirmou com o Manager se estava tudo certo, e após um ok, do gerente, eles agradeceram o serviço e saíram.
Os coreanos falavam entre si.

Maitê agarrou na mão de Alex e saíram de mãos dadas.

-O que foi isso? – Alex sussurrou para a ruiva.

-O carinha queria me comer.

-Ah… Entendi.

-Somos namorados. Fica firme. – Ela sussurrou de volta.

-Do que eles estão falando?

-Estão reclamando que a comida estava ruim. O mais velho esta dizendo que o mais novo é estúpido.  Quando levantamos eles estavam falando que não sabem como um cara horroroso como você está namorando comigo…

Os cinco se despediram no saguão do hotel.
Os dois coreanos subiram para seu apartamento.

-Porra! Finalmente!

-Malucos chatos do caralho! – Disse Cleberson, já bastante alcoolizado. – Vocêixxx fazem um bonito casalllll…

-Você tá bem, cara? Quer carona pra casa?

-Não precisa… Eu moro ali na Hilário de Gouvêia! Eu vou andando… Bom pra fazer uma caminhada… vocêixxxx…. Olha lá, hein? Usem camisinha, garotoxxx! Fui! – Riu, saindo andando pela Avenida Atlântica.

Maitê soltou a mão de Alex.

Alex olhou pra ela e segurou de novo na mão da ruiva.

-Eu te levo em casa.

-Não precisa, eu pego um taxi aqui mesmo.

-Eu faço questão.

-Alex… Não vai rolar.

-Eu sei, eu sei. Mas eu vou te levar em casa. Faço questão.

-Não vai rolar nada.

-Claro, claro… É só uma carona entre amigos.  – Ele disse, entregando o cartão com o código ao Valet.

Minutos depois estava chegando a Ferrari.

-Alex…

-Sim?

-Detesto esse carro.

-Sério?

-Todo mundo fica olhando e eu me sinto um urso de circo num velocípede. Olha minha cabeça no teto.  – Ela disse, sorrindo.

Alex começou a rir e levou Maitê até a porta de casa. A Ferrari estacionou em frente ao prédio.
-Alex… Obrigada pela gentileza de me trazer. Você é um gentleman. É por isso que o Doutor Plínio gosta tanto de você.

-Ah, que nada. Eu que agradeço sua ajuda com a tradução. Sem você, esse seria o pior jantar da minha vida.
-Obrigada por se passar por meu namorado, enganamos eles direitinho. – Ela sorriu com seus fabulosos lábios enormes.

-Você sabe… Esse teatrinho por mim podia continuar. – Alex disse, tentando chegar perto para um beijo. Ele estava louco pela ruiva e não conseguia mais esconder.

Ela se aproximou e deu um beijo o rosto dele. – Não viaja, Alex. Aquilo que aconteceu aquele dia foi um erro.

-Um erro? Nós dois?

-Um erro. Boa noite, Alex. – Ela disse, batendo a porta do carro. Alex observou a maravilhosa mulher, que parecia até uma estátua grega enfiada no vestido preto. Ela saiu rebolando os quadris, balançando os divinos cabelos vermelhos na direção do prédio.

Alex pensou que depois daquela dispensada, talvez merecesse mais um copo de uísque. Acelerou a Ferrai e voltou para casa.

Alex tirou os olhos marejados do fundo do copo. O fogo crepitava à sua frente. Foi então que ele levou um susto.

Bem atrás da chama que balançava no ar havia um rosto fantasmagórico diante dele. Era a Gringa, vestida na camisa preta do Guns N´Roses. Ela estava sentada na grama, a uns dois metros da chama, bem diante dele.
Estava em silêncio, sentada, olhando pra ele. Ela tinha uma aparência macabra, iluminada pelas chamas.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. Eu tô amando esses flashbacks da vida do Alex, dá uma profundidade maior para o personagem, e acaba fazendo o leitor se apegar. Antes do Evandro ir pro continente por causa da cobra, eu estava um pouco resistente ao Alex, mas assim que o Evandro saiu, Alex brilhou muito.

    Mas Philipe, deixa eu te perguntar uma coisa. Quando você escreve, tem personagem que parece que conversa com você, pedindo pra mudar o destino dele? Tô publicando um conto no Wattpad, e até o segundo capítulo, eu botava um Fulano dizendo o quanto Cicrano era chato e insuportável. E eu tinha a ideia de transformar o Cicrano em vilão no decorrer da história, aí na noite de sexta, em que eu “psicografei” o capítulo 3, eu comecei a criar a história do Cicrano. Tu acredita que esse fdp me manipulou de uma forma tão grande, que virou meu queridinho, promovi a protagonista, e mudei tudo o que eu tinha planejado de primeira? Acabou que na noite de sexta pra sábado, eu fui dormir às 5 da manhã porque eu não conseguia parar de escrever.

    • Sei exatamente como é. Muitas vezes o personagem acaba “roubando a cena” e é foda mesmo. Esse negócio da história começar a ganhar uma vida própria, às vezes, é assustador pro autor que não espera certas coisas. A gente sente que esta perdendo um pouco o controle.
      É muito louco isso.

      • Tô passando por isso com minha história. Eu sei aonde quero chegar com ela, e defini uns pontos chaves. Só que para preencher o que não tá definido, a história se dirige. Tô lançando um capítulo por dia, mas quando lanço tenho os 2 seguintes já escritos. Ontem eu terminei um capítulo que só vou lançar amanhã, e fiquei curioso para saber o que aconteceria após o final dele. Fui eu pro Wattpad escrever porque eu não conseguia ficar em paz.

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