O Goblin

Olá pessoal. Aqui estou eu novamente com mais um artigo passo-a-passo de escultura conceitual em super sculpey.

Esta escultura foi um pouco diferente das anteriores, porque eu fiz exclusivamente para mostrar algumas técnicas e truques no seminário e no curso de modelagem em Clay que eu ministrei na AZMT em 2005.

A ideia era fazer um pequeno modelo de personagem que mostrasse a cada etapa os procedimentos de construção e solução de problemas na fabricação de um bonequinho conceitual. Devido à correria de sempre acabou calhando de eu ter que fazer o bonequinho -carinhosamente apelidado de Severino- na última hora, faltando apenas dois dias para a palestra. Então, eu acabei praticamente esculpindo ele todo em um dia e pintando em outro. Assim, não repare que não deu pra ficar “lambendo” muito. Neste boneco, curiosamente a pintura demorou mais do que a escultura. De pintura foram umas nove horas e escultura umas cinco ou seis.

Tradicionalmente, o primeiro passo antes de começar foi montar a mesinha de trabalho que eu tento (na medida do possível) manter o mais limpa possível. Nela eu reúno tudo o que acho que será útil para construir o boneco. Isso evita perder tempo procurando onde que está o maldito arame bem na hora em que deveria estar esculpindo…



Lógico que as coisas não ficam arrumadinhas assim. Isso aí é só pra sair bonitinho na foto. Eu sei, eu sei… É bichice. Mas é didático ao menos.

Alguns dos materiais mais importantes são os cutelos ou faquinhas de modelismo. O importante quando se fala em faca de modelismo é deixá-las sempre ultra-afiadas e limpas e em segundo, não menos importante, tentar nunca cortar o dedo.

Os alicates são igualmente importantes, pois tem formas e usus específicos. Os melhores para nossa atividade são aqueles de modelar flores artificiais e bijouterias. Eu uso um compasso velho como um compasso de medição. Os compassos de medição profissionais são caríssimos e para uso não tão preciso como joalheria ou relojoaria, um compasso faber castel adaptado e com os parafusos bem apertados resolve muito bem.

Pela foto você perecerá que existe ali no meio da tralha um pente fino de catar piolho. Não, eu não tenho piolho. O pente fino é um dos muitos instrumentos que ajudam a obter padrões que de outro modo seriam difíceis de criar na massa com certa regularidade. Assim, esfregando uma cobrinha de massa sobre ele se obtém um perferito conduíte. Aquelas tampas de caneta, agulhas, ferrinhos, boleadores e etc ajudam fazendo o mesmo efeito, comprimendo-os contra a massa para obter deformações específicas. Tampas de caneta funcionam como punções, ideais para criar botões e elementos pequenos como parafusos na estrutura de um modelo.

Outro elemento importante é o papel alumínio. È com ele que fazemos o “grosso” da estrutura do boneco, evitando desperdiçar a cara massa importada. O miolo de papel alumínio dá maior leveza e ainda por cima ajuda a massa a assar por dentro e por fora.

E já que falamos nela, a massa: Eu uso super sculpey. Uma massinha muito legalzinha, que pertence a família das polyclays. Polyclays são polímeros químicos que endurecem ao serem expostos a alta temperatura. Isso significa que enquanto você não quiser, seu personagem ficará mole. Ela tem consistência da massinha escolar (plastelina) e ao ser levada ao forno comum (microondas não rola) por um certo tempo, ela fica dura e poderá ser lixada, pintada, cortada, furada etc. Um aspecto interesante da polyclay sobretudo aqui no Brasil onde faz muito calor, é que ela pode começar a endurecer se ficar parada na sua estante ou mesa. A caixa da super sculpey é muito simples o que faz com que a massa tenha contato direto com o ar. Como o princípio ativo é muito volátil mesmo, ele começa a evaporar no calor do seu escritório e quando você vai ver, meses depois, com uma encomenda de última hora nas mãos… A massa endureceu na caixa! O ideal para isso não acontecer é acondicionar a massa em um saquinho tipo zip-lock de cozinha ou aqueles plastiquinhos de cozinha para conservar alimentos. Embalando-a bem você evita a evaporação e retarda o endurecimento da massa, que ocorrerá independente da macumba que você fizer. Quanto mais tempo parado, mais dura ela ficará. Mas como você não compra a massa pra enfeitar sua estante, use-a e não terá muitos problemas. A coisa complica mais quando você resolve estocar.

Eu começo o trabalho desenhando basicamente o modelo que pretendo esculpir. No caso do Severino não desenhei, mas me inspirei no design de um goblin que vi na internet. Infelizmente não sei onde foi parar o desenho. Sabendo que se trata de uma pose simples, com três apoios, com o goblin em pé segurando um bastão ou cajado mágico eu faço três furos posicionados sob a base de madeira.

Com a mini-retífica eu uso uma serrinha circular para ligar os furos da base de modo a passar por ali o arame de ligação entre os furos. Isso dará estabilidade ao boneco e à base depois.

Pelos buracos eu passo o arame fino. Eu prefiro usar arame mais fino do que um grosso, pois o fino eu posso trançar em dois ou três, aumentando a tensão de acordo com minha necessidade, Mas para peças maiores arames de calibre maior são mais úteis, pois poupam trabalho.

Eu uso arame de aço galvanizado. Mas existe uma ampla variedade de materiais e calibres de arame, como os de alumínio, fios de cobre, aço cozido, aço galvanizado, aços tratados, aços coloridos e etc. Eu gosto pessoalmente dos arames de floricultura pois tem elevada resistência a se partirem isso ajuda a posicionar e reposicionar bonecos. São úteis também para bonecos de stop motion de arame. Um outro arame sensacional para modelismo é o plastrame. Plastrame é aquele araminho que fecha o saco do pão. Ele tem uma elevadíssima resistência a quebra, sendo por isso muito útil para a criação de mãos de personagens. Como seu calibre é diminuto, seu uso se aplica bem para todas as escalas. – Uma dica: Nos supermercados, na seção de padaria com auto-serviço costuma ter uma caixa LOTADA de plastrames retinhos para o usuário pegar a vontade para fechar o saco do pão. Como eu nem faço ideia onde compra isso, toda vez que vou no mercado encho a mão com um punhadinho e enfio no saco do pão.

Continuando, eu passo o arame sob a base com as pontas saindo para cima, em direção a parte de cima da base. A partir dessas duas pontas de arame, eu ligo-as formando a coluna vertebral do boneco.

Quando o boneco tem mais de dois apoios, eu também passo uma linha de arame pela terceira base, o que ajuda bastante a fixação do esqueleto à base. Isso é algo importante, pois ajuda a segurar na base para esculpir, ajuda a manter a firmeza do boneco no forno. A pior desgraça que pode te acontecer é passar doze horas esculpindo o boneco e ele desmoronar no forno. Já aconteceu comigo e é de doer.

Este aí em cima é o esqueleto final do goblin. Note que o arame do cajado desce por baixo da base e sobe por uma das pernas, trançando-se no arame principal que liga por baixo da base as duas pernas.

Eu não fiz a cabeça. O goblin teria por característica uma cabeça chata, enfiada em algum tipo de capacete que lhe ocultaria boa parte do rosto, saindo quase do meio do peito. Por isso não foi necesário fazer a cabeça ou uma estrutura para a mesma.

Terminada a estrutura do esqueleto de arame, eu começo a encher com papel alumínio as áreas de maior massa corporal, tomando sempre cuidado para não fazer no volume final do boneco ou ele ficaria mais gordo do que o que eu desejo ao colocar a massa e os detalhes por cima.

Em cima da massa eu bocarei as formas basicas com massa. Nessa etapa eu não me preocupo com detalhes. O objetivo é verificar os volumes e ver se estão corretos. Essa fase pode ser muito desanimadora se você deseja resultados rápidos ou está afobado para ver a peça pronta. Escultura é uma tarefa trabalhosa e que precisa de paciência e até mesmo uma certa dose de fantasia para olhar um lixo horrível como esse e imaginar a peça completa dali a algumas horas.

Nesta etapa o boneco começa a ganhar suas formas básicas. Note que eu faço o boneco sempre de dentro para fora. Não se deve começar um boneco por suas roupas. Isso dificulta muito o processo de modelagem.

Num trabalho em camadas sucessivas, eu vou colocando os detalhes. A cabeça e em cima dela o elmo que cobre o pescoço e os ombros.

Depois de algumas horas de trabalho contínuo em cima do boneco, ele está quase finalizado.

È nessa etapa que eu faço a aplicação do fluido de isqueiro para deixar lisa a peça, sem digitais e criar a textura de pele de elefante do monstrinho. Isso se faz passando um instrumental de pontas aleatoriamente na superfície do modelo produzindo pequenos e grandes cortes. Depois, com um cotonete embebido em fluido de isqueiro, eu passo sobre a área da pele do boneco. O flluido de isqueiro ataca a superfície da massa deixando-a mais macia e provoca uma suavização que pode ser controlada medindo-se a quiantidade de fluido a ser aplicada na superfície da pele. Essa técnica de atacar a massa ainda mole intercalada com mais cortes aleatórios, mais suavização e novamente cortes gera uma realista textura de pele de elefante, que dará um bom efeito depois de pintada corretamente.

Com a peça considerada pronta, leve o boneco para dar um passeio na cozinha.

Eu uso o forno caseiro. Eu costumo ficar assistindo o boneco assar.

Depois de passar o tempo correto para o boneco assar eu retiro com cuidado do forno e deixo esfriar (ele estará mole ainda até o resfriamento completo da massa). Ao final, note que algumas extremidades começam a escurecer à medida em que ele fica no forno. Se você esquecer o boneco no forno ele ficará completamente preto, e queimará, formando bolotas e bolhas na superfície do boneco. Por isso que o ideal é assar os bonecos no forno na menor temperatura possível, pelo tempo mais prolongado que der, até começar a escurecer as extremidades. Isso garantirá que a massa assou legal.

O visual dele depois de assado é esse:

Já feito o boneco, o passo seguinte é pintá-lo. Eu começo isolando a base com fita crepe e pintando o boneco com uma camada de cor base. Nesse caso em específico, o preto. (tinta de nankim – barata e cobre legal, dando um belo aspecto acetinado)

Você está se perguntando por que uma camada de preto em todo o boneco, né? A explicação para isso é que como ele tem muitos detalhes, reentrâncias e etc, é fácil acabar esquecendo algum detalhe sem pintar ou calhar de a tinta não entrar em alguma pequena fresta. Com a base preta uniforme eu sei que a área eventualmente não coberta parecerá como uma área sombreada e mascarará a cor da massa em baixo. A base de preto fará também a tinta acrílica aderir legal na superfície do bonequinho.

Se você vai deixar ao natural ou se envernizará a base, ou se fez como eu o boneco na base final, sugiro mascarar a base. Aqui em baixo um detalhe da mascara, feita com fita crepe. Isso evitará respingos indesejáveis na sua base de madeira.

Em seguida eu uso tinta acrílica branca e pinto sobre a camada de preto apenas nas áreas de pele da criatura.

Sobre esta camada básica, eu aplico uma cor para nivelar um tom que será o tom predominante na pele. Não será a cor final. Este tipo de pintura a mão é feito em camadas transparentes sucessivas, para obter um efeito de profundidade de pele. Eu queria um visual meio sujo, meio nojento. Então usei a técnica da pitura plana como base e sobre essa camada eu apliquei camadas sucessivas com tons de pele indo dos mais escuros aos mais claros, gradativamente em técnica de pincel seco. Ao final, sobre a pele eu usei aguadas de um tom de terra queimada com cor de pele para unificar todo o espectro de cores. O detalhamento final foi feito adicionando tons avermelhados nas extremidades, como joelhos, orelhas, pontas dos dedos, calcanhares, palmas das mãos, etc. Pintas, veias e outros detalhes foram aplicados posteriormente. Verniz foi usado nos olhos para dar um brilho molhado.

Terminada a etapa da pele do boneco eu fiz um ouro (esmalte) envelhecido no elmo para simular um bronze polido meio desgastado. Tons de ferrugem nos cantos e escorridos dos parafusos e rebites da estrutura e uma aguada de betume da judéia bem dissolvido por cima de tudo ajudaram a dar o clima de desgaste e sujeira. O betume dissolvido se acumula nos pequenos cortes feitos com cutelo afiado, dando uma sensação de que o goblin viveu muitas aventuras com seu velho elmo.

Para realçar os detalhes, extremidades como pontas e rebites da estrutura ganharam uma técnica de pincel seco com o dourado natural para mostrar que são raspados constantemente pelo uso. Isso acentua mais o desgaste e deixa de parecer que é uma peça de metal guardada num porão por séculos, sem uso.

As tiras de couro que prendem o elmo ao resto da roupa, são pintados com uma camada base de acrílico branco sobre ela eu pinto em duas camadas de alaranjado e marrom para simular o desgaste do couro.

Pequenos detalhes como os cadeadinhos dão um toque interessante.

(puts! que frase mais gay!)

O tecido foi feito com base branca e pincel fresco.

O cajado foi feito com pintura plana, seguido de aguada e pincel seco. • Sombreamentos foram adicionados com pincel seco para acentuar os músculos. O boneco está pronto.

É isso aí. Espero que tenham gostado. Qualquer dúvida mande-me um email.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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