Aesh estava sentindo novamente aquela sensação ruim. Dessa vez ela era extremamente forte e dava um nó em seu estômago. A sensação era de não conseguir engolir. A boca estava seca, e ele sentia uma leve tontura. Estava agachado no meio do mato, atrás da cabana, pensando em como iria sair dali sem fazer barulho. Os sujeitos pareciam perigosos e pouco amistosos.
“Quem são eles?” – Aesh pensou. Não pareciam policiais, mas poderiam ser os federais. Talvez matadores enviados pelo dono da churrascaria. Ele tinha certeza que aquela ideia cretina de colocar uma flor na mão do dono da churrascaria deixaria o homem em fúria insana quando ele saísse do transe. Eles não deviam ter feito aquilo. Ainda mais brincar com um sujeito que mais parecia um chefão da máfia. Talvez até fosse.
O homem mais gordo era também o mais alto. Ele vestia uma jaqueta grande de couro. Tinha a barba por fazer, usava óculos escuros e uma touca preta de lã, talvez para proteger do dia frio aos pés da montanha.
Os homens saíram da cabana e se separaram. O bigodudo subiu o morro, em busca de um ponto de visualização estratégico. O outro estava focado em seguir os rastros. Antes de se separarem, eles sumiram na frente da cabana. Pandraj sabia que aquilo só podia significar que estavam examinando com cuidado a fogueira. Talvez estivessem em busca de marcas de pegadas no solo.
Durante um tempo, enquanto a adrenalina baixava, Aesh Pandraj rememorou tudo que havia vivido até aquele momento em que estava enfiado no mato, acuado, com medo e tendo formigas andando pelas suas pernas.
Ele sentia saudades de seu irmão gêmeo, desaparecido há dez anos. Onde estaria Rajesh agora? Certamente estava em melhor situação que ele.
O desaparecimento de Rajesh foi uma das coisas mais estranhas que já aconteceu. As pessoas desaparecem todos os dias pelo mundo afora, mas Rajesh desapareceu de dentro de um avião. Ele embarcou nm vôo da Índia para Frankfurt e nunca desceu no destino. Simplesmente evaporou.
O sumiço de Rajesh Pandraj foi um golpe duro para Aesh. Os dois haviam juntado suas economias de toda a vida para se tornarem empresários. Passaram décadas planejando como emigrariam da Índia para ficarem ricos. Comprariam primeiro dois carros e trabalhariam de motoristas. Mas o plano era ambicioso e envolvia a compra de um pequeno restaurante de comida indiana, onde planejavam transformá-lo numa rede de lojas de fast food com uma “pegada” indiana. Aesh iria na frente, e após se estabelecer e juntar uma parte do dinheiro, pagaria para Rajesh vir dpois. O desaparecimento de Rajesh fez tudo mudar.
As lembranças do irmão gradualmente foram desaparecendo, se atenuando, esvaneceram nas brumas do tempo.
-O rastro está vindo aqui para trás. – Gritou um dos homens, o mais baixo, sem bigode, que seguia na direção dos fundos da cabana. Aesh sabia que aqueles rastros eram dele. Manteve-se quieto envolto pelo mato, torcendo para que os homens desistissem.
O sujeito parou e começou a examinar com cuidado os detritos e tralhas apodrecidas nos fundos da cabana. Talvez estivesse em busca de algum a arma, alguma coisa perdida que desse uma pista.
Enquanto isso, a menos de vinte metros, no meio do mato alto, Aesh olhava as horas. Leonard já deveria ter voltado. Aquilo era estranho. Leonard era um homem seco, grosso e muitas vezes sofria de terrível mau humor, mas ele era pontual. Talvez Leonard tivesse visto os homens de longe e estivesse escondido na mata também.
O sujeito de jaqueta abaixou-se, pegou a pedra. Examinou com cuidado as marcas nela. O indiano sabia que o homem estava cada vez mais perto dele. O sujeito viu que as marcas de batida e ferrugem deixadas na pedra indicavam que ela tinha sido usada como ferramenta a pouco tempo.
Então, para desespero de Aesh Pandraj, o homem largou a pedra no chão, pegou a arma do coldre e veio na direção do mato.
“-Pegadas. Eu deixei pegadas.” – Ele pensou.
Aesh verificou suas chances. Talvez, se corresse pelo mato, o sujeito não conseguiria mirar direito. Talvez uma ação imediata servisse como elemento surpresa.
Ele tinha o Kirpan preso na cintura. Talvez pudesse usá-lo.
O Kirpan era uma espécie de adaga cerimonial. Com uma lâmina de 7,6 centímetros, ele simboliza a luta espiritual contra o mal e é um dos cinco artigos de fé que batizados Sikhs devem usar em todos os momentos. O Kirpan era um dos cinco “k”. Os outros eram: kesh o cabelo nunca cortado, kara, uma pulseira de aço, o kanga, um tipo de pente pente e kacha, uma cueca especial.
O kirpan de Aesh ficava em uma bainha preso a um cinto de pano. Ele normalmente era usado discretamente sob a roupa e a maioria das pessoas nem sequer imaginariam que ele andava o tempo todo com uma faca. Aesh nunca tinha usado a Kirpan, por ser algo de cunho religioso. Mas naquela situação, talvez fosse preciso usá-lo.
Ele poderia também esperar que o homem se aproximasse. Um só golpe certeiro de picareta e o sujeito morreria na hora. Mas essa não era a natureza dele. Aesh não conseguiria matar um ser humano. Não parecia certo, mesmo sabendo que aquilo seria sua única escolha para evitar a própria morte.
Havia também outra possibilidade, que era fugir na direção da floresta mais densa, que estava a uns cem metros subindo a colina. Se ele conseguisse chegar nas pedras, talvez tivesse mais chances de se ocultar e correr para longe, em busca de um refúgio.
O sujeito estava passando a arma pelo matagal, tentando baixar as folhas, ramos e arbustos. Em alguns minutos ele chegaria onde Aesh estava agachado. Era uma questão de tempo, e ele estava gradualmente se esvaindo.
Aesh sentiu uma fisgada na mão. Era uma formiga. Ele olhou as formigas que andavam sobre sua perna. Estava gradualmente sendo engolfado por milhares delas. As picadas não tardaram a começar, uma após a outra. Queimavam como pequenas brasas.
Ao tentar se livrar das formigas, Aesh notou algo no chão. Era um pedaço de cano de ferro. Tinha uns vinte centímetros e era bem grosso. Estava parcialmente enterrado no solo, com muita ferrugem.
Com movimentos lentos, o motorista indiano pegou o cano. Era pesado. Talvez, jogar aquilo no homem lhe desse alguma vantagem.
Mas ao invés de jogar o cano de ferro no sujeito magro que vestia a jaqueta e andava pelo mato de arma em punho, Aesh tentou uma abordagem mais limpa. Ele lançou o cano na direção da cabana.
O cano voou no ar por cima da cabeça do homem de jaqueta, que nem mesmo percebeu que aquele ferro passava a poucos metros dele. O cano descreveu uma parábola no ar e desceu na vertical, sobre o teto da casa. Bateu bem numa telha de zinco, fazendo um enorme barulhão. Em seguida rolou telhado abaixo, e caiu na frente da casa, quicando no alpendre, batendo na madeira com um som de sapatos socando o assoalho numa fuga.
Foi brilhante.
O sujeito travou assim que ouviu o barulho do cano acertando a chapa ondulada de zinco. Ele então se virou e não conseguiu ver o que havia feito o barulho. Mas quando o cano caiu no alpendre do outro lado da cabana, o homem armado pensou que havia alguém saltado do telhado e empreendido uma fuga pela parte da frente da casa.
Ele se virou e saiu correndo na direção da cabana.
Era a chance que Aesh Pandraj precisava para fugir para o outro lado. Ele se levantou e saiu correndo pelo mato, com a picareta e tudo.
Já estava a cerca de dez metros das pedras quando escutou uma voz que gritava:
-Pode parar aí mesmo!
Aesh estancou. Era o bigodudo. Ele estava dando a volta na área da floresta. O bigodudo apontava a arma para ele a menos de vinte metros de distância.
Aesh levantou os braços para cima.
-Solta a picareta! – Ele gritou, se aproximando com a arma em punho. Nisso, o homem mais magro, surgiu pelo flanco esquerdo, correndo pelo matagal.
O indiano largou a picareta e ficou ali, esperando o desfecho do encontro. Estava ofegante. Não conseguia engolir.
Os homens se aproximaram.
-Não tente nenhuma gracinha, ô faquir! – Disse o mais magro.
Os dois apontavam a arma para ele.
-Eu não fiz nada. – Disse Aesh.
Mas eles não estavam dispostos a conversar.
-Cala a boca! – gritou o bigodudo, dando uma coronhada em Aesh. O indiano caiu no monte de folhas secas aos pés dos seus algozes.
-Cadê o velho?
-Que velho? – Perguntou Aesh, tentando ganhar tempo.
Sua pergunta foi respondida com um chute no estômago que certamente lhe quebrou uma das costelas. Ele caiu com dores fortíssimas. Lhe faltava ar. Sentiu o gosto do sangue subindo para a boca.
-Não… Não… Por favor! – Implorou.
O bigodudo tornou a perguntar: – Cadê o velho, porra?
Aesh estava fraco para falar. Lhe faltava ar. Talvez a costela tivesse perfurado o pulmão. Sua saúde era frágil. Ele apenas olhou para a floresta diante da cabana.
-Não vai falar não, seu porra? – Perguntou o homem magro, colocando a ponta do revólver na têmpora de Aesh.
Ele tremia e chorava. A dor no peito era lancinante. Aesh apontou, trêmulo para a floresta.
O magrelo baixou a arma.
-Ele… Ele foi para a floresta. Me… Largou aqui… Sozinho.
-Fala a verdade, porra! – Gritou o bigodudo. O bigodudo era o mais violento e também o mais forte. Deu outro chute, que pegou na coxa de Aesh.
-É verdade! É verdade! Aaaai, arg… – Aesh tossiu sangue.
-Onde ele se escondeu? – Perguntou novamente o magrelo sem bigode.
-Eu não sei, eu juro. Ele entrou na mata… Pra lá. Disse que ia…
-Ia o que?
-Ele ia… Fazer uma me-meditação. -Respondeu Aesh, medindo suas palavras.
Os homens se entreolharam e riram.
-Meditação? Ora, faça-me um favor.
O magrelo olhou para o bigodudo e disse:
-Bora liquidar logo essa fatura.
O mais forte deles nada respondeu. Apontou a arma em direção a Aesh.
-Não, não! Por favor… Eu… – Aesh começou a implorar, desesperado pela vida.
Não adiantou. O homem puxou o gatilho cromado.
A arma estourou. Aesh sentiu a bala perfurando-lhe o peito. Era como a picada de um marimbondo de fogo. O tiro queimou como nada que ele havia sentido antes em sua vida. E antes que ele pudesse pensar qualquer coisa, outros dois tiros o atingiram. Os dois homens atiraram ele.
A imagem dos canos liberando fogo e fumaça foi a última coisa que Aesh viu antes de tudo se apagar. Os disparos ecoaram na floresta. Ele ouviu as risadas e sentiu o cheiro da pólvora que inundou o ar. Sentiu as folhas secas agredindo seu rosto…
Aesh Pandraj morreu ali.
Os dois homens olharam ao redor. Esperavam que o velho aparecesse ou fugisse, mas a floresta era só silêncio.
Eles guardaram as armas. Um deles retirou do bolso da calça uma flanela laranja. Com ela, puxou uma pistola do coldre nas costas e colocou-a na mão flácida de Aesh. Apontou a arma para o céu e deu dois tiros. Depois largou a arma no chão.
Os dois homens de jaqueta e óculos escuros se entreolharam, sorriram e desceram em direção à cabana.
No caminho, um deles pegou o celular e falou alguma coisa sobre troca de tiros.
O corpo de Aesh ficou ali, esfriando no meio das folhas secas, meladas pelo sangue.
CONTINUA
Cadê a parte 25? o.O
http://www.mundogump.com.br/as-criancas-da-noite-parte-25/
Está todo mundo morrendo, estou sofrendo já…. quando ele voltará no tempo?????
Eu não sei. Eu só conto o que vai acontecendo. Até acontecer eu não sei NADA que vai rolar. Eu não tenho controle sobre o conto. Ele esta indo para a frente sozinho.
Adorei a resposta kkkkkk!!!!!!
De novo, a pergunta: vai sobrar alguém?
Eu acho que não… kkk
Maldito boot do Google, olha ai no que deu, pobre do Aesh…
Acho que o Philipe anda vendo muito “Game of Thrones” e pegou o hábito do George RR Martin de sair matando geral.
Mas o conto está cada vez mais incrível!
Pow Philipão, Faz uma parte 27 aí com pelo menos o dobro do tamanho, ta angustiante já ir rolando a pagina e se deparar com o “CONTINUA”. Ow entao eu vou esperar vc chegar na parte 30 e depois entro e leio tudo rsrs
Dava pra fazer um filme hein!?