O experimento Carlson – parte 12

Morten não entendeu nada do que a mulher disse, mas ele notou que ela estava fazendo perguntas e parecia aflita.  Pensou em responder, mas o que diria? Não sabia uma palavra sequer em chinês. Nem mesmo sabia onde devia apertar na tela do dispositivo para se comunicar com a mulher.

Resolveu arriscar.  Clicou num dos links da tela aleatoriamente, sem saber no que ia dar e disparou a falar:

– “Alô? alô? Quem está aí?”

A fala não resultou em nada. A pessoa do outro lado ainda falava coisas que ele não entendia. Morten tentou outro botão e repetiu a tentativa de comunicação, igualmente sem sucesso.

– Alô? Está me ouvindo? Alô?

Subitamente, a pessoa que falava estancou no meio da frase. Morten ouviu sua própria voz metalizada surgindo ao fundo, vinha do aparelho. Ela estava ouvindo a voz dele.

A mulher não falou mais nada. Ela simplesmente cortou a comunicação e o aparelho na mão de Morten se desligou.  Apagou duma hora para outra. Era como se do outro lado, a mulher misteriosa tivesse percebido que algo havia saído errado com o comunicador. Talvez ela tenha se assustado. Puxou algum tipo de chave geral e desconectou o aparelho de Ramsés.

-Filha da puta! – Morten gemeu com raiva ao ver que o aparelho estava “brikado”. Havia se tornado apenas uma tela inútil em suas mãos. Todas as informações ali contidas poderiam ter sido apagadas. Principalmente o mapa com os pontos de acampamento. Sua vontade foi de lançar o aparelho no lago da cratera, mas se conteve. Talvez ele pudesse ser útil de alguma outra forma. Se os chineses conseguiam desabilitar o aparelho do lado de lá, talvez houvesse algum meio de religar via força-bruta, ou ainda, eles poderiam tentar retomar a comunicação, passado o susto. Seria uma atitude burra jogar o equipamento longe. Além do mais, aquilo era uma evidência incontestável de que outros países também haviam descoberto o processo de fluxo para chegar ao planeta desconhecido. Era imperativo conseguir transmitir essa informação de volta ao pessoal do “buraco”, afim de informá-los desse inesperado acontecimento.

Morten sabia que em pouco tempo, um novo explorador seria transmitido por fluxo para o planeta desconhecido. Eles teriam uma janela de encontro, assim que os sensores de radio detectassem a chegada do novo explorador. O programa de exploração do planeta misterioso já estava em sua quarta fase. Em pouco mais de um ano, haveria condições energéticas para transmitir um volume maior de matéria, e a estação, veículos, equipes e tudo mais, finalmente seriam enviados.  O que estava por trás desse salto era a construção de uma estação de geração de energia que consistia na produção de um micro-sol artificial, capaz de produzir nada menos que 133 bilhões de terawatts. O projeto desse reator era uma das histórias mais incríveis que ele já havia lid0 num memorando interno da agência.

Certa noite, um pesquisador da Marinha dos EUA, chamado Salvatore Pais, acordou banhado em suor. Ele acordou e percebeu que não podia se mexer. Estava como que congelado, preso em seu próprio corpo, num episódio que pensou se tratar de um estado conhecido como “paralisia do sono”. Ele já havia lido sobre casos assim, já tinha visto documentários sobre o assunto e saber do que se tratava o acalmou. Mas algo pareceu perturbá-lo quando ele notou que não estava sozinho. Ao lado de sua cama, de pé, estava uma figura que olhava para ele. Era um homem careca, com nariz grande e olhos brancos. Era uma figura assustadora que parecia estar vestindo um traje de mergulho, todo colado ao corpo.  O homem bizarro segurava uma bola prateada, polida que parecia com uma bola de bilhar. Salvatore estava aterrorizado. Tentava se convencer que estava sonhando, mas a criatura olhou para a esfera prateada e veio em sua direção.  A horrível figura, colocou aquela bola bem na direção da testa dele, e foi aproximando o objeto cada vez mais. Quando Salvatore  percebeu sua própria imagem refletida na esfera, como uma ilustração de MC Escher, ele teve certeza que aquilo não era delírio ou sonho. Aquela coisa, fosse ela o que fosse, estava ali com ele, colocando uma esfera cromada diante da testa dele e então, um poderoso flash de luz estourou em sua mente. Imediatamente, centenas e centenas de ideias foram que implantadas na mente de Salvatore. Era como um fluxo brutal de lava quente entrando pelos seus olhos. Uma luz cegante se seguiu de um som tão alto que colocaria qualquer explosão que ele tinha testemunhado na Marinha dos EUA em toda sua vida, no chinelo. A unica coisa que Salvatore conseguiu se lembrar foi a voz esquisita e gutural, da figura que  surgiu após a explosão, dizendo apenas uma palavra:

-Embaúra.

Imediatamente o jovem engenheiro abriu os olhos. Não havia nada no quarto. Tudo estava escuro. Eram 4:00 da manhã e ele estava de férias na cabana de seu irmão, o mesmo lugar onde todos os anos ia para pescar e refrescar as ideias.
Salvatore passou a mão na testa melada. Olhou a mão e viu algo estranho, uma gosma, algo que mais parecia com o gel de ultrassonografia.
“Embaúra”… “Embaúra”… A palavra estava gravada em sua memória.

Não tinha como ser um sonho. Era real demais.

Assim, Salvatore saiu daquela experiência transformado. Num dia ele era um jovem engenheiro trabalhando para a Marinha, desenvolvendo partes eletromecânicas de submarinos e navios de guerra. No dia seguinte, ele era a peça-chave para o grande salto da Humanidade.
Salvatore pediu reserva na Marinha. Abandonou o governo e sumiu por dois anos. Acreditam que ele tenha vagado e perambulado pelo mundo, visitando o Tibete e tribos indígenas em diversos países em busca de autoconhecimento. Ele só foi reaparecer novamente nos registros governamentais como um engenheiro sênior de uma empresa chamada Skunk Works, que era uma das várias empresas com centenas de contratos secretos com o governo.
Os relatórios apontam que após meses da estranha experiência em seu quarto, o engenheiro foi “recebendo” flashes misteriosos de projetos e ideias que acreditava, lhe foram transmitidos quando olhou para a esfera cromada. As memórias foram lentamente se desbloqueando. Sua primeira invenção se tratava de nada menos que levitação em supercondutores de alta temperatura crítica. Aquilo era revolucionário, mas o melhor ainda estava por vir e finalmente veio. Um projeto de reator revolucionário, que chamou de  “Dispositivo de Fusão por Compressão de Plasma”. Após cinco versões, o aparelho gerava tamanha quantidade de energia que a simples admissão da sua existência, abalaria completamente a economia do planeta Terra.

Havia um núcleo de desenvolvimento energético no Buraco. Dezenas dos melhores cientistas do mundo estavam com seus talentos e suas energias dedicadas a triplicar o volume energético produzido a cada nova versão. Em um ano saíam duas novas versões do DFCP.  Se não fosse pelo DFCP inspirado pela visão bizarra de Embaúra ou seja lá como aquela coisa se chamava, o estado de fluxo de transferência de matéria jamais seria atingido. O salto tecnológico que o DFCP representava na questão energética, foi como sair dos batuques no tambor e sinais de fumaça para a fibra óptica nas comunicações.

Morten caminhou na direção de onde ele havia visto o ícone do acampamento. Agora só tinha suas memórias para guiá-lo no caminho.  Seguiu pela lateral da cratera, margeando o enorme lago, tão azul que parecia tinta.
Encontrou uma série de falésias na parte sul do lago e começou lentamente uma nova escalada. Teria que atravessar para o outro lado da montanha. Segundo se lembrava, o desenho do acampamento do Ramsés era do outro lado da face da montanha. Isso significaria uma nova e perigosa escalada.

Novamente, o calor do dia foi se mostrando ingrato. À medida em que subia, as rochas cada vez mais quentes emanando um calor que a àquela altura, já beirava o insuportável. Parou para descansar e beber água diversas vezes.
Retomou o avanço, mas no auge do dia, já estava ficando perigoso. Assim, Morten encontrou uma loca de pedra em que pudesse se abrigar do poderoso sol.
Sentou-se encolhido na sombra e esperou pacientemente que o astro atravessasse o céu. Era curioso como aquele sol inclemente parecia demorar a se mexer quando você estava de olho nele, mas se estivesse ocupado fazendo qualquer outra coisa, o dia passava como num passe de mágica irritante, mudando do calor sufocante para o frio congelante em metade de um dia na Terra.

Distraiu sua mente ao tentar lançar pedrinhas para caírem no lago. Obviamente errou todas as tentativas, pois o lago já estava muito longe.

Logo, a brisa gelada iria tirar Morten de seu estado de espera. O sol estava prestes a passar para o outro lado da montanha, e isso lançou a crescente sombra dos picos sobre ele. O lago lá em baixo ainda brilhava num azul magnífico, amplificado pelo facho de sombra crescente, na lateral da cratera, que ia engolfando tudo numa mancha escura.
Morten esticou a coluna e seguiu sua escalada difícil por um amontoado infinito de pequenas rochas sedimentares e ígneas. No caminho, notou novos fungos e líquens diferentes.  As “ervilhas gigantes” ainda se espalhavam pelas redondezas, formando clusters de bolotas que pareciam cachos de uvas verdinhas.

O caminho mais fácil era uma via que levaria a uma passagem entre dois picos enormes, ladeados por grandes paredões verticais, absolutamente inacessíveis.
Enquanto subia, algo chamou sua atenção. Numa rocha nua, provavelmente desprendida do pico sabe-se lá a quantos anos, havia algo escrito em chinês. Morten foi até lá para ver de perto. Havia sido escrito com raspagem de uma rocha na outra. Era uma inscrição em chinês. Obviamente ele não entendeu, mas aquilo deixou claro pra ele uma coisa: Os chineses estavam passando por ali. Talvez fosse uma mensagem do finado Ramsés para seus amigos.  Talvez um aviso. Um pedido de socorro… O que aquele símbolo significaria?
A noite enfim chegou, trazendo consigo o frio e as rajadas de vento inclementes. Ele havia esquecido delas. O interior da cratera com seu microclima maravilhoso e estabilizado pelo lago, dava lugar ao inóspito vento seco que parecia sair de um aparelho de ar condicionado gigante.
Morten tomou a arriscada decisão de prosseguir durante o inicio da noite, só parando para a pausa da madrugada quando o risco fosse grande o suficiente ou quando não desse para ver mais nada. Enquanto as luzes do traje dessem um apoio, ele estava determinado a seguir em frente.

A trilha se acentuou até chegar aos paredões. Ali a coisa se tornaria realmente arriscada para um explorador. Um passo em falso, significaria a morte certa.

Morten se encolheu perto dos paredões. Não havia um único abrigo eficiente contra o vento e ele não estava disposto a descer para procurar um lugar confortável. Encolheu-se todo, ativou o aquecimento do traje no máximo e torceu pelo melhor.
Olhou para as estrelas no céu como sempre fazia em busca das constelações engraçadas. Enquanto engolia sua mistura nutritiva e bebia água em pequenos goles, tornou a se lembrar de sua ex-namorada. Onde Sylvia estaria agora?
As noites no planeta eram a pior parte da aventura. Ele sempre se sentia solitário e indefeso na escuridão.
Desligou as lanternas e dormiu.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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