Gringa – Parte 15

A Gringa entrou na sala e se sentou no canto do sofá.
Evandro ficou apenas parado, sem saber o que fazer. Ele sorriu pra ela. A Gringa sorriu de volta e apontou o violão.

Ele retomou a musica. A Gringa parecia completamente hipnotizada pela sonoridade do instrumento. Percebendo o interesse dela, Evandro resolveu tocar algo que ele realmente admirava no violão de sete cordas. Ele começou a tocar o Adagio do Concerto de Aranjuez.

Ela estava completamente fascinada pela música. Os olhos incrivelmente azuis estavam travados nos dedos de Evandro, que habilmente saltavam entre as notas da complexa musica.  Evandro fechou os olhos para sentir toda a intensidade que o antigo violão conseguia transmitir.

Quando ele fez contato visual com a moça, ela estava chorando. Uma lágrima solitária descia por seu belo rosto, deslizando com suavidade até descer pela lateral do nariz e adentrar os lábios perfeitos.

Evandro finalizou a música com suas últimas notas melancólicas, quase inaudíveis, e então a Gringa abriu um lindo sorriso.

-Você nunca ouviu essa musica, Gringa?

Ela ficou olhando opara ele. Mão parecia ter entendido o que Evandro disse.

Ele então resolveu tocar algo mais romântico para ver a reação da moça. Improvisou uma versão de Romeu e Julieta.

Gringa cruzou as pernas sobre o sofá, numa posição de lótus, observando atentamente a execução da música.

Sempre que a música chegava ao fim, a Gringa sorria feliz, e se balançava no sofá, animada, como uma criança.

-Vamos ouvir algo mais complexo agora. – Disse Evandro, com atenção ao violão.

Ele estava treinando aquela música há muito tempo e essa era uma oportunidade de voltar a ela. Era sua música favorita e aquele momento significava muito para ele.

Evandro começou a tocar sua própria interpretação de “Aria na Corda Sol” de J. S. Bach.

Logo nas primeiras notas a Gringa parou de se balançar e agora estava com uma expressão intrigada, como se estivesse diante de algo espetacular, um momento único na vida, onde ela parecia estar diante do privilégio de se conectar com algo verdadeiramente transcendental.

Quando Evandro finalizou a musica, ela estava com os olhos marejados, olhando para o nada, como se lembrasse de seu próprio passado.
Pensando que talvez tivesse deixado a Gringa triste, Evandro tocou tico-tico no fubá, de Zequinha Abreu em uma interpretação própria.

A velocidade da melodia e a sua dinâmica capturou a atenção da moça que voltou a sorrir, empolgada com as pequenas viradas. Ela começou a querer dançar, se balançando no sofá ao som do violão, com os olhos fechados.

Evandro terminou a música e ela estava agora se encostando, com os olhos fechados. Era um momento mais zen?
Evandro começou a tocar a trilha de Cinema Paradiso.

A gringa apenas ouvia, recostada, com os olhos fechados. Ela se ajeitou no sofá, deitando encolhida.

Evandro foi tocando cada vez mais devagar até se dar conta que ela havia dormido, embalada pelas belíssimas melodias de Ennio Morricone.
Ele colocou o violão de lado e se levantou.

Olhou para a bela moça que dormia profundamente. Evandro apagou a luz do lampião e foi para o quarto. Se deitou na cama e ficou pensando nos olhos azuis e na lágrima que desceu deles quando tocava o instrumento. Sem perceber o sono chegou rápido. Ele também dormiu.

Evandro acordou com uma batida na porta. Ele abriu os olhos de supetão e se sentou na cama. Foi até a sala e a Gringa já não estava mais lá. Ele abriu a porta da sala e olhou na varanda. Não havia sinal dela. Andou pelos arredores da casa, sem encontrar.

-Gringaaaaa?

Ela havia sumido.
Evandro voltou para dentro. Colocou a caneca com água para esquentar no fogareiro de camping. Pegou na mochila a escova de dentes e foi fazer a higiene matinal.
Ele estava servindo o café numa das canecas de metal quando ouviu a buzina lá em baixo. Os homens estavam chegando.

Evandro pegou duas fatias de pão de forma e colocou um queijo dentro. Ele foi até a varanda receber os trabalhadores.  Logo, ouviu as falas animadas ecoando pela ilha, estavam subindo numa falação tremenda, entre risadas e  discussões. Eles finalmente apareceram, carregando ferramentas e sacolas. Miro e Wilson vinham na frente, carregando um fardo de água mineral cada um. Atrás deles veio Manel, que era quem estava falando como uma matraca sobre o Flamengo e os problemas com o técnico. Manel trazia o isopor com as quentinhas.  Atrás dele havia um homem diferente.
Evandro saiu pela varanda.

-Paz de Deus seu Evandro! – Disse Manel, colocando a caixa de isopor na sombra da varanda.
-Fizeram boa viagem?

-Boa sim senhor. Ó, esse aqui é o Alfredo.  – Disse Manel apresentando o desconhecido.

-Prazer.

-Prazer. – Ele disse, apertando a mão do rapaz.

Alfredo era um senhor negro de olhar profundo que já beirava seus setenta anos. Diferente de Messias, ele não tinha nenhuma compleição atlética. Ao contrário, ostentava um brilhoso barrigão que despontava entre a camisa branca de botões aberta. A camisa parecia até uma cortina de palco onde aquela grande pança esférica reinava absoluta. Suas roupas eram o uniforme clássico do pedreiro caiçara. Bermuda feita de uma velha calça jeans desbotada cortada, deixando fiapos na barra. Toda suja, parecendo até encardida. No pulso um velho relógio largo de metal onde não se via os números de tão arranhado.
A camisa era branca, aberta, se seu estilo amassado e desfiado indicava uma vida de muitos carnavais. Ele tinha também um pequeno chapéu de palha e uma barba branca na forma de um cavanhaque curto ao redor da boca sorridente, emoldurada de rugas pronunciadas. Calçava chinelas de couro bastante carcomidas. Sua aparência lembrava uma escultura de preto velho de centro espírita.

Manel explicou a origem do homem.

-O Seu Messias precisou ir até Angra para resolver um pobrema na justiça, aí eu chamei o seu Alfredo para cobrir o Messias, tudo bem? Já acertei com ele a diária do Messias, tá bão?

-Claro.  Sem problemas. Vamos tomar um cafezinho?

-Opa! – Disse Miro, colocando os fardos de água mineral perto da porta.

-Será que a gente adianta bem essa cisterna hoje então? – Perguntou Evandro, enquanto ia servindo o café nas canecas.

-Vamos trabalhar duro, seu Evandro! –  Wilson Exclamou. – Hoje a gente deve dar o acabamento ali na escada.

-Se preocupa não, seu Evandro. Eu vou levar o Alfredo ali na cisterna para ver.

-O Messias já me adiantou o andamento da obra. – Alfredo disse, pegando a caneca na janela.  – As ferragens já estão aí, né?

-Estão sim. – Manel falou pegando a caneca. – Já tá tudo lá em cima. É só a gente meter bronca.
-Então tá bão, ué.
-Chato é que amanhã é sábado, né? A gente tem que adiantar bem hoje porque a gente só volta agora na segunda, hein? – Disse Manel, tomando mais um gole do café.

-Ih é mesmo!

– O senhor vai ficar de castigo sem nóis aí, hein? – Riu Wilson.

– Vamos dar um descanso pro senhor. Mas já trouxemos as quentinhas pra sábado e domingo, ói!- Manel chutou de leve a caixa de isopor no chão.

-Sozinho não, porque a Gringa fica aqui comigo! – Ele disse, sorrindo.

-Hummmm… Olha o sorrisão dele, tio! – Miro apontou.

-Ah, o garoto tá feliz… Ela apareceu então, seu Evandro?

-Apareceu. Ela dormiu na casa aí.

-Hummmmm! Aí sim! – Riu Miro dando uma cotovelada em Wilson, que começou a rir.

-Ela dormiu no sofá. Não é isso aí que tu tá pensando não. – Disse Evandro entrando na brincadeira.

-Claro, claro… – Eles riram.

-Bom, vamo pro serviço então!  – Eles disseram. Os homens logo agradeceram o cafezinho e os dois mais jovens, Wilson e Miro desceram para o trabalho nas escadarias de acesso ao píer. Enquanto Manel e Alfredo foram ver a cisterna na lateral da casa.
Evandro lavou as canecas no galão e guardou na pequena cozinha da casa. Ele desceu para a direção da escadaria.

Chegando lá, encontrou Miro e Wilson trabalhando nos acabamentos dos degraus, passando uma fina camada de cimento.

-Opa? -Wilson ficou ali, segurando a colher de pedreiro na mão.

-Vim ajudar vocês, ué. – Disse Evandro.

Os dois rapazes se entreolharam.

-Não precisa. -Falou Miro, enquanto puxava a massa com a enxada.

-Mas eu quero ajudar.

-Mas a gente já tá no acabamento, seu Evandro. Tá tudo indo bem por aqui. Não tamo precisando de ajuda não senhor!

-Mas eu não vou ficar parado sem fazer nada, pô! Eu posso ajudar sim.

-Seu Evandro, posso falar um negócio francamente com o senhor?  – Perguntou Miro.

-Pode.

-Meu tio costuma dizer que “muito ajuda quem não atrapalha”, seu Evandro. Deixa com a gente. Fica descansando lá na casa. O seu Alex disse que não era para deixar o senhor fazer esforço para se recuperar. Se acontece alguma coisa aí, a gente tá ferrado, seu Evandro. Não leva a mão não.

Evandro insistiu. -Palhaçada… O Alex acha que só porque ele é todo bombadão, ele pode ajudar e eu não. Mas eu posso ajudar sim.
-Bom, o senhor que sabe, então… Será que o senhor podia fazer um favor de trazer umas garrafas d´água lá pra nós então?

-Tudo bem. – Ele disse. Saiu mancando, com as faixas na canela.

Miro e Wilson se entreolharam sorrindo e voltaram ao serviço.

Evandro foi até a casa, chingando Alex mentalmente. Sua perna ainda estava doendo. Talvez fosse mesmo melhor ficar descansando pelo menos mais um dia. Ele pegou duas garrafas de água no isopor de gelo e depois desceu até a entrada da trilha. Ali ele entregou as garrafas para os rapazes.
O calor estava ficando forte de novo, apesar de que naquele dia, estava ventando bem mais.

Miro bebeu a água com grande velocidade.

-Delícia. Geladinha. – Ele falou.
-E o que mais eu posso fazer?

-Seu Evandro, a gente já disse. Não estamos precisando de ajuda… Se bem que, seu Evandro, tem uma parada que o senhor podia ajudar sim.

-Opa! Só dizer que estou aqui pra ajudar.

-O senhor pode ir lá na cisterna e chamar o  tio Manel pra nós? Nós vamos começar a montagem do corrimão e vamos precisar dele.

-Ah, beleza. Deixa comigo.  – Disse Evandro, dando as costas aos garotos.

Ele subiu pelo terreiro, passou pela varanda e seguiu pelo caminho na lateral esquerda da casa. Ele aproveitou para passar no isopor e pegar mais duas garrafas de água. Seguiu com elas até chegar nas obras da cisterna. Ali estavam Alfredo e Manel, ocupados em seus afazeres. Alfredo cortava madeiras e ia martelando, enquanto Manel estava montando as ferragens da grande caixa de concreto.

-Seu Manel?

– Diga, meu garoto!

-Trouxe água, ó.

-Ah, beleza. Pode deixar aí perto do monte de pedra. – Ele disse, sem sequer virar para Evandro.
Evandro estendeu a garrafa para Alfredo.

-Brigado moço.

-Seu Manel, os meninos estão chamando o senhor lá em baixo, para ajudar no corrimão.

-Ah, tá. Mas já estão no corrimão? Puta merda, esses dois são foda. – Ele disse, colocando o chapéu de palha.  – Alfredo, vou lá em baixo. Depois de cortar aí você vai dando os nós aqui no vergalhão.

-Opa, se quiserem eu posso ajudar aqui. É só me mostrar o que precisa… – Evandro se prontificou.

-Não, não. O senhor está em descanso, seu Evandro.

-Se preocupa não, seu Evandro! Isso aí a gente resolve facinho… – Disse Alfredo. O velho se virou para Manel e disse: -Pode deixar que eu adianto aí. Vai lá ver a molecada antes que eles façam merda no corrimão.

Manel saiu e deixou Evandro sentado numa pedra que aflorava do solo, assistindo ao velho trabalhar.

Evandro notou que o velho Alfredo tinha grande habilidade com o manuseio da serra, tal qual Messias. Meio sem ter o que fazer, já que ninguém parecia se interessar por sua ajuda, resolveu puxar conversa.

-Então, seu Alfedo?  O que está achando da ilha?

-Rapaz… A ilha é bonita, mas eu vou dizer pro senhor que eu não gosto de ilha não senhor. De nenhuma. Só vim porque meu compadre Messias pediu muito.

-Ah, o seu Messias é seu parente?

-Sim senhor. Ele é padrinho do meu filho, o Bastião.

-Mas por que o senhor não gosta de ilha?

-Ah… É uma longa história…

-Mas eu tenho todo o tempo do mundo, seu Alfredo. Conta aí.

O velho marceneiro parou de cortar a madeira. Ele pegou a garrafa de água e deu um gole. Limpou a boca com as costas da mão. Puxou um escarro do fundo do peito e cuspiu no mato.

-Muita gente não acredita… Não sei no que o senhor acredita, então já aviso logo…

-Pode contar!

-Quando eu tinha uns vinte e poucos anos, eu era pescador em Parati.

-Ah, que legal.

-Numa manhã eu saí para pescar numa traineira com mais seis colegas. Antes eu só pescava de linha, mas o peixe foi rareando, rareando, e fora de agosto quando era a época da Tainha, a gente precisava sair mais lá pra fora.  Eu comecei a pescar porque eu sou filho de pescador, alias, meus avôs também eram pescadores e, como eu vivia, nós vivia numa comunidade de pescador…O meu pai trabalhava no mar, começou me levar pra pescar no mar de canoa. É, pescar de linha, botar rede, né? Tudo isso. Foi quando eu me ingressei na pesca , já, com oito anos já, eu falei de idade e cabei de me criar na pesca até esse dia, quando eu saí numa traineira do Clóvis de Barros, na época que ele tinha comprado dum homem lá no Espirito Santo.
Eu saí com eles e chegou uma hora no segundo dia de mar que o motor simplesmente quebrou.

-Puta merda. E aí?

-E aí que o motor quebrou no meio do mar e a gente tentava consertar e não dava conserto. E foi um aperto, porque o rádio parou também, a gente chegou a pedir ajuda, mas não teve ajuda não senhor. Depois achamos que o radio estava com problema.  Mas ia piorar, e muito.

-Nossa senhora.

-Começou a armar uma chuva. Uma das chuvas brabas! O mar virou. Começava a vir umas ondas. Mas onda gigante mesmo, seu Evandro.  No escuro da noite. E o barco virando assim ó… -Ele inclinou a mão no ar fazendo o movimento das enormes vagas.

-Que medo!

-E aí… O barco virou, seu Evandro.

-Virou?

-Virou e afundou, mas afundou rápido, hein?!

-E tinha colete salva-vidas?

O homem deu uma sonora gargalhada. E então emendou a risada numa tosse quase tuberculosa. Ele pegou a garrafa no chão e deu mais um gole.

-Tinha não. Eu e os companheiros começamos a gritar e eu nadava, nadava, e as ondas vindo, vindo  e “tchuuuummmm”! Em cima da cabeça, me empurrava pro fundo.  Eu continuei a nadar, tentando só não morrer. Eu só pensava em não morrer, seu Evandro. Ali eu fiz uma promessa que nunca mais eu ia ser pescador se Deus me tirasse daquele sofrimento com vida. Logo, esbarrei num negócio que me agarrei nele com toda força, e era um dos isopor do barco para botar o peixe. Eu garrei naquela placa com todas as minhas forças e fui batendo as pernas e me segurando naqueles pedaço de isopor.   Daí,  depois de muito tempo nessa luta, eu já não ouvia mais a voz de nenhum dos amigos, seu Evandro. Eu gritava, gritava por eles, e nada, só vinha o barulho do mar, que estava revolto. E aí o chuvaréu foi amainando e amainando e dali um tempo, coisa de uma hora mais ou menos, já tinha passado.  Eu ainda estava garrado naqueles isopor e quando foi começando a amanhecer o dia, eu vi bem na minha frente aquela ilha. Uma ilha enorme, seu Evandro.

-Uma ilha! Que sorte!

-Não foi sorte não. Mas eu não entendi foi nada, porque ali na região que eu estava pescando nem tinha ilha. Não tinha ilha nenhuma. Eu sabia bem, conhecia a região.   Fui crescido e criado ali pescando. Mas vendo o milagre eu nadei para ela. Nadei com minhas últimas forças para chegar nessa ilha.  E então foi que o pior aconteceu, seu Evandro…

-Como assim o pior, rapaz? Você tava boiando no mar e ia morrer afogado. Aí vem uma ilha. É sorte! Muita sorte!

-Mas essa ilha não estava nesse mundo, seu Evandro. O senhor talvez não entenda o que eu estou dizendo, porque é confuso mesmo.

-Mas conte, vai em frente! Conte aí.

-A ilha. A ilha não era desse mundo. Não tem só esse mundo, Seu Evandro. Tem outros mundos. Muitos outros, mas eu não sabia disso naquele tempo. E eles tudo estão aqui. Mas de vez em quando um mundo entra no outro, seu Evandro. Eu estava feliz de chegar na ilha. Logo, ela tinha uma praia assim, bem comprida. Uma praia grandona e eu fui e saí pela praia. Saí do mar, ajoelhei e agradeci a Deus pela salvação. Mas aí eu fui andando pela praia e a ilha parecia estar sem ninguém. Eu sentei lá perto dos coqueiros e fiquei esperando, descansando. Então foi que eu vi um negócio que eu não entendi o que é que era aquilo.

-Negócio?

-Era uma coisa que saiu do mar. Ele saiu, aquele negócio escuro, grande, cheio de umas coisa igual se fosse um ouriço gigante, preto. Cheio de pernas. Uma coisa feia. Uma coisa horrível, seu Evandro. E essa coisa veio para a areia. Eu me levantei ainda com as pernas bambas do sacrifício e fiquei olhando aquilo, sem acreditar no que era que eu estava vendo.  Era um bicho que eu nunca tinha visto na minha vida inteira. E essa coisa estava ali, e era grande, maior que uma pessoa e ela vinha se mexendo pela areia, estava vindo na minha direção. E eu fui ficando com medo porque ela não tinha nenhum olho, só um monte daquelas pernas escuras balançando pra lá e pra cá e ia se arrastando e vindo cada vez mais, mas eu sabia que ela tinha me visto.

-Deus me livre. Devia ser o que? Uma tartaruga cheia de algas?

-Não, não. Eu pesco desde os seis anos, como disse pro senhor. Eu sei e conheço qualquer bicho do mar e sei que aquilo lá não era desse mundo! Eu corri daquele negócio porque eu sabia que ele estava me vendo. Eu acho que ele veio me seguindo lá do fundo do mar… E aí eu entrei na mata da ilha. E então, lá a mata da ilha, eu me dei com vários daqueles bichos! Eles estavam para todo lado, estavam infestando a ilha, uns estavam se arrastando e subindo nas árvores. Outros em cima das pedras. E todos eles faziam tipo um gemido assim: “nheeeeeeeee…” – Ele imitou com um barulho cavo, quase macabro.

-Cruz credo! Um pesadelo!  E o que o senhor fez?

-Eu corri. Eu ia fugindo deles e essas coisas vindo atrás. E se um já dava medo, eu estava desesperado com um monte deles. Mas então eu subi na pedra mais alta daquela ilha e eu vi lá no mar um negócio que chamou minha atenção.  Um barco. Tinha um barco pequeno, mas com cabine e tudo, era um barco que parecia estar agarrado nas pedras. E aqueles bichos vinham subindo nas rochas pra me pegar fazendo “nheeeeeeeee….” – Ele imitou novamente.

-E aí?

-Não tinha como voltar por onde eu tinha vindo, que os bichos horrorosos estavam subindo para me pegar e eu então pulei lá de cima. Lá do alto.

-Que loucura, meu!

-E eu bati lá em baixo e fui rolando e batendo nas plantas e desci no matagal me cortando todo, me machucando inteiro e bati a mão essa mão aqui numa pedra e plá… Quebrou meu braço. Eu levantei sentindo uma dor agoniante. Eu fui me arrastando na direção das pedras e o barco estava ali, e as onda batiam nele.  E o braço doendo. E eu olhei para a praia e a areia estava ficando coalhada daqueles bichos, que vinham chegando do mato, e eu olhei para trás e vi que eles estavam se mexendo na areia, e meio que parando. E então aquelas coisas iam se mexendo de um jeito esquisito que eu não sei nem explicar pro senhor e dessas coisas, ia saindo uma gente.

-Saindo o quê?

-Saía gente! Gente mesmo.  Umas pessoas estranhas e elas estavam tipo saindo das coisas, elas estavam virando gente. E aquilo me deu um medo desgraçado, seu Evandro. Eu cheguei me cortando todo nas pernas. Eu estava que era sangue puro e a mão não mexia nem mais. Estava latejando e eu achei que ia desmaiar, mas então eu me joguei para dentro do barco de qualquer jeito mesmo. Eu olhei pra trás e essas pessoas estranhas estavam na praia parados me olhando. Todo mundo pelado lá me olhando de longe. Eles não entraram no mar. Pararam na praia. E eu entendi que não estava no meu mundo. Eu tava no mundo deles. Daquelas coisa.

O velho Alfredo saiu de onde estava e começou a prender os vergalhões com arame e alicate. Ele pegou um carretel de fio cozido e ia cortando com o alicate e prendendo na grelha metálica. Ele então retomou a história:

-Eu entrei naquele barco e logo vi, pelo estado dele, que ele estava agarrado naquelas pedras há muitos anos. Mas a maré estava subindo rápido e logo o barco véio estava batendo nas pedras. Eu vi que ele estava com uma corda bem puída, e estava ancorado. Eu juntei o que ainda restava das forças, puxei a corda. Puxei o ferro para o barco e ele ficou solto. Ele foi se afastando da ilha. E se afastando, afastando…  E eu vi aquelas pessoas em pé e elas foram virando de novo naquela coisa preta sem forma, super estranha e alguns voltaram para o mato, e outras daquelas coisas se arrastaram para a água  e aquilo me deu um grande medo deles virem atrás de mim.  O barco tinha motor mas ele não funcionava. Tava tudo enferrujado. Graças a Deus o vento me empurrou pra longe daquela ilha do Diabo.
Eu deitei no chão do barco. A dor e o cansaço era enorme. Foi ficando tudo escuro e eu acordei com gente falando um barco de pesca me achou a deriva na baía de Parati. Eles me resgataram e me levaram para a Terra. Ninguém acreditou no que eu contei e a única prova que eu tinha era aquele barco e meu braço quebrado. Botei parafuso e tudo, ó.  O registro do barco só acharam muitos meses depois. Ele dizia que ele tinha dado como afundado mais de trinta anos atrás. Mas como é que eu apareci nele?
Nunca acharam a ilha. Mas eu cumpri a promessa. Abandonei a pesca para sempre. Virei servente de obra e nunca mais eu pesquei e nem vou pescar na vida!

-E os companheiros da traineira?

-Ninguém escapou. Só eu.

-Gente, gente! Hora do almoço!  – Gritou Manel lá da varanda, batendo com uma faca num copo.

Evandro e Alfredo desceram na direção da casa. Lá da trilha os dois rapazes vieram, suando em bicas.

Evandro foi até varanda, encontrar Manel, e conforme descia, ia pensando na incrível história que tinha acabado de presenciar.

-Seu Evandro, dá licença da gente esquentar as marmitas lá no fogão de lenha?  – Perguntou Manel, com a caixa de isopor nos braços.

-Lógico, vamos lá! – Disse o jovem, apontando o caminho. – Nem precisa perguntar, seu Manel.

Evandro se sentou na banqueta, esticando a perna. Ela ainda doía um pouco, quando ficava esticada.

Manel usou a garrafa de álcool para acender o fogaréu. Logo, as marmitas estavam em fila se esquentando sobre as chamas. Os homens sentaram-se confortavelmente na grama, sob a sombra da enorme amendoeira.

Eles discutiam futebol e falavam sobre as possibilidades do campeonato carioca.  Nenhum daqueles assuntos realmente interessava a Evandro que comia em silêncio, apenas ouvindo as estimativas, nomes de técnicos que não queriam lhe dizer nada, bem como os saldos de gols e cartões. Por sua vez, os trabalhadores adoravam aquele assunto e ficavam encarnando em Miro, que era do Flamengo, e estava na rabeira do placar na Taça Guanabara.

-Pelo menos não sou Entrerriense. – Ele disse de boca cheia.

-E o senhor, seu Evandro? Qual é o seu time?  – Perguntou Wilson.

-Eu sou Vascaíno. – Ele respondeu, meio que de improviso. Evandro nem sequer tinha um time, mas as pessoas pareciam confusas e intrigadas com um carioca que não gostava de futebol.

-Pô, o Vasco tá indo bem. Tem chance esse ano. – Disse Manel.

-E o senhor, seu Alfredo? Qual é seu time? – Evandro perguntou.

-Não tenho não senhor.  – Ele disse.

Manel começou a caçoar: – É claro que ele tem! Ele é entrerriense e tá com vergonha de assumir!

-Tenho nada, rapaz. Nunca tive, nunca gostei de futebol. Acho esporte besta, aquele monte de homem correndo atrás de bola. Coisa estúpida. – Ele disse, mastigando um pedaço de coxa de frango que segurava com a mão.

Manel que já havia acabado de comer, acendeu o cigarro. Deu uma baforada e arrematou a conversa com uma frase: -Cada um sabe de si. Eu fico com meu Fluminense do coração.

-Seu Manel, o senhor já ouviu a história da ilha sinistra que o seu Alfredo naufragou? – Evandro tentou dar uma descontraída, mudando o assunto.

-Ih, rapaz… Isso aí é cascateeeeeero… – Disse Manel com olhar de desprezo para o velho Alfredo.

-Como é que é? – Alfredo jogou o osso de frango que estava roendo para longe.

-É aquela história da traineira que afundou e ele foi parar numa ilha cheia de bicho preto, né? – Perguntou Manel.

-É essa mesma que ele me contou. Eu achei uma historia sinistra!

-Cascata pura, rapaz. – Disse Manel, com o cigarro no canto da boca.

-Como é que é? Como é que é? – O velho se levantou e foi para cima de Manel. Alfredo deu um senhor tapa na cara de Manel que quase caiu no chão com o impacto. O cigarro voou longe. Manel meteu a mão na cintura e puxou uma faca.

Os meninos que ainda comiam as quentinhas largaram as marmitas de lado e pularam para separar a briga.

-Tá me chamando de mentiroso, ô feladaputa?

-Tô. Pois tô sim. Vai encarar? Vem, vem que eu te furo, seu puto!

-Ou, ou! parou, parou! Olha o respeito com o patrãozinho aí. Ou! Para! -Miro e Wilson agarraram em cada um velho e ficaram empurrando eles para longe. Os velhos ficavam querendo confusão, com o dedo em riste gesticulavam no ar.

Manel apontava a faca. – Vem, vem se tu é homi!

-Cascateiro é a puta que te pariu!  Olha aqui as cicatriz! – Alfredo gritou, mostrando os pontos num dos braços.

– Ninguém acredita em você, ô panaca!  Desde quando cicatriz prova alguma merda?

-Ou, ei! Ei Tio, para com isso! Para com isso! – Dizia Wilson, puxando Manel pelo braço.

-Me larga, me larga, porra. – Ralhou Alfredo, se desvencilhando de Miro.

-Eu não te trago nunca mais, velho arrombado!

Alfredo sentou-se no chão de grama, agora mais calmo, vendo que os meninos estavam puxando Manel para longe.

Os jovens levaram Manel, que ainda praguejava na direção das obras da escada.

Evandro ficou ali, meio sem graça, sem saber o que fazer diante da confusão dos velhos.

-Esse velho é um pau no cu! – Disse Alfredo, comendo o resto que ainda tinha na marmita.

-Relaxa, deixa isso pra lá, rapaz.

-Eu juro pro senhor que não é mentira. Eu avisei, que muita gente não acredita. – Ele disse, limpando o suor da testa.

-Relaxa, seu Alfredo. Eu já ouvi muitas histórias estranhas e a sua não foi a primeira. –  Evandro respondeu enquanto ia recolhendo os restos das marmitas num saco plástico.

-Vamos, vamos voltar ao trabalho. Levanta aí! Força! – Disse ele, puxando o velho pela mão.

Seu Alfredo e Evandro foram para a construção da cisterna. Evandro estava com vontade de deitar na sala e tirar uma soneca após o almoço, mas o entrevero na hora de comer colocou tudo sob uma nova perspectiva. Se eles se estressassem, poderia  ocorrer uma desgraça. Era melhor manter os olhos no velho.

Alfredo desceu para a caixa da cisterna, para acabar de fazer a amarração das ferragens. Ficou ali, debaixo do sol, amarrando arame por arame.

Evandro achou que talvez fosse melhor não estimular a confusão. Era melhor deixar o velho trabalhar sossegado. Ele viu que não havia quase mais nenhuma água e avisou a Alfredo.

-Seu Alfredo, vou lá buscar mais água pro senhor! – Ele disse.

Alfredo apenas esticou o braço com um polegar em riste, apontado para cima.

Evandro desceu para a casa. Pegou quatro garrafas de água e dali passou pela varanda. Olhou o mar lá em baixo. Era um verde exuberante ao redor da ilha.  Ele desceu para o caminho da trilha do Píer para ver como Manel estava. Encontrou os três trabalhando concentrados no corrimão.

-Eu trouxe uma água. – Ele disse, dando uma garrafa para cada um.
-Tá tudo bem lá? – Perguntou Wilson, apontando na direção da cisterna.

-Tá… Estamos fazendo amarração das ferragens.

-Aquele filho duma puta me paga! – Disse Manel.

-Calma, Tio. Deixa isso pra lá.

-Ninguém bate na minha cara! Ninguém! – Ele disse, bochechando a água e cuspindo no mato.

-O senhor agora é servo Deus, Tio. Batizado! Olha lá! Olha lá!  – Disse Wilson.

Manel baixou os olhos e bebeu mais um gole em silêncio.

Subitamente, um grito ecoou lá em cima. Era um grito horrível e desespero.

-Aaaaaaaaaaaah…

Todos se entreolharam intrigados.

-É o véio Alfredo. – Disse Miro, já largando a enxada, que caiu no mato.

Eles saíram correndo e ao chegar na cisterna, não havia nem sinal do velho. Somente o chapéu de palha dele estava caído emborcado no meio do gradil de vergalhões.

-Foi cobra, com certeza foi cobra. – Manel ia vasculhando ao redor.

-Ele sumiu.

-Vou lá na casa. – Disse Evandro, correndo para o caminho da casa.

Não havia sinal do velho na casa. Evandro então voltou correndo. Encontrou Miro e Wilson procurando no mato.

-Porra… Ele sumiu. O véio sumiu! – Disse Wilson, passando a mão nos cabelos crespos.

-Aqui! Aqui! Ele tá ali em baixo! – Gritou Miro, no meio do matagal.

Eles correram ate a beirada e viram um pé no meio do mato, enfiado no matagal uns três metros abaixo da área da cisterna.

-Alfredooo! Alfredoooo! – Eles gritaram, mas o pé estava duro. Com dificuldade e a ajuda de cordas, Miro desceu no matagal. Ele amarrou a corda em Alfredo e os homens puxaram, usando uma árvore como apoio.

-O que houve? O que houve com ele? – Perguntava Wilson, intrigado.

O velho Alfredo tinha uma expressão de desespero, com os olhos arregalados e a boca numa careta estranha.

Acho que o velho tá em estado de choque. – Disse Evandro.

É derrame! É derrame! – Miro concluiu.

– Deve ter sido mordido de cobra.- Manel se limitou a dizer, abanando o velho com o chapéu de palha.

-Temos que levar ele pra vila! – Miro jogou água no rosto de Alfredo, mas o velho não reagia. Parecia catatônico.

-Vamos, Vamos! – Disse Evandro, agarrando o braço do velho.

Enquanto eles desciam, Wilson disse: – Ele deve ter tido um derrame mesmo. Pode ter sido o estresse da briga…

-Faz sentido. – Disse Miro.

-Tenho certeza que foi cobra. – Falou Manel.

Logo, os quatro homens desciam pela trilha do Píer, apoiando Alfredo, semi-desfalecido. Cada um segurando em numa extremidade iam descendo o corpo do velho. Conforme desciam, Evandro viu que o velho parecia sussurrar alguma coisa.

-Ela… Ela… – Ele balbuciava, com uma expressão de pavor.  Os olhos vidrados olhando para cima.

Eles finalmente chegaram com dificuldade ao píer. Colocaram o Velho Alfredo no piso de madeira. Manel entrou com Miro no Barco e depois puxaram Alfredo e apoiaram sua cabeça.

-Vai, vai! Vai, tio!  – Disse Miro segurando o velho.

Manel ligou o motor de popa e acelerou o barco, que avançou mar adentro.

-Manda notícias Manel! – Evandro gritou, mas ficou sem resposta. Talvez o som do motor acelerado ao máximo tenha impedido eles de ouvirem os gritos lá do píer. OS jovens acenaram para ele com as mãos para o alto.

Evandro ficou vendo o barquinho se distanciando, até se perder no horizonte.

“Puta merda, quase que o velho empacota aqui. Era só o que me faltava.” – Ele pensou.

Evandro concluiu que por motivos óbvios e justos, a obra da cisterna ia atrasar.  Olhou o sol ainda alto no céu. Era cedo, devia ser menos de duas e meia da tarde. O calor era intenso. Talvez o calor tivesse contribuído para o mal súbito de seu Alfredo.

Diante dele, um peixe pulou. Depois outro e outro. Parecia ser um grande cardume de tainhas passando pela ilha.

Evandro correu pelo caminho acima. Foi até a casa e pegou o kit de pesca. Ele desceu com a lata de linha e a caixa com as iscas e anzóis. Sentou-se no Píer sob o sol escaldante e começou a lançar a linha no caminho do cardume.

-Hoje eu como peixe! Ô se como! – Ele sorriu satisfeito, conforme mais e mais peixes pulavam lá longe.

Evandro ficou ali um tempo enorme. Jogava a isca,  sentia que estavam beliscando, eventualmente achava que tinha conseguido pescar, mas a linha voltava vazia e sem isca.

-Merda! Merdaaaa! – Ele gemeu. Estava ficando puto.

Tornou a lançar a linha e ficou esperando. Pescar estava muito mais difícil do que ele esperava.

As horas foram passando o calor estava bravo. A pedra quente irradiava um calor de baixo para cima horrendo. Evandro olhou a água e sua vontade era de mergulhar e agarrar o peixe na mão.

-Vamos, vamos, peixinho, morde essa merda! – Ele dizia. Mas os peixes pareciam não estar interessados.

Evandro levou um susto quando uma sombra se aproximou dele. Ele olhou e viu a Gringa de pé ao lado dele.

-Igullitt annanaguit. – Ela disse.

-Estou pescando.

-Igullitt.

-Pescando. Pescando. Ó… – Ele disse, puxando a linha.

Ela ficou olhando, curiosa. A linha veio, mostrando o anzol e a isca. Evandro girou a linha e lançou longe.

A linha, com o peso, voou no ar uma boa distância e numa parábola mergulhou num “pluft”.

-Igullitt. Igullitt. – Ela dizia, olhando.

-É… Igullitt. Tô pescando.  Pes-can-do. – Ele disse.

-Pes… Cannnn… – Ela repetiu.

-Isso. Isso. – Ele sorriu de volta.

Evandro puxou a linha e entregou na mão da gringa. Ele ajudou ela a lançar a linha no meio da água.

A linha voou no ar e… “pluft”.

-Anananguit. Ananaguit… – Ela disse, fazendo um movimento sinuoso com a mão, como se fosse uma cobra.

-Peixe. Peixe!

Ela sorriu. -Peixxxxx, peixxxx! – E ficou fazendo o movimento com  a mão no ar.

Mas realmente nenhum peixe parecia se interessar.

Ele ficou ali, estava entediante. Estava chateado por ficar dando banho na isca. A gringa pareceu notar a expressão de desapontamento de Evandro. Ela abaixou-se de cócoras ao lado dele.

Então deu um beijo no rosto de Evandro. Ela tinha os lábios bem gelados. E Evandro não conseguiu conter uma expressão de felicidade. A gringa falou alguma coisa que ele não entendeu junto ao ouvido dele, se levantou e saiu, subindo pelo meio do mato, em vez de usar a trilha.

Evandro ficou ali, olhando a linha que subia e descia sobre a água…

“Ah moleque!” – Ele pensou, todo sorridente.

Com a tarde caindo, e só pensando no beijinho molhado que tinha ganhado horas antes, Evandro decidiu jogar a toalha e reconhecer que aquele não era mesmo “o dia do pescador”.

Ele recolheu os materiais e subiu pela trilha. Guardou tudo lá no quarto de bagulhos e preparou um café.  Ele recolheu as ferramentas jogadas na trilha e guardou tudo nos fundos da casa. A essa altura, água já estava fervendo. Ele jogou o café solúvel na água e tomou um gole.

Ficou pensando na gringa sentado na varanda. O por do sol se iniciava em um inebriante espetáculo de luzes e cores.

Pensou que certamente os homens já deviam ter chegado na Vila.

“Espero que o velho se recupere bem.” – Pensou.

Então, ele foi até a sala,  pegou seu violão e  voltou para a varanda. Ali, sentado num pequeno bloco de madeira, um toquinho rústico, começou a dedilhar uma música. Inicialmente, ele nem lembrava que musica era aquela, mas conforme ia tocando, se esforçava para se lembrar. Então ele sorriu, curioso com coincidência: A musica era “um homem chamado Alfredo”.

Subitamente, durante a música o telefone tocou, interrompendo-o.

Evandro foi até a sala e pegou o aparelho. Do outro lado, era Manel, avisando que Alfredo tinha dado entrada no posto de saúde.

Ele disse que estariam de volta, com Messias na segunda-feira, e que era para Evandro não se preocupar. Os médicos estavam atendendo o velho, que tinha problemas de hipertensão e provavelmente era um derrame mesmo.

Manel se despediu prometendo chegar cedo na manhã de segunda-feira.  Assim que Evandro desligou o telefone, foi surpreendido pelas mãos macias de Gringa que tocavam no ombro dele. Num grande susto ele se levantou, e quase derrubou o violão.

Ela estava com os cabelos molhados,  trazia consigo algo na mão. Estendeu para ele e eram seus óculos, perdidos no mar.

-Meus óculos! Você achou! Você achou! – Ele comemorou, e segurando a moça pela cintura, a abraçou. Ela então passou a mão nos fartos cabelos de Evandro e puxando seu rosto, lhe deu um beijo na boca apaixonado.

Evandro mal podia acreditar no que estava acontecendo. Ela tirou a camisa úmida e agora estava nua, na varanda abraçada com ele, beijando-o com volúpia.

Eles seguiram atracados até o sofá onde começaram a fazer amor. Evandro nem sequer conseguiu tirar toda a bermuda, apenas abaixou na altura das coxas. A moça subiu sobre ele e se acomodando, começou a cavalgá-lo num ritmo alucinante.

Minutos depois, com a boca encaixada na dele, as línguas serpenteando como loucas, eles chegaram ao clímax. Evandro estava pingando de suor. A Gringa desceu de cima dele e foi até o isopor onde pegou uma garrafa de água. Já não se via praticamente nada na escuridão. A noite havia caído enquanto eles se amavam como dois animais.   Evandro vestiu a bermuda. Estava exausto. A gringa por sua vez foi até a varanda, e ficou olhando na direção do mar onde os últimos raios alaranjados davam lugar a um céu de cores lilás e azul.  As estrelas estavam aparecendo timidamente.

Evandro foi até a varanda e abraçando a moça por trás, beijou-lhe o ombro. Ela deitou a cabeça para trás e seus cabelos gelados encostaram no ombro de Evandro. Eles focaram ali, admirando a natureza, e sentindo fazendo parte dela.

Evandro saiu e foi até os fundos da casa. Ele pegou algumas madeiras e colocou no centro do quintal. Acendeu o fogo. Lentamente, a fogueira foi esquentando. A gringa vestiu a camiseta que estava no chão da varanda.  Evandro foi lá dentro, pegou outra camisa, seca. Ele trouxe pra ela.

-Avavaiott! – Ela disse, olhando para a roupa.  Parecia intrigada.

-É pra você trocar. Ele disse, apontando para a camisa.

A gringa não parecia interessada e devolveu a camisa seca.

-Tá bom, tá bom. Você é fã do Guns, mesmo né?

Evandro guardou a camisa. Buscou duas quentinhas e colocou perto do fogo. Ele se sentou e empurrou as embalagens de alumínio com um graveto para perto das chamas.  Eles ficaram ali, se aquecendo ao fogo,  enquanto a comida esquentava. A Gringa sentou-se ao lado dele, abraçando-se com ele. A roupa dela estava gelada, mas o calor do fogo ajudava.

Ela começou a beijá-lo no pescoço.

-Calma, moça, calma…- Ele riu.

Evandro puxou as duas embalagens  de comida. Ele estava faminto, mas a mulher nem sequer tocou na comida.

-Ué. Não vai  comer?

Ela empurrou o prato para longe. Não queria comer.

-Tudo bem. – Evandro disse, tampando a embalagem.

A gringa se  levantou e foi ate a beira do mato. Ficou olhando lá para dentro. Evandro apenas a observava de longe. A comida estava boa, apesar de ser a mesma coisa do almoço.

Evandro acabou de  comer, jogou  resto no saco de lixo. Foi até cozinha e pegou uma garrafa de água.

-Vem, vem. – Ele disse, observando a moça pela janela.

A gringa se aproximou. Evandro pegou o violão e começou a tocar melodias. Ela se sentou na beira do sofá como na noite anterior e ficou ouvindo ele tocar.

Ele tocou Mariage D´amour.

Enquanto ele tocava ela lhe sorriu maliciosamente. Então ela tirou a camisa do Guns N´Roses ficando inteiramente nua à luz do lampião. Evandro deixou o violão de lado e puxou a mulher para o quarto. Ali ele se deitou com ela na cama e abraçou a gringa. Novamente, eles se amaram, enquanto as ondas se chocavam nas rochas, arrancando gemidos no píer lá em baixo.

Os dois dormiram abraçados, mas Evandro acordou sozinho. Ele olhou pela casa e novamente a Gringa tinha desaparecido pela manhã.

Evandro foi até a porta da varanda e deu de cara com um enorme peixão deitado no piso da varanda, diante dele.  Era um badejo de pelo menos uns quatro quilos.

Evandro ficou ali parado olhando o peixe.

-Mas… Que porra é essa?

Ele apertou os olhos para ter certeza que não estava sonhando. Não estava. Era um peixão mesmo.

“Como esse treco veio parar aqui? Será que a gringa pescou?” – Ele se indagou, intrigado.

 

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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