Gringa – Parte 14

Alex acordou na cama. Não havia nenhum sinal da Gringa. Ele se levantou devagar. Talvez ela estivesse na sala.
Alex não achou a gringa nem na sala, no banheiro, varanda, em lugar nenhum. Ele voltou ao quarto e vestiu suas roupas. Olhou as horas no relógio dourado. Já passava das oito e meia da manhã. Aquilo era estranho. Manel sempre chegava antes das sete.

Temendo que algo de ruim pudesse ter ocorrido com Manel na travessia do barco, Alex pegou o celular e tentou ligar, mas o telefone estava sem sinal, como já era de costume.  Alex foi lá fora e deu uma olhada, não havia sinal da Gringa. Ele então resolveu chamar por ela.

-Gringaaaaa! Gringaaaaaaaaa…

Mas nada. Como resposta apenas o som do vento, as aves nos seus ninhos e a confusão de cigarras fazendo zoada na mata.

Alex deu de ombros. Foi até a casa, lavou o rosto, escovou os dentes e começou a preparar o café.  Voltou a pensar em Manel. Talvez ele tivesse também perdido a hora, por um bom motivo.

Sem nada para fazer, restava a Alex comer biscoitos com o café amargoso e folhear revistas velhas. Pegou aquela primeira que estava em cima do bolo no baú de vime. Era a revista de viagens sem capa. Ele ficou ali, olhando as matérias sobre viagens e novos trechos da Pan Am. As rotas chilenas pareciam uma ideia boa, pois a neve e o frio dos Andes contrastavam com o calor e o cheiro do mar naquela ilha. A ilha já estava começando a parecer uma estranha prisão. Alex tinha vontade de ver gente, carros, nunca imaginou que teria saudades de um engarrafamento e dos flanelinhas cariocas.
“O silêncio chega uma hora que começa a agoniar a gente…” – Pensou mastigando um pedaço do biscoito Champanhe.

Alex continuou a mexer na revista até que no meio dela, entre as folhas encontrou uma folha de caderno dobrada.

Ele desdobrou a folha com cuidado. Seria uma cartinha dos antigos moradores?

Era uma folha amarelada, de um caderno de espiral, cheia de pauta. Mas uma vez aberta, a folha revelou se tratar de um desenho da ilha. Era um tipo de planta esquemática, mostrando a ilha. Alex reconheceu pelo desenho do Píer, que parecia bastante preciso. O costão com as rochas na esquerda do píer, e uma linha sinuosa no interior da imagem ele reconheceu. Era a trilha de pedras que dava a volta na ilha.  Alex observou com atenção uma série de indicações na ilha. Ao redor, desenhado com lápis de cor uma serie de voltinhas indicando ser água. Parecia um desenho quase infantil.
Mas perto do centro da ilha, quase no canto superior esquerdo do mapa, havia uma cruz de malta desenhada. O que realmente chamava a atenção no desenho, era a única indicação escrita na folha, bem abaixo da cruz circulada: “Entrada para o tesouro”.

-Tesouro? Sério? Serio mesmo? – Alex sussurrou, olhando o papel envelhecido.

Talvez fosse alguma brincadeira das crianças da casa, mas o mapa parecia até bastante detalhado para uma criança. Ele notou o costão dos fundos da ilha, na direção do oceano, que mostrava em detalhes até as duas piscinas naturais.

Ele estava observando os detalhes no papel quando ouviu a inconfundível – e por que não dizer, – irritante buzina do barco de Manel, que ele tocava com insistência.

-Porra finalmente!

Alex dobrou o papel e colocou no bolso. Ele desceu pela trilha para receber os trabalhadores.

Lá em baixo, no Píer, Manel passava os itens para os garotos. Já sobre o Píer, que se balançava de um lado para outro açoitado pelas ondas, estava um carrinho de mão com três sacos de cimento dentro dele.
Miro e Wilson estavam tirando um monte de tábuas de madeira do barco, com a ajuda de um homem novo, ainda desconhecido.

-Ah! Bom dia!

-Bom dia Seu Alex. Paz de Deus! – Gritou Manel do Barco, enquanto passava madeiras para Miro sobre o Píer.

-Eu estava preocupado já.

-Ah, seu Manel, desculpa o atraso, mas é que a gente ficou lá no porto esperando o menino, o seu Evandro. Ele ia ter alta hoje, mas o médico não chegava. Foi demorando tanto que tivemos que vir. Ele ficou lá para ter alta com a minha senhora.

-Ah sim, é mesmo.

-E também tinha que carregar o barco com o material da obra. O resto o barco deve entregar hoje à tarde ainda. Já ta tudo combinado.

-Beleza. Bom dia, você é…

-Bom dia, senhor. Messias Rodriguez, ao seu dispor – Disse o homem negro desconhecido.

-Esse aí é o Messias que eu falei ontem. Bom pedreiro, muito experiente, seu Alex.

-Prazer, eu sou o Alex, o dono da ilha.

-Muito bonita, seu Alex. Parabéns. Linda ilha.

Messias era um homem parrudo. Sua constituição forte parecia contrastar com sua possível idade. Parecia ter quase setenta anos, mas o corpo era de um estivador. Tal qual Manel, ele tinha poucos dentes, seu rosto era coberto de rugas, que testemunhavam uma vida dura sob o sol, mas parecia extremamente mais atlético.

-O senhor é lá de Minas Também?

-Não, não… Eu sou nascido e criado aqui. Meu pai e meu avô moravam aqui também, pros lados de Paraty.

-Então o senhor é um legítimo Caiçara.

-Sim senhor! Puro sangue. – Ele riu.

Os homens subiram com as coisas. Os meninos carregavam um saco de cimento na cabeça cada um e se equilibravam na precária via de subida para a casa.

-Difícil a subida aqui hein? – Messias estava tentando subir o carrinho de mão na frente, engastalhando e tudo quanto era buraco na trilha.

-A gente deve começar a fazer as caixarias da escada hoje. – Disse Miro.

Eles chegaram na casa e deixaram os materiais no quintal ao lado da varanda.

-Ufa!

-Nossa, já ta um calor dos diabos.

-Hoje vai ser quente. – Reclamou Wilson olhando para o sol que brilhava solitário num céu imaculado e azul, sem nuvens. .

-Vou pegar uma água pra nós e fazer um café. – Alex entrou pela sala adentro.

-Não, não precisa. A gente já tomou enquanto estavam carregando o barco lá no porto. – Manel disse.

-Ah, não vai me fazer desfeita não, seu Manel. – Alex, Pegou a canequinha e foi ligando o fogareiro de propano.

Wilson colocou o pequeno isopor na varanda.

-Que isso aí? Mais gelo? – Perguntou Alex, vendo o objeto.

-Ah… É o seguinte, a gente estava lá no porto esperando e o seu Manel teve a ideia da gente trazer umas quentinhas para o almoço. Trouxemos pro senhor. – Disse Miro, abrindo a tampa. Dentro do pequeno isopor estavam varias marmitas de alumínio com tampa, empilhadas.

-Opa, boa ideia!

-Não sei se o senhor vai gostar, mas é da irmã da minha esposa. Ela faz umas quentinhas ó… – Disse o velho, apertando o lóbulo da orelha.

-Claro que eu vou gostar. Com certeza eu vou!

-Nessa aí tem feijão carregado, arroz de carreteiro, farofa, angu, salada e uma sobrecoxa de frango… – Disse Manel.

-Nossa! Já me deu água na boca. Eu estou sem saber o que é um feijão tem dias. Já ta dando ate desespero só comer churrasco, peixe e macarrão. – Alex falou, conforme ia servindo cada caneca com o café.

Os meninos não quiseram café. Beberam, apenas água. Logo, todos seguiriam para as suas tarefas.

Alex, Manel e Messias foram até a área da cisterna. Ali Manel explicou a Messias cada um dos elementos que estavam construindo. Messias examinou com cuidado as placas de concreto do inicio da cisterna.

-Ainda estão boas. – Ele disse, batendo com o martelo de leve em cada uma e escutando o som.

Alex deixou Messias e Manel cavando os espaços das caixas de passagem.

Ele foi até lá em baixo, na trilha, onde os dois jovens já começavam o trabalho duro de recauchutar a trilha.  Miro estava fazendo a limpeza, enquanto Wilson ia percorrendo a trilha com pedras. Ele estava catando seixos e pedras marroadas que encontrava pelo lugar. Ia fazendo um grande monte no início da trilha.  As madeiras estavam todas empilhadas num enorme monte lá na base de pedra, perto do píer.

-Posso ajudar no que? – Alex perguntou aos meninos.

-O senhor pode ajudar o Wilson a pegar mais pedras. A gente vai precisar de pedras médias e grandes, para ajudar a assentar a escada.

Alex desceu pela trilha e começou a recolher pedras lá em baixo.  Eram muitas pedras espalhadas por todos os lados.

Enquanto catava as pedras, Wilson contou a Alex que elas provavelmente eram da escada que havia antes na ilha, e que acabou se desmanchando com alguma tempestade.
-Antigamente, eles colocavam as pedras e apenas fixavam com lama e uma madeirinha. Aí com o tempo, a madeira apodrece, e quando vem a enxurrada, arrebenta tudo. Aposto que tem uma montanha enorme de pedras ali perto do píer.

-Tem mesmo! – Alex confirmou.

-Por isso que ta tão raso.  – Explicou o garoto.

Fazia muito sentido. Os meninos eram espertos. O trabalho continuou.

Miro desceu com o serrote e começou a cortar as tábuas.  Lá em cima Wilson e Alex estavam juntando as pedras ainda.

Então Messias desceu pela trilha para dar uma olhada.

-Muito bom, muito bom. Miro, pega a picareta, e você, a enxada. A gente vai fazer o seguinte, ó… – Disse o pedreiro, apontando o solo. Ele pegou um carretel de nylon e com um martelo, foi enfiando pequenas estacas no chão.

-Aqui é um platô. Não vamos fazer uma “Escadaria da Conceição” não. A gente quebra essa subida com um platô  aqui e outro três metros ali em cima.

-Mas por que, seu Messias?  Não é mais fácil meter logo uma escada grande e pronto? – Questionou Wilson.

-Não, não. Quer dizer, mais fácil é, mas observa só, rapaz. O decaimento aqui é muito íngreme. Quando chove a água pega muita força. A gente vai montar um platô e uma escada reversa aqui descendo  para o outro lado. O platô vai dar caimento pra cá e o outro ali da caimento pra lá. Assim a gente quebra essa força de descida da água, porque aqui quando entra a época de chuva, o volume é violento!

-Ô se é.  -Concordou Alex, impressionado com a experiência de Messias.

Então é isso. Mete bronca aí.  Vocês vão colocar primeiro pedra em tudo. Começa pelo platô um, depois pelo platô dois. Aí me chama que eu vou ajudar a preparar a montagem da escada. – Ele disse.

Alex continuou a buscar pedras pelo mato.  Miro e Wilson desferiam violentos golpes de picareta, abrindo um corte na terra para formar o platô.

Horas, depois eles estavam  colocando as placas de madeira, formando a caixa para encher os platôs com as pedras.
Alex pegou o carrinho de mão e encheu com elas. A escada estava começando a ganhar uma forma reconhecível.

Alex espalhou as pedras pela caixa, organizando como num quebra-cabeças. Depois, Miro e Wilson pegaram a terra e espalharam por cima, trazendo o socador para compactar.

Alex de vez em quando parava o trabalho, ia na casa, pegava água e levava para eles.  Depois enchia as garrafas vazias com a água do galão. O calor subia muito rápido. A temperatura parecia bater nos quarenta graus. Todo mundo estava sem camisa, de boné e chapéus de palha. Suavam em bicas. As garrafas de água mal chegavam nos canteiros e eram esvaziadas.

Alex foi até Messias que estava enchendo a primeira caixa de concreto lá em cima.

-Nossa, vocês estão muito rápidos! – Ele disse, impressionado.

-A gente tem experiência, seu Alex. Isso aqui pro Messias é café pequeno, né Messias? – Perguntou Manel.

O homem apenas balançou a cabeça positivamente conforme martelava a madeira.

-Bom, eu vou lá na trilha ver como está ficando a escadaria. – Disse Alex, meio sem saber como ajudar. Todos pareciam completamente engajados e focados nas tarefas. Alex pensou que a fama de preguiçosos dos caiçaras que chegou a ouvir de um cara no porto, era pura lenda, tão inventada quanto as histórias de fantasmas.

Ao chegar na escada, os garotos estavam conversando animadamente, enchendo de concreto o segundo platô. O primeiro estava finalizado.  Alex olhou as horas. Meio dia e vinte.

Ele percebeu que se não desse a ordem do almoço, todo mundo ia seguir trabalhando sem parar.

-Galera…. Almoço! Almoço! – Ele disse, apontando o relógio.

Os garotos disseram que já iam, estavam só terminando de encher a caixa de concreto, pois uma vez misturado ele não podia ficar parado. Ainda mais no calor.

Alex subiu para chamar Manel e Messias.

-Bora almoçar!

-Opa! Bora!  – Disse Messias, jogando o martelo no chão.

Eles desceram e chegaram na casa.
Seu Messias se lavou no galão, enquanto os garotos estavam subindo pela trilha.

Alex foi até o fogão a lenha e acendeu uma pequena chama. Eles colocaram as marmitas sobre o fogo para esquentar.

-Sabe, seu Alex, na obra a gente costuma fabricar um fogareiro com uma latinha. É bem mais rápido.

-Tá com pressa? Pra trabalhar? – Alex perguntou, abanando o fogo que crescia entre as folhas secas e galhos.

-Pressa pra cumê! – Disse Manel, já sentando na banqueta com o chapéu no colo.

-Eu, por mim, comia era frio mermo. – Disse Miro.

Todos riram.

-O sinhô vai . Essa comida aqui até fria vale à pena, seu Alex.

-Não vejo a hora. Mas quentinha é outro lance. – Alex estava sentindo a temperatura subir pela grelha, com a palma da mão. O fogo estava aumentando.

-Por isso que chama quentinha, uai. Se fosse para comer fria, chamava “friinha”. – Riu Manel.

Todos caíram na gargalhada.

Minutos depois, a comida estava quente. O aroma se espalhou no ar quando eles abriram as tampas das quentinhas.

-Nossa, que delícia esse feijão, meu Deus. – Disse Alex em êxtase.

-Comida de verdade, seu Alex. Feita com Amor. – Riu Miro.

-Quem não aguentar mais o amor pode passar pra mim que eu traço todo amor que sobrar. – Disse Messias, com a quentinha quase vazia. Ele tinha comido um prato em poucos minutos, como uma draga.

Sob a sombra das árvores, eles ficaram comendo e conversando sobre as obras.

Miro perguntou a Messias quanto tempo ele estimava para a escada do píer ficar pronta.

-A obra totalmente pronta, seca, só depois que o concreto azular.

-Azular?

-Sim, o concreto fica azul. O senhor nunca reparou seu Alex? Mas antes disso, bem antes, fica usável, mas a cura completa leva umas duas semanas.

-Mas pode passar na escada?

-Tranquilamente.

-Ah, então tá bom.

-O que ajudou foi esse monte de pedras lá em baixo, que estavam à mão. Muita coisa foi parar na água com o tempo. – Disse Wilson. – Se a gente tivesse que ir quebrar pedra, para depois, carregar… Aí ia demorar.

-Ah sim, com certeza. Você tinha dito que veio aqui quando criança não foi?

-Ah, besteira, esquece isso… – Disse Manel, visivelmente incomodado.

Os meninos olharam de lado, não sabiam se falavam ou não.

-Tinha sim, uma escada de pedras lá. Essa que desmanchou, não foi?

-Foi sim senhor.

-E o que você veio fazer aqui na ilha? Você conheceu os moradores? A familia que comprou a ilha?

-Eu não me lembro direito, porque eu era pequeno. – Disse Wilson

Manel se levantou e foi até  uma arvore nas proximidades fazer xixi.

-Ele não gosta que fale porque a gente veio com o ex-namorado da minha mãe.

-Ahhh… Entendi – Disse Alex. – Mas o que ele vinha afazer aqui? Ele era barqueiro?

-Não, ele era garimpeiro.

-Garimpeiro?

-Isso. Ele veio aqui procurar um tesouro.

-Tesouro? Você disse tesouro?

-Isso mesmo, Seu Alex. – Miro confirmou.

Eles diziam que tinha um tesouro dos padres aqui.

-Tudo invenção, é claro. – Disse Messias, cortando Miro.

-Mas pera. Como que é essa história?

Manel voltou da árvore fechando a bermuda. -O povo inventa mil histórias, seu Alex. Esses dois aí ó… Acreditam até nos fantasmas aqui da ilha.

Mas pera… Eu gosto dessas histórias, porque sabe, eu estou fazendo esse hotel aqui e eu quero essas histórias para contar para os visitantes. è claro que eu não vou acreditar, mas eu preciso saber delas para dar um tchã na ilha.

-Então conta aí pra ele, Miro! – Disse Manel, acendendo o Derby.

-O ex namorado da minha mãe…

-Aquele filho da puta…

-Posso contar ou não, tio?

-Vai, vai.

-O ex namorado da minha mãe era garimpeiro e o dono da ilha aqui contratou ele para vir aqui procurar o tesouro. A história que se contava era o seguinte. Muitos anos atrás, no tempo dos escravos os padres Jesuítas saíram de barco lá de São Sebastião. Eles iam com barco a vela e remo, para essas ilhas todas aí. Ainda não havia estradas boas para a capital. Então eles viajavam muito de barco. Mas o que contam é que começou a aparecer uns piratas da França por aqui. Esses piratas eram terríveis, e numa dessas viagens dos Jesuítas, eles viram o navio dos piratas que vinha atras deles. Eles então rumaram para mar aberto e vieram a dar na ilha da ganchada.

-Ah… Que louco isso. E aí?

Eles desceram nessa ilha e esconderam o tesouro.  Mas os piratas chegaram na ilha e mataram os jesuítas, que não quiseram revelar os segredos. Cada padre foi morto e pendurado num gancho ao redor da ilha, ate desmanchar e sumir. Por isso o nome da ilha. “Ganchada”.

Ah… Faz sentido. Porra que trágico.

-Mas aí é essa história que é tudo invenção.

-Eu já não acredito na história do pirata ou padre nenhum vindo aqui… Mas acredito piamente no tesouro. – Disse Messias.

-Hã?

-Essa história se conta desde que meu avô era criança. Essa aqui é a ilha da Rainha do Mar.  O tesouro é dela.

-Rainha do mar?

-Hahahaha. Olha aí. Nem bebeu Paraty ainda já começou a contar mentiras. – Disse Manel. – Esse negócio aí não existe. Só existe nosso Senhor Deus!

-Claro que existe, porra! Eu mesmo vi! A Rainha do mar apareceu pra mim quando eu tinha dezenove anos… – Disse Messias, seriamente.

-Ah, lá vem ele. Lá vem ele! -Manel tragou o cigarro, e soltou a fumaça no ar, sorrindo.

Os meninos riram,  interessados no que Messias tinha para contar.

-Conta, conta! Como foi?

-O tio de vocês não acredita, porque ele é evangélico e evangélico é assim mesmo. Mas é verdade e eu mesmo não sei explicar. Mas eu vou contar. Há muitos anos atrás, cerca de 40 anos, eu e mais dois companheiros saímos à tarde da boca do Rio Itanhaém para pescar em alto-mar. A tarde estava linda, o mar tava bem calmo, e as nuvens demonstravam um tempo bom naquele princípio de noite. Remamos mais ou menos umas duas léguas da praia, e me lembro bem. Deu um brilho branco no meio da água. Um brilho que parecia ser um fogo branco que ardia a vista. Igual que uma solda. Então desse brilho eu vi…  Apareceu para nós, sobre a água, a Rainha do Mar, dizendo-nos para irmos embora porque naquele dia não ia ter peixe.

-Nossa! E como que ela era? – Perguntou Alex, interessado no “causo”.

-Recordo com clareza que era uma mulher linda, e vestia um vestido todo branco e tinha os cabelos negros, lisos e compridos. Ela era muito pálida, igual que um fantasma. Ela me olhou com aqueles olhão vidrado. Depois da mensagem, ela desapareceu. Ficamos meio assustados, mas depois sentimos uma grande coragem e remamos de volta para a praia, sem iniciar a nossa pescaria. Ao entrarmos no Rio Itanhaém, desabou um tremendo chuva, com fortes ventos vindo do mar, porém ficamos em total segurança à beira do rio. Até hoje, chego a pensar que aquela visão foi que salvou nossas vidas da morte certa.

-Sensacional.

-E foi verdade mesmo. Pode acreditar.

-Eu só acredito se tiver escrito na Bíblia! – Disse Manel, se levantando e colocando o chapéu de palha.  – Vamos pro serviço, ô contador de causos e lendas?

-Evangélico, aí. Ele acha que eu tô falando da Iemanjá. – Disse Messias, colocando também seu chapéu e apontando o dedo para Manel.

Vamo, vamos nessa.  – Eles disseram.

Alex seguiu com os garotos para a confecção dos platôs. Conforme andava ia pensando na história do tesouro. Agora o mapa começava a fazer sentido.

Alex pegou uma enxada e começou a puxar a terra para construir os primeiros degraus conectando os platôs. Miro e Wilson ajudavam colocando as pedras e montando as caixas, seguindo as marcações de estacas deixadas por Messias.

Eles iam trabalhando quietos, focados. Alex estava morrendo de sono e queria deitar para dar um cochilo, mas como todos estavam tão focados, ele não queria parecer encostado. Nunca gostou. “Se o playboy tivesse aqui ia estar lá em cima dormindo e tocando o violão” – Pensou, limpando o suor que escorria da testa.

Ele agora só pensava nessa ideia do tesouro. Se a ilha tivesse realmente um tesouro era um “plus”. O tesouro abria todo um novo leque de possibilidades. Uma delas é que se fosse pouco ouro ele serviria como notícia para atrair clientes para a pousada-resort-ambiental. Se fosse muito, representaria um ganho exponencial inesperado, que ele não pretendia dividir com ninguém, nem com Evandro.

“Tesouro é de quem achar” – Pensou, enquanto puxava pedras e terra com a ferramenta.

Ele estava lentamente traçando um plano. Sua ideia era ir atrás do tesouro tão logo voltasse a estar sozinho na ilha.

Messias chegou para ver o andamento da escada. Parabenizou os meninos.

-Muito bom, muito bom! – Ele disse, verificando a concretagem dos platôs.

-Eu vou ali em baixo começar a cortar as placas para fazer as caixarias dos degraus. Vocês enquanto isso, vão juntando o máximo de pedras que puderem.  Hoje, vamos montar os primeiros seis degraus da parte baixa. Aí amanhã a gente monta a caixaria dos degraus pro segundo platô. – Disse, pegando o martelo no cinturão.

Alex desceu com Messias, para o platô de pedra lá em baixo no píer. O homem pegou o serrote e começou a cortar as madeiras. E ia traçando com o lápis as linhas de corte nas tábuas, e depois guardava o lápis sobre a orelha. Alex percebeu a incrível habilidade com o qual Messias cortava as madeiras. Ele não tinha planta, nem desenho, nem nada,. Fazia tudo de olho, e quase nunca usava o metro. Eram décadas de experiência na marcenaria construtiva. A serra deslizava nas tábuas como se elas fossem de manteiga.

Alex enquanto isso ia pelo costão, recolhendo pedras e mais pedras. Juntando blocos e rochas assimétricas e outras polidas por décadas de impacto das marés.

Então, ao remover uma pedra que estava afundada no solo, Alex percebeu algo brilhando. Ele cavou com cuidado e ali encontrou um crucifixo antigo de prata. Era bem feito, estava repleto de lama. Alex lavou numa pequena poça de água salgada do costão. Pequeninos caranguejos corriam pela pedra de um lado para outro quando ele viu o barro se espalhar e da agua brotar uma pequena joia de três centímetros de prata pura.

Alex imediatamente concluiu que aqui só poderia ser mesmo uma prova do lance dos padres jesuítas.

-Tudo bem aí seu Alex? – Gritou Messias, lá perto do píer.

-Sim, sim, estava só vendo se eu cortei o dedo na pedra. – Disse Alex, disfarçando. Ele tratou de guardar o crucifixo no bolso.

-Ah tem que ter cuidado, seu Alex. Tem pedra afiada mesmo aí!

O fim do dia se aproximava.

Na escadaria os meninos davam duro. Quem surgiu para ajudá-los era Manel, que já havia terminado de encher as caixas de passagem.  Agora eles pegavam firme, num enorme mutirão para fazer os degraus. Messias mandava as madeiras cortadas no tamanho certo dos degraus. Wilson posicionava os degraus seguindo as estacas de marcação enquanto Manel e Miro colocavam pedras e terra, alternadamente até metade da caixa. Esse material era então socado com o “socador”, uma ferramenta que consistia de um cabo finalizando numa lata de leite cheia de cimento. Eles iam batendo essa coisa em cada degrau, compactando as pedras e terras num volume bem duro.  Depois, uma mistura de concreto era preparada e colocada para acabar de encher cada degrau. Isso economizava bastante material.

Logo, os primeiros degraus estavam concluídos e a escada parecia perfeita.

-Tá ficando Show! – Disse Alex admirando a obra.

-Bom, por hoje chega. Vamos lá tomar um café? – Perguntou Messias.

-Só se for agora! – Disse Alex, pegando o caminho da trilha de serviço, paralela a escadaria.

Alex preparou o café na canequinha.  Manel e Messias se lavavam com a água do galão da varanda.

-Finalmente o calorão ta baixando.

-Hoje foi brabo. A gente ta ralando ali e vendo esse mar lindo… Que vontade de dar um mergulho. – Disse Miro.

Messias pegou a caneca dele e soprou para esfriar.

Manel acendeu mais um cigarro. – Amanhã a gente finaliza a escada?

-Acho que sim… Pelo menos outro lance dos degraus hein?

-Manel?

-Que?

-O pessoal da loja não chegou com o material hein? – Alex tomou um gole do café quente.

-Pois é. Amanhã eu vou lá meter o esporro. Deixa comigo, seu Alex.

-Vocês deviam ter um esquema de dormir aqui na ilha. Pelo menos os dois meninos aí. – Disse Alex, apontando os garotos. – Ia ter mais espaço no barco para trazer as coisas.

-Se quiserem ficar, por mim beleza! – Disse Manel.

-Não, não.

-Nem a pau! Cê é louco? Nem morto. – Disse Wilson com os olhos arregalados.

-Tá vendo, seu Alex? Olha aí o cagaço!

-Mas que medo é esse, rapazes? Uns meninão forte desse jeito…

-Né medo não, seu Alex. Eu não consigo dormir sem ser na minha cama.

-É… Além do mais, a gente quer tomar um banho, e tem a namorada… Sabe como é. – Disse Miro, se justificando.

-Ah tá. Saquei.

O sol estava se pondo no horizonte.

-Acho que amanhã seu Evandro vem cum nóis. – Disse Manel, após tomar o resto de café da caneca.

-Bom, vamo nessa?

-Vamos. Vamos. – Eles disseram.

Todos desceram para o píer. Logo, estavam pulando para dentro do barco.

-Bom, até amanhã. vê se não chega tão tarde, hein Manel?

-Sim, senhor. É só o tempo de eu pegar o seu Evandro e meter o esporro lá na loja.

-Ah… Manel?

-Diz.

-Traz mais quentinha lá da sua cunhada!

-Sim senhor. Vou trazer!

-Pode cobrar do “garoto” lá.

-Sim senhor, fica com Deus. – Disse.

Todos estenderam os braços para o ar dando adeus. E lentamente o barquinho foi ganhando as ondas e ficando mais e mais longe até sumir na distância.

 

Alex ficou ali, olhando a água e a mata em volta, esperando a Gringa aparecer, mas ela não apareceu. A gringa tinha sumido.

Alex achou aquilo estranho. Subiu para a casa. Chegou no quintal e gritou por ela novamente.

-Gringaaaaaaa. Gringaaaaaaaa…

E nada.A gringa não apareceu.

Alex deu de ombros. Ficou ali, na varanda, fumando um cigarro e pensando na noite de sexo com a gringa. Foi uma noite inesquecível. Ele não conseguia parar de pensar no cheiro dela, da maciez de sua pele e da maneira suave com o qual eles haviam feito amor e depois dormiram, juntos, abraçados. Alex não parava de pensar e encontrar a mulher para dormirem juntos outra vez.

Ele resolveu preparar a fogueira para a noite. Organizou galhos de madeira em um padrão de cabana sobre o leito de cinzas da fogueira anterior. Jogou um monte de folhas secas do terreiro por dentro do arranjo de troncos, mas não acendeu o fogo. A noite estava chegando e ele queria desfrutar um pouco da escuridão. Precisava pensar.  Sentou  na beira da varanda, acabou de fumar o cigarro. Observou o céu. O degradê de cores ia do preto no zênite, perfurado por pontos de estrelas, ao azul claro perto do horizonte na direção do mar. O ventinho da tarde estava fresco.

Alex foi ate a sala, pegou o lampião e acendeu. Levou para a varanda e ficou ali, olhando o mapa, curioso. Ele meteu a mão no bolso e tirou o crucifixo de prata. A joia brilhou sob a luz do lampião.

“Talvez eu possa ir até ali só para dar uma olhada”  – Pensou.

Alex calçou os tênis. Vestiu uma camisa. Sob o travesseiro ele pegou a a arma, colocou na cintura. Alcançou a mochila onde colocou água, o facão, pegou a  lanterna e partiu para dentro da mata, seguindo o caminho da trilha desenhado no mapa.

Alex andou bastante pela floresta da ilha, tentando se localizar pelo mapa. Na indicação no mapa ele podia ver claramente uma marcação que correspondia a localização das piscinas naturais no outro lado da ilha.
Ele Seguiu pela estrada, no caminho da esquerda, que levaria mais rapidamente ao outro lado. Quando ele achou que estava mais ou menos na curva correta do desenho, se meteu para dentro da mata mais fechada, seguindo por ali, tentando achar a direção do mapa.

Conforme andava, Alex ia pensando que talvez fosse uma loucura. Procurar tesouro de noite numa ilha cheia de cobras…  A mata parecia estar ficando mais e mais fechada conforme Alex avançava. Havia ali um morro de rocha oculto pela vegetação densa. Alex foi  buscando mais e mais o contorno do morro, abrindo a picada com o facão. Era difícil abrir a picada no escuro e segurar a lanterna.

“Uma bússola ia ajudar nessa hora” – Pensou.

Alex finalmente encontrou uma pedra “esquisita” no meio da mata.  Ela era grande, quase do tamanho dele. Mas o importante naquela pedra não era seu tamanho, mas sim o fato de que ela parecia ter sido esculpida.
Alex olhou de perto. O musgo e limo cresciam na pedra mas era perfeitamente visível um baixo relevo na superfície.  Alex iluminou lateralmente a rocha esverdeada e viu se formar uma linha claramente inorgânica.
A linha desenhava o que parecia ser uma Cruz de Malta.

Alex pegou a lanterna e consultou a bolinha com uma cruz onde indicava a “entrada para o tesouro”. Não era uma bolinha. Era a pedra! Subitamente ele viu uma cobra rastejar perto de seu pé. Alex pulou para trás assustado.

Ele olhou pela área vasculhando com o facho de luz da lanterna. Não parecia haver outras indicações, nem baús nem nada do tipo.
“o melhor é vir aqui de dia” – Pensou se arrepiando de medo de uma cobra o atacar. O susto com Evandro não pareceu nada agradável de se repetir.
Alex saiu da área, mas com uma forte certeza que quem quer que tivesse desenhado aquele mapa misterioso, havia tentado encontrar o tesouro dos Jesuítas.

“Não é uma lenda! Não é uma lenda”, ele disse, segurando firme a lanterna.

Ale voltou pelo caminho que tinha feito para chegar no lugar. Verificou as curvas do caminho da trilha no mapa.  Entre as árvores ele viu a luz da lua crescente brilhando fraco nas ondas lá em baixo. Alex saiu da trilha e passou pelas arvores. Ali estava o costão dos fundos da ilha. A pedra descia quase horizontalmente por um longo percurso, que quase desembocando no mar dava nas duas enormes piscinas naturais.
Alex forçou os olhos. Havia alguma coisa se mexendo ali.

– Um corpo – Ele se arrepiou ao perceber.

Alex correu sobre a pedra com a lanterna em punho. E ao iluminar na água, o corpo se mexeu, num pulo assustado.

-Meu Deus, Gringa! Você quase me matou de susto!  – Alex disse, apontando a lanterna para ela.

A Gringa estava nua dentro da lagoa e se protegia do facho de luz.

Alex desligou a lanterna.

-Desculpa.  – Ele disse.

-itfvff anansf tyuytro. – Ela respondeu.

Alex viu a mulher avançar por dentro da piscina natural em direção a ele. Ela o abraçou e começou a beijá-lo na boca selvagemente.

Alex tirou a camisa, e se despiu por completo. A gringa o puxava para dentro da piscina. Ele entrou na água morna.

Eles começaram a fazer amor na agua, iluminados pela fraca luz da lua crescente, que prateava a água com seus raios de luz.  Lá em baixo, a água que batia nas pedras abafava os gemidos de prazer da gringa.

Os dois ficaram ali, na beira da piscina natural, observando as estrelas.
Alex se levantou e vestiu as roupas. A gringa também saiu, e tateando pelas pedras pegou a camiseta de Evandro. Ela vestiu a camiseta.
Alex e a moça saíram, de mãos dadas na direção da casa. Alex iluminava o caminho com a lanterna. Alex percebeu que seu estômago estava roncando de fome. A atividade extenuante de carregar pedras morro acima, tinha consumido muita energia.
Eles chegaram na casa. Alex acendeu o lampião. Foi ate a cozinha e pegou os fósforos e a garrafa de álcool. Ele acendeu a fogueira usando um pouco de álcool.
Quando o fósforo aceso caiu sobre as folhas molhadas, o fogo fez “flewp” e acendeu, a gringa deu um grito e deu um pulo para trás, impressionada. Parecia estar diante da mais pura magia, e aquilo divertiu Alex, que começou a rir. A gringa fechou a cara,. Parecia ter ficado um pouco magoada dele estar rindo do susto dela.

-Você nunca viu alguém acender o fogo com álcool, guria?
A gringa ficou sentada no chão, olhando para ele com os olhos azuis arregalados. Ela estava toda molhada e tremendo de frio. Alex também sentia bastante frio com o vento da noite soprando no terreiro. Sem as arvores que forneciam proteção contra o vento que eventualmente soprava da costa, ele vinha com tudo.

Alex foi até a casa e pegou a carne de churrasco no isopor. Já tinha pouca carne, porque os meninos tinham comido muito, mas restavam duas linguiças e dois grossos bifes de contrafilé.
Ele temperou a carne com sal, depois foi até os fundos da casa onde estava a montanha de galhos para usar como lenha. Ali ele investigou a pilha até achar duas varas grandes de galhos retos da laranjeira. Alex pegou os galhos e os limpou com sua faca afiada. A gringa estava se aquecendo ao fogo, e de lá, olhava curiosa o que ele estava aprontando. Alex sentou-se na beira da varanda e começou a limpar as folhas dos galhos, e em, seguida fez uma ponta como de lança em cada um. Com esses galhos, ele atravessou na carne e nas linguiças.
Alex foi até a fogueira e cravou o espeto no chão com força.
A gringa estava agora com os olhos travados na carne, que pingava seu sumo vermelho no solo, diante do fogo.
-Esse é o famoso churrascão gaúcho, gringa. – Disse Alex, mostrando a carne enquanto movia no ar as mãos voltadas para o fogo, indicando o calor.

A gringa olhou para ele e tornou a olhar para a carne. Pela cara dela, Alex estimou que ela devia estar morrendo de fome. Alex imaginou que ela estava andando pela mata, se alimentando das frutas, como as mangas de uma enorme mangueira lá nos fundos da ilha. Mas a julgar pela expressão de fome da jovem, talvez a dieta de frutas não estivesse dando muito certo.

Eles ficaram ali juntos, esperando a carne assar. Alex abraçou a moça, que se aconchegou junto a ele, ainda tremendo de frio.
Alex e a gringa se beijaram. Ele passou a mão pelo cabelo dela, muito macio e úmido.
-Iuodftdg hada ananafudiit. – Ela sussurrou.

Alex não fazia ideia do que ela estava falando, mas ela estava acariciando seus cabelos curtos, e ele entendeu aquilo como um tipo de declaração romântica.
Ele se levantou e foi até a casa, pegar uma cerveja.O calor da fogueira já estava bem forte e começava a incomodar.  Ele estava impaciente e com fome, mas sabia que a carne ainda levaria pelo menos uns vinte minutos ou mais assando ao lado das chamas.

Ele foi na cozinha e abriu o isopor, para encontrar duas latinhas de Skol boiando na água de gelo. Ele pegou uma das latinhas. Alex pegou também uma das garrafas de água mais cheias e levou pra ela.

Ao sair na varanda ele se deparou com a gringa comendo com volúpia a carne, ainda praticamente crua.
-Ou, ou, ou! Peraí, gringa, peraí! Não ta pronta ainda não! – Ele gritou, correndo para impedi-la.

Mas ela deu as costas para ele, comendo e dilacerando a carne com sofreguidão.

-Puta merda… Olha aí.

Agora não havia mais quase nada de carne. A gringa tinha comido quase que tudo e sorria de uma maneira engraçada, que era um misto de quem foi pega numa travessura com um olhar quase maníaco.

Ela passou pra ele o espeto com o que restava da carne e pegou a garrafa. Ela virou a água na boca e foi bebendo sem parar.

Alex olhou para o resto de carne crua no espeto. Fincou na beira do fogo novamente. A gringa parecia saciada. Com o antebraço, ela limpou os cantos da boca.

-Minha garota selvagem! – Alex riu, com um certo misto de carinho e pena.

A Gringa era tão diferente da Maitê… Enquanto Maitê era uma mulher sofisticada, acostumada a um mundo cosmopolita e cheio de intrigas, a Gringa parecia mais uma menina, às vezes. Era um misto de pureza e inocência, com um toque de completa loucura.  Ele tomou vários goles na cerveja enquanto olhava pra ela.  A gringa estava entretida mexendo um graveto que tinha uma pequena brasa na ponta. Ela mexia o graveto no ar de um lado para o outro, observando o rastro de luz alaranjada que ele produzia. Parecia uma criança, feliz com aquela nova descoberta.

Alex sentiu vontade de fumar um cigarro, mas o maço estava lá na cozinha e ele resolveu deixar pra lá. A Gringa também havia se cansado de brincar com o graveto e o lançou ao fogo. A menina estava agora bocejando. Seus olhos piscavam devagar, olhando o fogo. Ela deitou-se sobre as pernas de Alex.
A carne estava demorando para ficar pronta. Alex pensou uma frase de sua infância: “o que não mata, engorda”.

Ele pegou o espeto e comeu a carne que ainda restava ali mal passada mesmo.
Gringa tinha dormido. Ela estava dormindo profundamente ali no colo dele. Alex ficou um tempo olhando para ela, iluminada pelas chamas do fogo. Ela era muito bonita. Uma das mulheres mais bonitas que ele já tinha visto. “Se essa menina não for uma modelo no país dela, talvez eu possa ajudar na carreira dela aqui.” – Pensou.

Com cuidado, Alex se levantou e pegou a Gringa no colo. Ela fez menção de acordar, mas apenas apertou os olhos, dormindo novamente em seguida.
Ele foi com ela para o quarto. Deitou a moça na cama. Com dificuldade conseguiu tirar a camisa ensopada dela, deixando-a sem roupas.
Alex também tirou as rupas dele e deitou-se nu ao lado dela. Sua mão percorreu o corpo macio da menina. Foi quando ele percebeu que ele não sentia nenhuma marca ou machucados que dias atrás ele tinha tratado. Alex se levantou e foi até a sala. Pegou o lampião e foi com ele até o quarto. Sob a luz alaranjada, a pele dela parecia brilhar. Alex examinou o corpo dela. Não havia marca ou cicatriz. Era como se a Gringa não tivesse sequer se arranhado.

Alex achou estranho, talvez ele estava se confundindo. Então ele empurrou a moça na cama e ela virou para o outro lado. Estava dormindo profundamente.
No outro lado do corpo não havia qualquer outra marca visível. Ela não tinha nenhuma estria, nenhuma celulite. Era um corpo estonteante e perfeito. Não havia nenhuma pinta, nenhuma marca de nascença, nem tatuagem.  Era muito curioso.  Uma coisa que intrigava Alex eram os pequenos pés dela. Eles eram macios como os de um bebê. As solas lisas não apresentavam calos ou partes duras. O calcanhar era incrivelmente macio, o que parecia impossível para alguém andando descalça pela ilha toda. Pelo menos algum machucadinho de andar pelas pedras ou furo de espinho tinha que ter. Era como se gringa andasse calçada sua vida toda.
Aquilo era muito intrigante.  Alex observou as unhas dela, que eram aparadas, mas como uma pessoa no mato tem unhas curtas e aparadas? As unhas das mãos também eram perfeitas e não pareciam crescer.
Alex desligou o lampião e tornou a deitar. Enquanto ela dormia, Alex traçava seus planos. Voltou a pensar no tesouro.

“Para os padres precisarem esconder numa ilha, é porque devia ser muito ouro”. – Pensou. Ele sabia que precisaria investigar com calma aquele negócio. O ideal mesmo era usar um detetor de metais. Mas encontrar esse tipo de equipamento, talvez só no Rio de Janeiro e isso com sorte. O mais garantido seria buscar isso em São Paulo.

Gradualmente, Alex começou a planejar uma viagem. Ele sabia que Evandro estaria chegando para tomar conta da ilha e das obras no dia seguinte.  Seu plano era pegar o barco do Manel no dia seguinte, quando os homens voltassem para o continente. Passaria a noite na vila e no dia seguinte seguiria de ônibus para São Paulo, em busca de algum lugar para comprar o equipamento.  O mais difícil seria inventar uma desculpa para abandonar a ilha. Mas isso ele daria um jeito. Ficou pensando em poder andar por um shopping center, comer uma pizza, ver gente… Ficou ali, deitado, sonhando com uma pizza de Calabresa  até que finalmente pegou no sono.

Ele acordou com o inconfundível barulho da buzina do barco. A Gringa deu um pulo na cama, e arregalou os olhos para Alex.

-Ighuittfcs?

-É o Barco. – Ele disse, esfregando o rosto.

-Ighuittfcs!Ighuittfcs! – Ela repetia aquele troço, que Alex não fazia a mínima ideia do que significava.
Ele se levantou e foi escovar os dentes.
A gringa estava na sala, andando pelada de um lado para o outro falando o tal “Ighuittfcs”.

Ela vestiu a camisa ainda úmida do Guns.

Alex colocou a canequinha de água no fogareiro para fazer café. Depois foi até o quarto, vestiu a roupa. Lá em baixo, a buzina tocava sem parar, avisando da chegada deles.

Quando ele saiu para a varanda, viu a gringa passar correndo pelo quintal.

-GRinga?

Ela passou correndo em disparada e entrou na mata, como fazia sempre que mais alguém chegava na ilha. Alex ficou pensando naquilo.

“Talvez ela esteja com medo de alguém vir procurar por ela… Por que será?”

Ele desceu pela pequena trilha ao lado da construção da escadaria na direção do píer. Enquanto descia ia pensando no fato da gringa ser tão arredia com estranhos.

“Talvez ela tenha sido traficada, talvez fosse algum tipo de escrava sexual que acabou sendo desovada como Suellen e suas amigas na ilha e esteja com medo de seus algozes voltarem”.

Lá em baixo, encontrou os homens já desembarcados, carregando vergalhões, mais madeiras e sacos com areia.
-Paz de Deus! – Disse Manel estendendo a mão para cima.

-…Dia!
Evandro estava subindo no píer, com a ajuda de Miro. Parecia bem mais magro e fraco agora. Ele tinha a perna direita ainda enfaixada.

-E aí, rapaz? Como você está? – Alex cumprimentou Evandro.

-Agora estou bem… – Ele disse. – Só um pouco enjoado por causa dos remédios.
-Você vai ficar bem. Vamos, vamos.

-Ajuda aqui, Manel! – Disse Messias, puxando umas tábuas do barco.

-E aí, Manel? Eles vão entregar as compras?

-De hoje não passa. Senão eu vou pessoalmente lá dar porrada neles, seu Alex.

Todos riram.

Subir com aquele monte de coisa foi difícil. A trilha de serviço, al lado de onde estavam edificando a escadaria, só permitia a subida em fila indiana.
Quando finalmente chegaram no quintal da casa, Evandro já foi perguntando.

-E a gringa?

-Ah… Tava demorando! Esse menino só fala na Gringa. Tá apaixonado. Xonaaaado! – Riu Manel, colocando a caixa de isopor das quentinhas sobre a grama.

Todos os peões começaram a rir, mas Evandro não achou graça. Muito menos Alex.

-Opa, foi mal. – Disse Manel, vendo que a brincadeira tinha pegado mal.  Ele tentou recuperar a situação constrangedora: – Hoje tem feijoada, macarrão e bife à milanesa!

-Opa, que beleza! Sobre a gringa, Ela… Ela tem vindo só de noite.  Aparece e some. – Respondeu Alex, enquanto servia o café nas canecas.

-Ela só aparece pra vocês. Eu tenho certeza que essa mulher é um fantasma! – Miro sentenciou.

-Que nada. Ela é gente e vive com fome e com muita sede. Ela bebe água que tem que ver pra crer! – Disse Alex.

-Sabe, cara, eu fiquei pensando sobre ela lá no hospital…

-Que novidade, só fala nela… – Disse Manel, pegando a caneca. – Desculpa, seu Evandro. Pode continuar.

-Eu tava pensando o seguinte: E se essa mulher for de outro planeta?

Todos estouraram numa gargalhada frenética. Manel cuspiu o café.

-É melhor voltar pro hospital que o senhor não tá bem não! – Disse Miro.

-Não, não. Peraí. Peraí. Eu acho mesmo isso. Lembra aquela foto?

-Foto?- Perguntou Alex, passando o pacote de biscoitos champanhe para os homens.

-A foto da coisa no mar. Da caixa.

-Ah, sim. Me lembro. O balão.

-E se não foi balão? E se aquilo ali é mesmo um disco voador?

-Ó… Nisso aí eu acredito hein?  – Disse Messias.

-Ah, tava demorando. Agora ele vai contar que foi pescar e o Et apareceu pra ele. – Falou Manel rindo com os poucos dentes que tinha.

-Não, mas eu nem sei se tem a ver. O pessoal conta que essas coisas aparecem.

-O povo fala um monte de merda. – Disse Manel. – Só o que existe é o que está na Bíblia, rapaz.

-Ah é? Peraí. – Disse Evandro. Ele foi até a cozinha, tirou o tapete e abriou a tampa do chão. Sob os olhares interessados dos homens junto a janela, ele viram Evandro tirar com dificuldade uma caixa de metal do chão. Evandro abriu a caixa sobre a mesa e foi lá fora mostrar as fotos.

-Olha… São eles. Eu lembro deles! – Disse Miro, olhando as fotos antigas.

-Mas a foto que importa é essa! – Falou Evandro puxando a ultima foto onde se via o estranho objeto luminoso sobre a água.

-Puta merda!

-Nossa.

-Olha isso. Como que não existe, Manel? Olha aí! – Messias estendeu a foto para Manel que nem quis olhar.

-Isso é enganação do inimigo, rapaz. O inimigo pode virar luz, pode virar até gente. Aliás, abre seu olho com essa mulher que aparece e some, que pode ser coisa do… – Ele disse, fazendo um chifre na testa com os dedos.

-Deus me livre! Valei-me minha nossa Senhora! – Wilson se benzeu.

Messias retomou o que estava contando.

-Olha, eu sei é que quando eu era garoto, passando dias na casa da vovó Nena, tinha uma praia lá perto de casa, em Itanhaém, no Camboriú, onde as bolas de luz saíam do mar. Todo mundo via. Acontecia sempre quinta feira de noite. Em noite de lua cheia. A bola de luz saía do mar e andava pela beira da praia toda. Tinha dia que era duas tinha dia que chegava a ter muitas mesmo. Pra mais de dez. Às vezes a gente ia lá ver e elas vinham atrás da gente, voando. Tentando pegar.

-E pegava? – Alex perguntou intrigado.

-Não. Ela vinha pra cima e a gente corria feito louco, porque ninguém queria ficar para ver o que ia acontecer. Era um bolão assim, ó. Muito luminoso! – Ele disse, fazendo com os braços no ar a largura de cerca de meio metro.

-Então, eu acho que ela pode ser de outro planeta. Vai que esse negócio da foto aí largou ela aqui? – Disse Evandro.

Alex riu daquela ideia. Aproveitou a oportunidade.

-Aqui. Falando na gringa, eu vou deixar você com ela ai. Fiz umas ligações essa noite e soube que minha tia anda doente. Eu vou ter que ir lá no Rio visitar ela. Hoje quando o Manel voltar eu volto com ele.

-Porra e eu vou ficar sozinho aqui?

-Ué. É só não ir chutar cobra de novo lá no mato, rapá.

-Mas eu posso ir lá contigo, cara. A gente fecha aqui tudo e eu vou lá com você.

-Não, não precisa. Além do mais você tem que descansar. Tu fica aqui na ilha, vai acompanhando as obras e recebendo o pessoal. Eu vou lá no Rio e aproveito e vejo o negocio dos arquitetos. A gente ficou de ir lá…

-Porra, mas isso que eu queria ir também.

-Caralho Evandro, deixa de ser cabeça dura, porra! Já falei, você fica de boa aqui, eu vou lá, combino as paradas, os caras não vão ter nada para mostrar. Eu vou contratar eles, ai eles vão vir aqui, vão pegar os mapas da Marinha, vão começar o projeto. Só aí chegará o dia de a gente ir lá ver o projeto. Além do mais, você sabe exatamente o que a gente vai fazer. São cabanas praticamente idênticas aos hotéis da Polinésia.

Os peões estavam ali, em silencio, sem graça, tomando o café e vendo os sócios brigando. Ninguém ousou se meter.

-Gente, a conversa ta boa mas o sol está esquentando, né? Eu já vou indo pro serviço.  – Disse Messias, colocando o chapéu de palha.
Os homens trataram de seguir Messias, que desceu pela trilha do Pier, mostrando aos garotos as atividades do dia.

Evandro sentou-se no sofá, meio irritado.

-Então beleza. Vai lá, visita sua tia e depois volta.  – Disse Evandro guardando o pequeno álbum de fotos na caixa de metal.

-Eu devo ficar fora só uns três dias. Esse negócio aqui é foda, maluco. Eu estou sonhando com pizza já.

-Imagino. Quando eu cheguei na vila, no primeiro dia que me liberaram para sair eu fui na praça e foi muito bom ver as crianças correndo e fazendo algazarra.

-Carro! Não vejo a hora de cheirar um monóxido de carbono! – Alex brincou.  – Bom, você tem que ficar de boa aqui. E outra coisa…

-O que?

-Vou precisar de uma graninha aí. Pode ser que tenha que comprar remédio pra tia…

-Sua tia não estava sem falar com você?

-Mas com doença, né? Deve estar grave. Minha prima Neide tá preocupada.

-Pega esses três mil dólares aí da caixa e leva contigo.

-Beleza!  Cara deixa eu te falar… Cuidado com a gringa. Ela aparece de noite. Ela roubou um dos facões e está andando por aí armada, cara.

-Armada? Ela?

-Sim, eu acho que ela pode ser perigosa. Fica longe. Ainda mais que tu não vai correr direito todo enfaixado assim.

-Tá, beleza. Mais algum medo para me fazer? Fala do fantasma aí também.

-Hahahaha. Não tem fantasma, pelo menos. Só essa maluca armada andando pelo mato. Bom, fica aí e descansa. Eu vou lá ajudar na escada.

-Eu acho que posso ir ajudar também.

-Não, porra, caralho! Você fica quieto aí na casa. Eu vou lá Você acabou de sair do hospital. Fica sossegado aí.  Pega a playboy pra ver.

-Deus me livre. Imagino você esses dias todos sozinho na ilha vendo essas mulheres peladas e engomando a revista.

Alex deu uma gargalhada e desceu para ver as escadas.

“Trouxa!” – Pensou.

Lá em baixo, os garotos seguiam montando os lances de degraus sobre o primeiro platô. Estavam trabalhando rápido e em silêncio.

-Será que a gente termina hoje?

-Pelo menos a concretagem acaba sim senhor.  – Falou Wilson, limpando o suor que pingava da ponta do nariz. – Tem que dar uns dois dias para firmar o concreto. Semana que vem a gente já tira as madeiras e podemos usar as escadas.

-Acho bom a gente depois botar um corrimão.

-De madeira, né seu Alex?

-Isso. De ferro, a maresia vai comer tudo rapidinho. Mas eu queria falar uma parada aqui com vocês.

-Sim senhor. – Disse Wilson.

Miro colocou a enxada de lado e cruzou os braços.

-Quero que vocês me ajudem aí com o garoto. – Disse, apontando lá pra casa.

-O que tem ele?

-Ele tá fraco se recuperando de quase morrer de mordida de cobra. Eu vou ter que viajar, e vou precisar que vocês deem um apoio aí pra ele, no que ele precisar. Ele que estará com o comando. O que precisar comprar, ele resolve tudo.

-Sim senhor.

-O bom era que um de vocês ficasse aí com ele.

Os rapazes se entreolharam precupados.

-Isso não vai dar, seu Alex.

-Eu pago dobrada a diária.

-Não vai rolar, seu Alex. – Disse Miro.

-Seu Alex, a gente não precisa dormir aqui com ele. A gente traz uma quentinha extra para ele jantar, e todo dia seis da manhã estamos chegando aqui.

-Tá, Tá… Tudo bem. Nâo queria que ele ficasse aqui sozinho à noite com a…

-A maluca?

-Pois é.

-Mas ela capaz de nem aparecer, seu Alex. Ela some, a gente mesmo estamos aqui todo dia, e ninguém viu ela ainda…

-Tudo bem, tudo bem. Vamos lá. O que eu posso fazer?

-Ah, me ajuda a ir socando a terra aqui ó. Com esses muques aí, o senhor vai socar rapidão! – Wilson passou o socador para Alex.

Alex se concentrou no serviço, batendo forte o socador na terra e pedras dos degraus.

Enquanto isso, na casa, Evandro agarrou o violão, tirou o instrumento de sua capa protetora com cuidado. Acariciou a madeira do tampo e começou a tocar alguns acordes. Ele estava com muita saudades de tocar o violão.

O calor foi aumentando conforme o sol se erguia no céu. Lá em baixo, a água maravilhosamente esverdeada era perturbada pelo salto dos peixes.

Evandro tocava uma musica de Dilermando Reis, quando Alex ensopado de suor, apareceu na janela.

-Oooopa! Bora rangar? Meio dia já!

-Já? Passou rápido.

Ele se levantou e caminhou mancando até lá fora, onde os homens estavam reunidos sob a sombra da amendoeira. Na chapa de metal do fogão à lenha, as quentinhas perfiladas brilhavam ao sol se aquecendo.

Alex distribuiu as garrafinhas de água entre os trabalhadores que discutiam futebol.

Evandro se aproximou e Manel se levantou passando a banqueta para o rapaz.

-Não precisa.

-Eu faço questão, seu Evandro. Senta aí. Eu sento aqui no chão mermo.  Ah, seu Alex, ói… As caixas lá já estão prontas. Agora vamos pegar firme para completar a cisterna!

-Que beleza. Depois vou lá ver.  Agora toma aqui sua quentinha. O sabor é sorteio!

-Comida muito boa hein? – Disse Evandro, coma boca cheia de macarronada.

Todos concordaram, comendo satisfeitos.

-Podia era ter um ovo estalado aqui… – Disse Miro, abrindo a quentinha dele.

-Hum… Eles vão trazer uma quentinha extra para você jantar toda noite. – Disse Alex. – Eu já combinei com os meninos.
-Ah, tá. Boa ideia.

-Deixa as coisas da despensa para usar em caso de algum imprevisto, tipo se o mar virar…

-Ah é. Tem que ter uma garantia, porque aqui o tempo vira assim, ó! – Manel estalou os dedos.

-Escutou isso?

-O que?

-Buzina. Estão buzinando lá em baixo! – Disse Miro, se levantando.

-Ah, deve ser a entrega. Miro, você que já almoçou, desce lá e vai recebendo o material.  – Falou Manel, juntando a comida no canto da marmita para comer.

Miro desceu correndo para a direção da trilha.

Os homens acabaram de comer. Evandro se levantou e foi pegar um saco plástico para recolher as marmitas e garfinhos plásticos.  O resto do grupo desceu e  chegando no píer viram o barco da entrega. Era uma embarcação grande, e os homens estavam descarregando vergalhões, grande quantidade de sacos de cimento, areia e pedras. Logo, a enorme rocha onde o píer avançava sobre as aguas estava tomada de materiais de construção. Tábuas, rolos de arames, sacos e mais sacos de areia e pedras, cimento empilhado e muitos tijolos…

-É material pra caramba. – Alex se espantou.

Vai dar trabalho subir isso tudo por essa trilhazinha aí. – Riu Manel, já pegando alguns sacos de areia.  – Vamo rapaziada! Vamos que vamos! Bora desgastar esse almoço!

Os homens passaram o resto da tarde subindo material. Era muita coisa. O sol desceu num mergulho em direção ao mar e eles seguiam subindo com vergalhões e os meninos carregando sacos de cimento nas costas como formiguinhas.

O material foi sendo empilhado perto da área das obras da cisterna, junto a lateral esquerda da casa.
– Seu Alex os sacos de cimento era bom a gente guardar lá dentro, porque se molhar isso aí,  perde tudo. – Disse Messias.

Alex concordou e indicou o caminho. Os rapazes foram empilhando os sacos de cimento pelo quarto.

Quando finalmente acabaram de subir todos os materiais, já era quase cinco horas da tarde.
-Já ta na nossa hora! – Falou Manel, enquanto chamava Alex para ver as caixas de passagem concluídas lá em cima. Alex foi até lá e viu o serviço. Eram construções de grande qualidade.

-Excelente.

-Eu falei que esse homi era pedra noventa! – Disse Manel, batendo no ombro de Messias.

-Agora a escada atrasou, hein? Essa entrega do material todo, acabou atrapalhando a concretagem dos degraus do segundo lance.  – Ele disse.

-Não se preocupem, amanhã vocês chegam aqui, os meninos continuam lá nos degraus de manhã e vocês pegam firme na cisterna.

-Sim senhor.

-Ó… Cuidem do garoto. Não deixem ele se meter no mato atras da moça porque ele periga ser mordido de novo.

-Sim, pode deixar, seu Alex. A gente fica de olho nele.

Alex e os dois veteranos das obras desceram para a casa. Ele foi arrumar a mochila.
Os peões tomaram como sempre faziam, um último golinho de café na varanda. Entre brincadeiras e piadas, começaram a se despedir.

-Seu Evandro, fica bem. Amanhã cedo a gente tá aí.
-Tranquilo. Boa viagem, Alex. Manda um abraço lá pra sua tia.  – Ele disse, cumprimentando o sócio.

-Se cuida, não fica andando pelo mato. Fica aí na casa. Não vai abusar, hein?

-Tá bom, “mamãe”.

Alex desceu com a mochila nas costas, seguido por Miro e Wilson. Seu Messias e Manel desceram por último. Eles embarcaram no barco. Manel acendeu mais um cigarro antes de ligar o motor de popa.

O motor estalou e começou a funcionar. Manel tirou a corda do píer e empurrou o barco com o pé para longe. Logo ele aceleraria o motor e o barco faria uma curva, pegando velocidade contra as pequenas ondas.

Alex ficou olhando para a ilha. De uma enormidade verde exuberante  ela gradualmente foi reduzindo de tamanho e ganhando contornos cada vez mais azuis.

Enquanto via a ilha se distanciando ao longe, Alex pensava em sua noite de prazeres com a gringa nas piscinas naturais do sul da ilha.

“Eu nem me despedi da minha maluquinha…” – Ele pensou.

Evandro agora estava sozinho na ilha. Ele foi até a varanda e viu lá de cima o barquinho com os homens sumindo à distância. A lua crescente no céu estava muito bonita, iluminando o mar escuro. Lá fora os  grilos, pererecas e animais da noite começavam sua sinfonia.

Evandro voltou para a sala onde acendeu o lampião, iluminando tudo de tons alaranjados.

Pegou o violão e começou a tocar “noite de lua” de Dilermando Reis.

Subitamente, a gringa apareceu na janela com os olhos arregalados na direção dele. Ela tinha um sorriso maníaco no rosto. Evandro se assusta com a visão.

-Uidadaffert! – ela disse.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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