Renato apontou o facho de luz para dentro do cômodo. Ali ele viu um corpo, quase mumificado sentado numa cadeira escura num canto do cômodo. A cama, ainda arrumada como estava há décadas atrás continua papéis e um prato de louça com alguma coisa indecifrável dentro.
-Que isso? Que isso? – Perguntava Dodó, aterrorizado com a visão.
-Deve ser o tal Venâncio.
-Então o que meu vô contava era verdade mesmo, sô! – Disse Dodó, se segurando na parede. Estava suando frio, mas a coisa ficou pior quando Renato fez menção de entrar pelo buraco no canto da porta.
-Não! Não, não vai não, seu Renato!
-Me solta, rapaz.
-Não quero ficar sozinho aqui não… – Disse o magrelo se agarrando ao Renato. Renato sorriu e puxou Dodó.
-Vem, vamos comigo.
Dodó e Renato esgueiraram-se pelo pequeno espaço aberto na porta. Renato ia na frente com a lanterna.
-Olha, ele estava trancado por dentro! – Disse, iluminando a chave enferrujada na fechadura.
-Sim… Minha vó dizia que ele se trancou no quarto depois de matar todo mundo e não houve ninguém que conseguiu tirar ele daí. Morreu aí dentro.
-Mas por que trancaram ele com aquelas tábuas na porta?
-Não sei… O povo sempre teve medo. Vai que ele sai, né? Onde, onde o senhor vai? Ah, não. Não mexe aí!
Renato foi até o defunto. Estava ressecado, sentado numa cadeira imponente, decorada com o couro escuro e os chifres do bode.
O morto estava vestindo um paletó surrado, que estava bastante apodrecido. As traças ja haviam feito a festa jo corpo. A cabeça caída para trás e a boca arreganhada num sorriso onde podia-se ver a dentadura, parcialmente descolada na boca.
-Vamos embora, seu Renato! Eu vou sonhar com isso aí! Cruz credo!
-Espera, Dodó. Espera. Deixa eu ver esses móveis aqui. – Disse Renato, vasculhando um a um os móveis do quarto. – Hummm. É tudo coisa de primeira.
Renato achou uma penteadeira com tampo de mármore e espelho de cristal. Sobre ela um antigo radio a válvula dos anos 30, coberto de poeira e acima dele, uma velha bola de baseball que Renato guardou no bolso do casaco para levar para a loja.
Dodó notou alguma coisa no chão, sob a cama.
-Veja! – Disse ele, apontando para a figura.
Renato abaixou-se e puxou a coisa. Era um santo enorme, em estilo barroco. Era todo de madeira, do século dezoito ou anterior. Estava quebrado, sem a cabeça.
-Temos que achar a cabeça desse santo. – Disse Renato.
Os dois começaram a fuçar pelo cômodo, procurando. Renato sabia que aquelo e santo inteiro e restaurado valeria uma enorme fortuna. Certamente era relíquia de família.
Dodó achou finalmente a cabeça do santo sobre o armário de madeira de lei. Ao puxar a cabeça do santo, derrubou umas coisas.
-Que isso? – Perguntou Renato, abaixando-se para pegar a pasta, cheia de buracos, comida por cupins. Ao remover do invólucro, Renato quase caiu para trás. Era uma escritura de fazenda.
-Rapaz, é a escritura da fazenda. Olha, tem dinheiro…
-Pena que essas notas não valem nada há anos. – Disse Dodó. – Nunca vi desse dinheiro na vida.
-Ele deve ter tirado tudo do cofre…. E se escondeu aqui.
-Coitado. Deve ter ficado maluco. – Dodó concluiu.
Renato pegou a cabeça do santo.
-Olha, é São João Batista… A Cabeça tem um pino de encaixe. – Disse ele, recolocando a cabeça do santo no lugar.
Então, os dois ouviram o som de passos. Era um som claro de passos vindo pelo corredor. Os cacos de telha estavam estalando sob os pés de alguém.
-Ouviu isso? – Perguntou renato, com os olhos arregalados.
Dodó engoliu em seco. Estava pálido.
-Tá vindo alguém!
Os dois se esconderam atrás da cama antiga. Eles podiam ouvir claramente os passos. Renato baixou o santo sob a cama. Pegou a lanterna e desligou a luz.
Ficaram na completa escuridão no quarto do morto. Só uma tênue luz entrava pelo corredor. Os dois custaram a se acostumar à aquela escuridão. Ainda ouviam os passos. Agora, pisando nas madeiras do corredor.
-Será que entrou alguém? Será que é o menino? – Sussurrou Renato.
Dodó apenas negava com a cabeça, se tremendo inteiro.
-É… O… Fantasma! – Ele gemeu, apontando o corpo, sentado recurvado na cadeira a poucos metros deles.
Renato não se aguentou. Ouvindo que os passos vinham na direção do quarto berrou a plenos pulmões:
-Quem está aí?
Os passos estancaram. Não houve resposta. Durante alguns minutos intermináveis eles esperaram que algo acontecesse, mas simplesmente nada aconteceu.
Dodó olhou para Renato com a expressão aterrorizada. Estava prestes a se mijar.
-Estamos armados! Vamos atirar! – Gritou Renato.
Não se ouviu nenhum barulho.
-Caralho, caralho, cara… – Gemia Dodó, enquanto socava a cabeça, com os olhos apertados.
Renato se levantou e foi com o Refletor. Dodó foi atrás, com a barra de ferro nas mãos.
-Quem está aí! Estamos te vendo aí, ô filho da puta! Eu vou atirar! Eu sou da polícia! – Gritou Renato.
Mas ninguém estava no corredor. Nem nos quartos ou na cozinha. A casa estava vazia.
-Como é possível? – Perguntou Dodó.
-Não sei. Tinha alguém aqui com a gente… Ele deve ter fugido. – Disse Renato, jogando o facho de luz pela cozinha.
-Será que tá no matagal?
-Pode ter se escondido lá quando eu disse que estávamos armados. – Sussurrou Renato.
-É… Eu me esconderia também!
Os dois foram lentamente até o lado de fora. A noite era escura e sem lua. O mato parecia uma massa amorfa escura, se mexendo com o vento. Só se ouvia o som dos grilos.
-Vamos embora daqui, seu Renato! Tem alguma coisa errada nesse lugar! – Disse Dodó.
-A gente não pode entrar nesse mato sem saber se o cabra está aí. E se ele dá uma facada na gente? Já pensou?
-Credo cruz!
Nisso, um enorme estrondo aconteceu dentro da casa.
-Mamãããããããe… Gemeu Dodó.
-Que porra foi essa?
-Ai meu deus do céu! Ai meu Deus! É ele, seu Renato. É ele. O morto levantou! – Dodó começou a gritar desesperado.
-Calma rapaz! Calma! A casa tá velha… Respira. Respira… Pra dentro, pra fora. Acalma aí! Isso… Deve ter desabado alguma coisa. Eu vou lá ver…
-Não, pelo amor de Deus, seu Renato. Não vai! Não vai que tem coisa lá… O Morto! O Morto, seu Renato!
-Shhhh. Calma. Fica aqui. Qualquer coisa eu grito e você foge, tudo bem? Fica aqui.
-Tudo… Tudo bem. – Disse Dodó, muito assutado, com os braços cruzados e quase se agachando em posição fetal.
Renato voltou com a lanterna numa mão e a barra de ferro na outra. Entrou pela cozinha, e olhou ao redor. Nada de anormal.
Ele foi entrando pela casa adentro. Entrar sozinho era duas vezes mais assustador do que a companhia do Dodó.
-Tem alguém aí? – Gritou Renato.
Não houve resposta.
Ele continuou a entrar, passo após passo, calculando cada movimento. Se a casa estivesse desabando mesmo era risco de vida se enfiar ali.
-Eta porra… Tá foda hein? – Disse quando sentiu ago a lhe roçar o pescoço. Devia ser uma teia de aranha. Sentindo calafrios percorrendo seu corpo, ele avançou até o fim do corredor onde a porta destruída estava entreaberta.
Renato iluminou o quarto e ficou estupefato. O armário escuro de mogno todo trabalhado havia sido lançado para o outro lado da cama. Estava de cabeça para baixo.
Aquilo o aterrorizou. A coisa ficou ainda mais estranha quando renato viu o corpo do velho venâncio que já não estava mais na cadeira, e sim espatifado pelo chão, aos pedaços. è como se alguma força descomunal estivesse se manifestando no cômodo.
-Puta… Que… O…. Pariu!
Renato reuniu toda a coragem que já não tinha e entrou no cômodo. Viu o que restava do santo barroco esmigalhado sob o armário.
Os papéis estavam jogados, espalhados, junto com as notas de dinheiro pelo chão. A maioria recobria a cabeça carcomida e mumificada do velho Venâncio.
Um dos papéis lhe chamou a atenção. Era uma folha em branco, com um endereço escrito… Renato abaixou-se e iluminou aquilo com a lanterna. Ali estava um nome de mulher e um endereço.
Assim que Renato pegou o papel, uma mão gelada agarrou seu ombro.
Renato deu um grito de horror.
-Calma, calma! – Era Dodó. Estava pálido. Assustado.
-Filho da puta! Ai caralho… Vou infartar. Puta merda. Que susto do cacete!
-Desculpa, seu renato, mas passou uma “coisa correndo lá fora, perto de mim”
-Uma coisa?
-Não sei o que era, tava na escuridão. Deve ter entrado no mato. Acho que veio da casa. Ele tava aqui dentro com o senhor.
-Dodó…
-Que?
-Quem é esse aí atrás de você?
-Uááááááááááááááá! – Berrou Dodó, olhando para trás.
CONTINUA
Philipe -_-‘ isso é hora pra bota o continua kkkk ?
eu ja tava todo arrepiado aqui ; \
Cara, você tem o dom de deixar as pessoas ansiosas para a próxima parte hein hahahahha
Esse conto está ficando cada vez melhor.
Philipe levando a gente pela mão por dentro dessa casa sinistra.
Respiração quase suspensa, pude sentir as teias de aranha no meu próprio pescoço!
Tá foda, ficando muito bom. Toca ficha!
Ansioso pelo capítulo 4, esse conto você tá caprichando mesmo na arte do medo.
Cara, até sonhei com essa história entre a parte II e parte III… Termina logo !!! hahahaahhaah.
Excelente história! Grande abraço.
Achei que era impossível superar a qualidade de “A caixa”, mas pelo andar da carruagem, você vai bater o recorde aqui! Que trabalho magnífico! Continue assim!
Duas palavras: magnificamente excelente!
Tua capacidade descritiva está no auge com essa história.
FIco feliz que esteja gostando.
Tô, sim!
E, ao ler, é como se eu visse tudo que está sendo descrito.