Sobrinho do Zeca

Fui dormir depois de ver novela ontem e isso resultou em sonhar que seria executado por bandidos armados num matagal. O sonho se chama “sobrinho do Zeca”:

Sobrinho do Zeca

Eu estava voltando do serviço de noite quando meu carro foi fechado por um outro carro. Dele, desceram dois bandidos armados e entraram no meu carro gritando:  – “Perdeu, vai,vai,vai!”

Fui tirado da direção na base do pescoção e jogado no banco de trás. Um dos bandidos pegou o volante e o outro entrou atrás, com uma arma na minha cabeça.
Eles pediram dinheiro e eu não tinha. O bandido de trás era o mais mau. Ficava falando pro que dirigia feito louco que era pra me executar e ficar com o carro.
Comecei a ver que tava efetivamente fodido quando o cara da direção concordou. O carro pegou uma estrada de terra. A coisa estava para acabar mal.

Conforme dirigia feito louco, o motorista começou a cantarolar “vida leva eu”.
E eu pensei, “morte não leva eu…”

Daí chegamos no matagal, me tiraram do carro e me mandaram ajoelhar no mato. Minha batata estava assando seriamente.
Nisso, o bandido pede minha carteira pra ficar com os cartões. Entreguei e nela ele viu a foto do meu filho.
-Teu filho? – Ele pergunta.
Eu digo que sim.
-Pena que ele vai ficar sem pai. -O cara engatilhou a arma.
Então eu digo:

– Bom, já que eu vou morrer, deixa só eu contar a história mais incrível que vocês já ouviram antes, só de como eu tive esse filho aí?

Um bandido olhou pro outro e riram.
– “Porra parceiro, todo mundo tem filho do mesmo jeito”.
-Aí que tá, brou. Não mesmo!

O marginal baixou a arma.

– Quando eu casei, achei que ia ter filho logo, mas levei treze anos pra conseguir ter esse menino aí. (ênfase no treze)
-Porra, treze vacilão?
-Treze!
-E aí? Conta logo, porra. –  O bandido mau tava querendo me desovar logo. E voltou a apontar o revólver.
-Eu e minha mulher tentamos de tudo, remédio, simpatia, mandinga… Até meu tio, Zeca Pagodinho pagou tratamento pra gente no exterior e nada. Mas aí então…

-Parou, parou, paroooou! Você disse “meu tio Zeca pagodinho?”

Eu não sabia de onde tinha tirado aquela cascata mas era o tudo ou nada, numa fração de segundos eu tinha me lembrado do motorista cantarolando “deixa vida me levar” e aquilo acho que me inspirou. Respondi como se não fosse importante:

-O Zeca é meu padrinho, na verdade ele é primo de segundo grau da minha mãe, mas cresci na casa da mãe dele, e eu sempre chamo ele de tio.
-Caraca que foda. – O bandido menos mau tava de olhos arregalados agora. Diante da reação, continuei:

-Sou nascido e criado lá em Xerém. Tu tem que ver os churrascão arrumado que o tio faz lá! Cheio de atriz da Globo, tá ligado? Outro dia deu mó merda lá, pq a Paolla Oliveira tomou umas e outras com meu tio e muito louca, quis entrar na piscina. Xerém faz um calor do caramba e a Paolla cismou que ia entrar, mas não tava de biquíni!  Aí tirou a roupa na frente de geral!
-Caraaaaaio maluco!
– Ficou de calcinha e sem sutiã brother. Pulou na piscina, e minha mulher tá como? Só me olhando seriona…. “Vai, olha pra ela! Vai!!!”
-Hahaha! Se tu olha a casa cai, filhão! – O bandido mau riu agitando a arma na mão.
-Eu só aqui, olho no cavaquinho: “Tio, passa a linguiça por favor”?
-Hahahaha – Porra sempre quis ir nos churrascos do Zeca… – Disse o outro bandido.
-Ué! Bora? Vocês são meus convidados, pô!

-Ah não mete essa, vacilão. – O bandido tinha a cara de quem havia dado a sorte da vida.
-Liga aí pra ele que eu quero falar com o Zeca! – O bandido mau me devolveu meu celular. Peguei tremendo. Agora deu ruim. Eu sabia que tinha me fodido, agora era o fim da linha. Talvez eu devesse assumir, o que garantiria uns buracos a mais na minha carcaça, mas…
-Cara tu não vê televisão não, né brou?
-Hã?
-Toda entrevista do meu tio ele repete: Ele não tem internet, não usa celular nem relógio! Todo mundo sabe, né? – Olhei pro outro bandido, era a cartada final.
-Porra (o bandido falou um nome, que não entendi, vamos chamar de Xibiu) Xibiu, acho que é verdade mesmo. Uma vez ele disse isso, na Ana Maria Braga… Daí virou pra mim e: -Conta mais dos churrascos pô. Com que é?

-Comida regada, mermão. Bebida dispensa comentários.  – Eles riem, fagueiros. Já se imaginam lá.  – Começa cedo e não tem hora de acabar!
-Assim que é bom!
-Dá dez e meia, por aí onze horas, a costela já ta no bafo pra ficar pronta três da tarde. Aí chegam os músicos e dali começa: Mariana Ximenes, Paolla Oliveira, Alessandra Negrini…
-Puta merda! Até ela?
-Meu brother, tu não tem noção!
-Sou maior fã do seu tio, cara. – O bandido me interrompe. (Nisso pensei, “como se precisasse dizer, otário”) o cara estava pronto para uma segunda camada de caô. Era minha deixa:

– … Sabe, uma parada legal do tio é que ele muitas vezes chama um convidado lá desconhecido… Tu mostra algum samba, uma letra pra ele, e se ele gostar, vc ganhou na loteria, rapá!
-Nuuuuu! Pode crer, ouvi falar mesmo!
-Dai que ele grava sua música, toca numa novela, e cá entre nós, os diretores todos são assim, ó com o tio! – Disse, esfregando os dedos. Os olhos do bandido menos mau brilhavam:
-Porra cara, eu sou compositor, tá ligado? Olha só.

O bandido abre a própria carteira e tira um papel todo amarfanhado e começa a cantarolar um sambinha.
Eu ali, de joelho no matagal, um bandido me apontando uma arma e o outro batucando um sambinha numa caixa de fósforos iluminados pelos faróis do carro. Quando o sambinha acabou, eu elogiei como convém a qualquer pessoa minimamente educada e já perto da hora derradeira.
-Gostou?
-Adorei, acho que vc tem um puta talento, meu querido. Outro dia meu tio tava igual doido tentando achar um sambinha bem assim tipo o seu “areia do maaaar, pode me encontraaaar…”. Era pra uma Minissérie da Globo. Globo play.
-Porra nem brinca!
-Se tu quiser eu boto esse papel na mão dele depois de amanhã lá em Xerém!
-Num fode.
-Aliás, acho melhor é a gente ir lá, nós três, daí a gente canta pro Zeca ouvir, tá ligado?
(Nós três cantamos, eu ainda de joelho no matagal da desova e o Xibiu me apontando a arma)
-“Areia do maaar, pode me encontraaaar, estou na praia pensando em vocêêê… Vem, meu bem querêêêê… Ô, areia, areia do maaaar, vem me encontrar, estoooou aqui meu amoooor, com Yemanjá, que caloooor…

Então combinamos de ir no churrasco do Zeca Pagodinho.

Eles me levantam, limpam a sujeira da minha calça, pedem desculpas. Agora somos melhores amigos. O bandido compositor me dá o telefone dele, marcamos no dia seguinte.
Eu digo pra eles que “nada é por acaso” e ainda conto como o amigo do meu tio, lá do Cacique de Ramos era também meio bandido, o Candeia.
-Aquele do “preciso me encontrar”? – Perguntou Xibiu.
-Esse mesmo! – O bandido compositor confirmou.
-Bandido é que sabe da arte de fazer música, meu brother! – Eu disse.

Eles estavam animados, me deixaram na porta de casa. E devolveram o carro e a carteira.

-Que isso? – Perguntei.
-Um dinheirinho. Tu não pode ficar andando assim sem dinheiro não, pô. Tá perigosa a cidade.

-Puts, valeu. Vcs não querem carona pra casa? Tem certeza?
-Tá de boa, a gente rouba um carro ali no posto. Beijo lá no molequinho.

-Então valeu, obrigado aí. Vamos ficar na torcida aí pra emplacar o samba da praia hein?
-Vai dar certo!
-Mentaliza que já deu!!!
-Vou falar pro tio chamar a Alessandra Negrini hein?
-Ooooopa!

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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