quarta-feira, dezembro 11, 2024

Pensamentos na fila

fila banco | Textos | aventura, Aventuras
Hoje eu tive que ir num monte de banco.

Isso significa que eu fiquei parado desperdiçando a única coisa que o pobre tem em igualdade com o rico, que é o tempo. Enquanto eu estava ali parado, pensando em como está caro viver (580 reais de IPVA, graças a duas taxas safadas embutidas do Detran… PQP!) comecei a pensar no valor democrático das filas.

Poucas coisas que ainda funcionam no Brasil são tão democráticas como uma simples fila. Ali estão o porteiro, a copeira, o advogado, o médico, e engenheiro, o encanador, trocentos mil anônimos, duas gostosas, seis velhas e finalmente, eu.

Claro que o fenômeno que ocorre sempre que eu vou ao banco se repetiu. O fenômeno é o seguinte: Quando eu vou ao banco, seja qual for o dia e o banco, seja qual for o serviço a ser feito, o cara da minha frente é um maluco.

Se ele não for, não tem erro, porque o maluco é o cara que vai ficar ali atrás de mim.

Então chegou um cara e eu notei que ele estava digamos, meio tenso. Olhando para os lados. Suando… Uma cara meio estranha. Cavanhaque, camisa social com aquelas bolotas de suor no sovaco (quem tem axila é mulher. Macho que é macho, tem é sovaco.)

O estresse do banco é muito ruim. A fila não anda. Pior quando são 32 caixas, mas só tem dois infelizes atendendo, e ainda por cima, de má vontade. O que dá na realidade, meio caixa, porque um é só pra idoso. O outro para a torcida do flamengo, mas como tá de má vontade, é duas vezes mais lerdo então vale por meio caixa.

Acho legal ter o caixa para idoso, grávidas e deficientes (não dá pra falar isso sem me lembrar de uma certa mancha no meu karma) mas aqui na minha cidade rola a maior sacanagem com isso. Tem umas velhas que trabalham indo em repartições e edifícios comerciais, pegando malote de contas e depósitos pra fazer, cobrando um real por conta. Isso significa que a velhinha chega no caixa e abre uma sacolinha onde tira o rascunho da Bíblia em boletos e contas.

Isso é fogo.

Outra coisa que me irrita é quando vão essas tiazonas que usam roupinha de mulher gostosa (tipo a Gretchen) e entram na fila dos idosos. Me dá raiva, porque no dia a dia, é cabelereiro, esteticista, plástica e o cacete a quatro para renegar a inexorável passagem do tempo. Mas no banco, quando a situação tá preta, ela faz questão de ignorar que pinta o cabelo e faz hidratação na pele, gasta mais de 300 mangos por mês com reme renew diretamente da Lancome e banca a vovó. Isso me dá raiva.

Mas aquele cara ali com aquele fone na orelha tava me deixando ainda mais tenso. Eu sei que vai acontecer alguma coisa bizarra. Não sei explicar como. è meio como o agente Smith percebia algum desequilíbrio na Matrix. Eu detecto e dali a poucos minutos acontece alguma merda. Sinceramente, eu pensei que o banco ia ser assaltado. Mentalmente eu simulei tudo o que eu teria que fazer caso aquele sujeito derretido de cavanhaque e dois metros de altura berrasse que: “É um Assalto!” no melhor estilo Tarantino.

Eu pensei sobre a minha sina com os malucos, fato que me levou a cursar a faculdade de Psicologia achando que eu ia ficar rico apenas dando cartãozinho nas filas de banco. Nem sequer havia terminado meu pensamento sobre a disciplina do professor Sérgio Sklar quando o erro da matrix que eu previ de fato ocorreu.

O sujeito cantou.

Sim, ele cantou. Não foi um “tralalá lá lááááááá” não. Nem um “Ô miiiiiila”… Essas coisas normais que todo mundo canta de tanto ouvir repetir no fim da novela.

O que ele cantou foi uma porra duma ópera, maluco. Não sei dizer exatamente como se deu aquilo, mas o que eu ouvi foi uma voz de trovão ecoar no meio da acústica área de atendimento. Eu tremi todo por dentro e fiquei feliz em constatar que ainda tenho o controle da minha bexiga.

Ok, talvez não fosse ópera e sim um hino de igreja.

Incrível, mas ali, atrás de mim, atraindo toda a atenção dos guardinhas que na mesma hora meteram logo a mão na metranca, assutando as velhas que levaram logo as mãos no peito e também o porteiro que quase se jogou no chão, estava o Pavarotti Brasileiro. Sim. Ali estava um legítimo tenor.

Quando todo mundo olhou pra ele com os olhos esbugalhados ele se tocou que havia soltado aquele inadvertido peido social. A musica, por incrível que pareça tem poderes sensacionais sobre os humanos e muitas vezes é impossível resistir a cantarolar, nem que seja só em mímica aquele trechinho. Comigo acontece isso com Thriller. Tudo bem que a minha vontade é dar logo um moonwalker e fazer a dança do zumbi. Mas quando isso é impossível, eu me limito a repetir em sincronia labial o refrão e aquele sensacional trechinho falado pelo Vincent Price, incluindo a gargalhada.

Falando na gargalhada do Thiller, um dia estava tocando isso no meu MP3 e eu estava sozinho no elevador. Estava indo pro trabalho todo de preto, quando não resisti e mandei aquela gargalhada satânica. Foi instantâneo. Eu mandei a gargalhada no último volume que minhas cordas vocais permitiram e o elevador parou. A porta abriu e o que eu vi foi uma velhinha de uns 90 anos com os olhos arregalados.

Sem graça, eu apenas falei: – “Desce”. E sorri pra ela. A velha ficou imóvel segurando com esta cara aqui: EEK a porta do elevador.

Eu sorri e repeti: “Desce!”

A velha mandou um – Cruz credo! – E bateu a porta do elevador na minha cara. Naturalmente, ela achou que eu era o ascensorista do inferno.

Mas voltando o lance do banco, dada a bizarrice da situação, eu notei que o Pavarotti estava com o fone na orelha e nem sequer notou que estava cantando um pouco alto o trecho – que provavelmente era o seu preferido – naquela ópera. As pessoas começaram a rir aquele riso nervoso de “Nossa, graças a Deus! Pensei que eu ia morrer!”

O cara cantou sem perceber. Não sei explicar como alguém canta um trecho de ópera sem perceber, mas pra falar a verdade, depois deste episódio eu notei que também canto a merda qualquer que esteja ouvindo quando o som do Mp3 está alto.

Isso pode ser um problema se você, como eu, não se contenta a apenas cantar o que está ouvindo como tende a imitar a porra da voz do cantor. Tudo vai bem se o cara é um Renato Russo, que de macho tinha pelo menos a voz, mas e quando o que você está ouvindo é uma coletânea de musicas dos anos 80 e o hit que estoura nos seus tímpanos é uma musica da Cindy Lauper? Puts,cara. Aposto que as pessoas que passam por mim na rua pensam que eu sou uma bichinha daquela que fala “cshicletcshe”…

Mas a culpa não é minha. Acontece que na minha mente, com graves e agudos, guitarra e batera, faz sentido imitar o cantor, mas para quem está do lado, isso é extremamente escroto e irritante, até porque eu desafino pra caramba, mas não faz a menor diferença, já que eu não escuto minha voz e sim a do Fredy Mercury ou a do cantor do momento. (Isso explica porque quando eu escuto “Who Want to live forever” ninguém senta do meu lado no ônibus, hehehehe)

Então, eu entendo o Pavarotti brasileiro.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Muito muito muito obrigada!! Eu estava mesmo precisando dar umas risadas!!!
    Tanto a do ascensorista quanto a do pavaroti foram muito boas!!
    Saudações Niteroienses…
    Abraços

  2. Poxa cara, não costumo ler textos relativamente longos em blogs, mas não sei porque me deu vontade de ler este, e não me arrependi! parabéns pelo post hilário. Me identifiquei com o Pavarotti, não por ser tenor, mas por cantar sem perceber as vezes! Valew!

  3. Philipe, por acaso você já viu o filme ” A Aura “, tem justamente essa situação que você colocou no post, tem um cara esperando na fila do banco e ele imagina que o cara de trás seja um assaltante , o filme é muito bom, mas tem um detalhe é argentino ! Mas deixando o preconceito de lado , os filmes argentinos em geral são muito melhores do que os nossos, é só assistir aos filmes ” Nove Rainhas” e ” O Filho da Noiva ” que você chegará a essa mesma conclusão .E a sua história está muito boa, você deveria ser roteirista de algum filme !!!

  4. [quote post=”1721″]você já viu o filme ” A Aura “, tem justamente essa situação que você colocou no post, tem um cara esperando na fila do banco e ele imagina que o cara de trás seja um assaltante , o filme é muito bom, mas tem um detalhe é argentino ! [/quote]

    Opa, não vi não. Vou ver se encontro pra assistir. São duas coisas que sempre fico pensando. Em banco, penso que vai ter um assalto. E na igreja penso que alguma senhora com cara de séria vai ficar possuída pelo diabo gritando feito uma pomba gira e vai começar a rasgar a roupa, num tremendo escândalo. Quando eu era pequeno confessei que pensava isso sempre na igreja e o padre me mandou rezar um monte de ave-maria, hahahaha. Mas não resolveu não. Penso nisso sempre que vou em igreja.

  5. “Tudo bem que a minha vontade é dar logo um moonwalker e fazer a dança do zumbi.”

    “Tudo vai bem se o cara é um Renato Russo, que de macho tinha pelo menos a voz, mas e quando o que você está ouvindo é uma coletânea de musicas dos anos 80 e o hit que estoura nos seus tímpanos é uma musica da Cindy Lauper? Puts,cara. Aposto que as pessoas que passam por mim na rua pensam que eu sou uma bichinha daquela que fala “cshicletcshe”…”

    “A velha mandou um – Cruz credo! – E bateu a porta do elevador na minha cara. Naturalmente, ela achou que eu era o ascensorista do inferno.”

    Esses talvez são um dos trechos mais engraçados que já li no MundoGump .. não canso de repetir King Kling, sou seu fã ..

    sasuahsauhashasua ..

    abraço cara ..

  6. Ei! tenho uma dúvida: -Não tem alguma norma ou lei que OBRIGA o banco a atender o cliente em dez ou quinze minutos, pois ninguém deveria perder tanto tempo na fila?
    Parece que quando se vai ao banco, eles escondem qualquer relógio que possa cair na vista de quem está mofando esperando ser atendido.

    Tempo é a única coisa na vida que se você perde, nunca mais recupera!

  7. Esse me lembrou um post seu, sobre namorar a distância e tals. Até porque eu sempre viajo pra Curitiba, dai o povo do aeroporto já me conhece haha :D Mas um dia eu tava ouvindo Beat it do michael tb, começei a cantar e nem percebia… e tipo, quando eu parei o povo tava tudo me encarando, ai os carinhas de trás pediram pra eu cantar outra KKK muito hilário, nem lembro mas dps, continuando a ouvir musicas do michael acho que cantei junto denovo… (detalhe que sou menina haha)

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