Engraçado como são as coisas. Eu estava ouvindo no radio hoje pela manhã sobre o súbito furor da população carioca em se vacinar contra a febre amarela.
A febre amarela é uma doença infecciosa transmitida por mosquitos contaminados por um flavivirus e ocorre na América Central, na América do Sul e na África. No Brasil, a febre amarela pode ser adquirida em áreas urbanas, silvestres e rurais. Ou seja, o indivíduo entra em regiões onde existam os mosquitos que picam uma pessoa infectada e em seguida picam outra que ainda não teve a doença, portanto não adquiriu defesas naturais. Existe uma vacina altamente eficaz para combater a doença, que no Brasil é feita pela Fiocruz.
O mais estranho do surto de pânico da população está no fato de que não existem casos registrados de febre amarela no Rio, no entanto, milhares de pessoas afluíram aos postos médicos solicitando a vacina, o que causou o fim dos estoques da mesma, deixando quem realmente precisa (as pessoas que vão para áreas onde existem ocorrências da doença, como as regiões norte e centro-oeste do Brasil e até outros países) sem a vacina. Isso é muito doido.
Tem centenas de pessoas que estão dormindo na porta dos postos de saúde para poderem se vacinar. A maioria delas não vai viajar para lugares contaminados. É puro pânico. Eu admito que tenho um certo interesse neste tipo de pânico semi-inexplicável que acomete as grandes massas.
Volta e meia isso acontece. Obviamente que no caso do pânico da febre amarela, a mídia (Globo e etc) são as óbvias culpadas, com reportagens seguidas contendo um alto teor de sensacionalismo e dramaticidade desnecessárias. Isso assusta a população, que já imagina uma nuvem de pernilongos tóxicos portando uma doença fatal se aproximando. Lógico que uma população alarmada e com medo compra mais jornal, consome mais notícias e assiste mais Tv. Isso é especialmente bom em janeiro, quando a receita de publicidade reduz dramáticamente num período pós-natal.
Não estou dizendo que eles inventaram isso para vender jornal, mas que dão enfoque além do necessário a questão da febre amarela é claro que dão. Do mesmo jeito fizeram com a febre aftosa. Muita gente parou de comer carne quando os jornais noticiaram com estrondo um “surto” de febre aftosa no sul e no centro-oeste do país.
Ora, francamente, é sacanagem os jornais não informarem a população que ao contrário do que afirmam, não há “surto” de febre aftosa. A febre aftosa é uma doença praticamente endêmica da população de bovinos, sobretudo nas áreas de fronteira. Ao contrário do que pensa o senso comum, a febre aftosa não impede o consumo de carne. O que acontece é que como a doença é atrelada a baixas condições de higiene (como acontece nos currais do Paraguai) os compradores suspendem a compra preventivamente. Logo, na carne não há nada. Não é a “doença da vaca louca”. A febre aftosa não afeta diretamente o homem*, só o boi, que fica com aftas na boca e para de se alimentar, coitado.
*Embora o homem possa até ser contaminado por febre aftosa, isso ocorre raríssimamente, incluindo pessoas que lidam diariamente com centenas de animais contaminados e nunca, NUNCA foi provado que o contágio humano com esta zoonose se dê por ingestão de carne. Os 40 casos de contágio humano já documentados, sendo a maioria deles na Europa, apontam para contaminação direta através do contato entre feridas nas mãos e as secreções das pústulas contaminadas dos animais. Fonte
O povo tende a se assustar com “surtos”, epidemias, doenças assassinas e etc. Lembro como se fosse hoje que quando lançaram aquele filme do Dustin Hoffman “contágio”, “contaminação” ou algo assim. A Globo fez amplas matérias no Jornal Nacional e Fantástico sobre o ebola, o “vírus mortal”, que estava se espalhando pelo mundo. Seria a desgraça suprema e etc.
Alguém morreu de ebola aqui? Não.
O problema é que sensacionalismo vende jornal e ao mesmo tempo dessensibiliza as pessoas do que realmente é importante, e realmente mata.
Uma dessas coisas é a dengue. Em vez de ficar com medo da febre amarela, as pessoas deviam ficar com medo é da dengue. Março vem aí e com ele as chuvas que fecham o verão. Isso vai aumentar a população de mosquitos. Em paralelo, os hospitais do estado estão tão bons () e limpos que o lixo hospitalar está sendo estocado nos corredores. E em vez de se preocupar com isso, o governador pensa em colocar internet na praia de Copacabana pro gringo ficar mais satisfeito ao custo de um milhão de reais.
Outro problema sério pra dedéu que tá matando geral mas não sai nenhuma linha nos jornais é a Tuberculose. Sim, a tuberculose que matou tanto no passado. Era a aids da década de 20, 30, 40, que não acabou e ainda mata como nunca. No Rio e baixada, cada vez mais as pessoas se aglomeram em favelas infectas e sem o apoio do (negligente) estado. O brasileiro não cuida da saúde e não exige dos políticos do mesmo modo que exige no futebol e no carnaval. O resultado disso é que pessoas com tuberculose começam tratamentos em hospitais caindo aos pedaços e interrompem o mesmo antes do período correto, seja porque acha que já está bom, seja porque faltou remédio, porque tem fila, porque hospital “é para quem bateu de frente com caminhão”.
Assim, temos milhares de pessoas que propagam novas cepas da tuberculose, cada vez mais potentes e resistentes a remédios. A tuberculose está se espalhando silenciosamente sob a negligência do estado e o criminoso descaso da mídia, que está mais interessada em gostosas do big brother 8 e nas babaquices de celebridades importadas como Britney Spears e Paris Hilton. Acredito que o descaso se dê porque muitos pensam que a tuberculose é uma “doença de pobre” e por conta disso, evitam solenemente o assunto, que nunca foi tão grave. O número de contaminado só aumenta.
O povo tem disso de ser manipulado pela mídia. Muitas vezes acontecem coisas realmente bizarras. Quer ver? Quando a Globo passava uma novela chamada “Torre de babel”, havia uma explosão num shopping. Era uma cena grotesca onde uma boa parte do elenco morria.
Naquele período, eu fui num grande shopping de Niterói com a primeira dama e estavamos andando calmamente quando no fim do corredor eu vi surgir uma onda de pessoas correndo. Devia ter umas 200 pessoas ou mais. Em meio a gritos de terror, mulheres arrastavam crianças pelos braços. Pessoas corriam gritando com as mãos na cabeça. Eu vi aquela multidão vindo na nossa direção e não esperei para saber do que se tratava. Agarrei a primeira dama pelo braço e saí voado para a escada. Descemos a mesma como duas balas e em menos de um minuto estavamos na porta do shopping, esperando o desabamento, a explsoão, as mortes e tudo mais.
Nada aconteceu.
Buscando informações, descobri que o que ocorreu foi que um cara não conseguiu colocar o botijão de gás num dos restaurantes da praça de alimentação e foi forte o cheiro e o barulho do gás escapando. Na novela, a explosão do shopping era uma bomba, mas ela foi inspirada num outro acidente, dessa vez real, que houve em Sp e que começou com um vazamento de gás. Isso com certeza assustou alguém. Não sei por que, este alguém gritou a única coisa que não devia: “Vai explodir!” no meio da praça de alimentação, provocando uma gritaria. Um estouro de boiada como acontece com os gnus africanos. Saiu todo mundo correndo gritando. Em menos de um minuto eram centenas. Aos gritos de “vai explodir”, “vai cair o shopping”, “vai desabar”.
O nome disso é terror social. E funciona bem. A mídia americana vive em cima disso. Nós brazucas, copiamos.
Quando não há terremoto, nem furação, nem maremoto, nem nevasca, nem incêndio monumental, eles inventam uma guerra, inventam um terrorismo assassino sem rosto. Assim, com medo, a população compra como nunca.
Um caso curioso que aconteceu anos atrás foi a crise chamada “crise do feijão”. Sabe o que foi isso? Nada. Uma crise que surgiu absolutamente do nada. Alguém apareceu na Tv e falou uma “batatada” de que talvez iria faltar feijão. Não iria. Tinha feijão pra dedéu no mercado.
Mas isso bastou para que as pessoas começassem a se perguntar “se” e “quando” iria faltar feijão. Ante uma possível falta do feijão, todo mundo que comprava um ou dois kg de feijão normalmente, comprou quatro, cinco. Isso reduziu o feijão no mercado. Com menos feijão na gôndola, criou-se a sensação social de que a falta do feijão era iminente. Mesmo com pessoas do setor aparecendo na Tv para falar que não ia faltar feijão, isso era interpretado pelo povo como ” eles estão querendo dizer que não vai faltar feijão” e assim a coisa ganhava um peso totalmente inverso. Quanto mais pessoas se desesperavam com a “falta do feijão” num verdadeiro pânico, (como se falta de feijão fosse a morte), mais todo mundo estocava a porra do feijão. Como resultado, faltou realmente o feijão.
Isso ocorre em ambientes extremamente sensíveis. Como por exemplo, na bolsa de valores, onde um boato, uma nota, uma pquena distorção ou exagero pode causar uma fuga de capital que precipita toda uma economia no abismo do caos. Felizmente, situações assim estão se reduzindo na especulação econômica porque os casos graves de pânico nas bolsas ensinaram aos trabalhadores deste segmento. Eles aprenderam com as crises e o mercado amadureceu ficando menos propenso ao pânico generalizado.
Mas é inegavel o poder da mídia, sobretudo das novelas na disseminação de ideias ingóbeis na piscologia da massa.
Um exemplo legal que meu professor da faculdade Carlos Alberto me contou uma vez foi quando ele foi chamado pelo então prefeito do Rio, Cesar Maia, para ajudar a conter um problema numa praça do subúrbio carioca.
Ocorre que na época estava passando uma novela chamada “Irmãos coragem” e nesta novela, o protagonista encontra um diamante. É um diamante gigantesco, quase do tamanho de uma bola de futebol ( o Hans Donner colocou até uma lâmpada dentro da pedra para acentuar o efeito) e então o cara fica rico. E este era o mote da novela.
Daí surgiu, na mesma época, uma notícia num jornal ( acho que foi o JB ou O Globo) de que alguém havia encontrado um pedaço de topázio numa praça do subúrbio. A matéria era acompanhada de uma outra notícia sobre as pessoas que econtraram diamantes, veios de ouro e até petróleo em suas propriedades e ficaram ricas.
Isso, apenas isso, provocou uma corrida de pessoas para a tal praça. Mas a praça não tinha Topázio nenhum. Mesmo assim todos foram para lá. Mulheres, homens, crianças, velhos, adultos… Todos munidos de pás e picaretas começaram a revirar a praça, estragando jardins, e equipamentos públicos em busca de uma “mina de topázio”.
A televisão retratou isso nos jornais e o efeito só piorou. Mais e mais pessoas afluíram na praça que começou a ser dividida em lotes de demarcação para a extração do tal topázio. A prefeitura alarmada, tentou impedir a ação das pessoas mas foi impossível. Especialistas em geologia surgiram na Tv para dizer que aquele tipo de solo não poderia ter topázio. E isso foi solenemente ignorado. A população tinha a CERTEZA de que tinha topázio na praça. Boatos sobre pessoas descobrindo pedras de topázio pipocaram. As favelas desceram, ambulantes se instalaram. A notícia de que uma praça com uma “mina de topázio” se espalhava e ganhava proporções cataclísmicas. Desesperado, o prefeito tentou usar um carro de som onde alguém gritava a plenos pulmões que não havia topázio na praça. Em vão. Aliás, em vão não. Isso gerou ainda mais gente cavando.
O povo achou que o Cesar Maia queria o topázio só pra ele e isso só fez aumentar a sanha desesperada em ficar milionário como o sujeito da novela. A praça viriou um enorme buraco. Como ninguém achava topázio, começaram a cavar cada vez mais fundo para encontrar o “veio”. Quando estava bem fundo, começaram a alargar o buraco, invadindo a rua. Isso envolveu destruir tubulações de luz, agua e esgoto. Asfalto e etc.
Sem solução, depois de tentar tudo, Cesar Maia apelou para o cérebro. Chamou meu professor de psicologia social para tentar junto com os caras da prefeitura, solucionar o problema.
Após observar a situação “in loco” e conversar, ouvir os populares, ele traçou um plano de guerra para conter a destruição da praça e arredores. O plano era deveras simples. Tão simples que parecia que não iria funcionar. Dizer a eles o que eles queriam ouvir.
Eles contrataram um ator vestiram-no com um jaleco. Era um senhor de óculos, grisalho e sério. Ator de teatro. O cara iria aparecer em uma reportagem totalmente fraudulenta dizendo absolutamente o contrário do que o próprio prefeito, polícia, carro de som e especialistas anteriores disseram.
E foi assim que numa noite em pleno horário nobre, surgiu um professor de nome gringo estranho, afirmando que: SIM EXISTIA UMA MINA DE TOPÁZIO NA TAL PRAÇA. Só que em seguida a esta afirmativa (falsa), o professor mostrava duas pedras. O “Topázio rico” e o “topázio pobre”. (ambas falsas)
Ele explicou que o topázio rico era uma pedra preciosa e que valia muito. Mas em comparação, o topázio pobre não valia absolutamente nada. Era mais barato que pedra de fazer paralelepípedo.
Após isso aparecer no ar, uma rede de boatos de que alguém foi vender o topázio e ele era do pobre, logo não valia nada, além do fato de que a tal jazida inteira era de “topázio pobre” foi plantada.
Em menos de dois dias a população largou mão da ideia fantasiosa de ficar rica com uma mina de topázio. E a prefeitura consertou a praça.
È por isso que eu acho que deviam surgir na Tv com um médico Dr. Langgrubber que iria dizer para as pessoas que realmente existe a febre amarela. Mas no Rio só tem a “febre amarelo-canário” e que esta última não faz mal nenhum.