O video do Stanley Kubrick assumindo que forjou a descida na lua

Hoje pela manhã a caixa de entrada do Mundo Gump tinha três sugestões de pauta iguais, o que é um indício de que ao longo do dia devem chegar mais umas dez mensagens de leitores com a mesma ideia.

Um video bombástico vem causando um certo “Auê” na internet, pois nele, ninguém menos que o diretor Stanley Kubrick aparece numa entrevista  contando em detalhes como foi contratado pelo governo dos Estados Unidos para forjar à descida do Homem na lua nos anos 60.

Muita gente sempre duvidou de que o homem tinha realmente conseguido pousar um módulo tripulado na Lua e retornado a Terra. Nesse contexto, um video com o falecido diretor de “2001 – Uma Odisséia Espacial” seria um ponto muito positivo na incredulidade dessas pessoas.

O problema é só um:

O VIDEO DO STANLEY KUBRICK É FAKE!

Kubrick durante as filmagens de seu último filme antes de morrer: Ele não tinha o visual “papai Noel” de Tom.

O suposto video só revelado 15 anos após a morte do diretor é mais que uma gozação. Acho meio de mal gosto que se cague assim a memória de um cara que realmente existiu. Uma coisa é “mockumentary” (Uma invenção bizarra dos novos tempos em que a mentira se tornou a nova realidade) com dragões, sereias e discos voadores. Outra é com uma pessoa que realmente existiu, criando distorções e mentiras deliberadas sobre o passado do cara, iludindo as pessoas. Se eu sou da família meto um processo tão escroto no rabo desse diretor que ele não vai dirigir nada nem pra youtube.

Aqui está o documentario fake na íntegra:

Neste ponto o diretor orienta o ator (chamado de “Tom”) a se portar mais como o diretor, olhando por cima dos óculos.

É bem interessante observar neste caso, como as pessoas podem simplesmente engolir o fato de que um cara parecido com alguém possa ser aquela pessoa. O video surge como um catalisador de ideias pré concebidas. Ele ganha força na medida em que apenas confirma a teoria da conspiração, tal como o meu Juca, esse video apenas cristaliza as convicções que já estavam lá na mente do espectador antes, e é irresistível duvidar. Videos assim operam no “sistema Mulder” reforçando o “eu quero acreditar”.

As fonteiras do real

Uma questão que este tipo de documentário fajuto me leva a questionar são essas buscas desesperadas pelo convencimento alheio. Me parece que há uma ideia permeando as mentes dos diretores de que seu produto audiovisual será bom na medida em que ele puder ser indistinto da realidade. Talvez tenha sido Orson Welles que abriu esse mar vermelho onde todo mundo parece querer passar. Volta e meia recebo sugestões de pessoas indicando aquele manjado documentário falso das sereias e não consigo deixar de pensar no quanto pode ser curiosa a mente humana, que ainda hoje pensa que “se passou na televisão só pode ser verdade”.

Quem n´~ao se lembra daquele filme contatos de quarto grau em que a atriz Mila Jovovitch aparece logo no inicio salientando que apesar do filme ser um filme, ele é baseado e contém cenas reais de pessoas abduzidas. Uma rápida pesquisa no entanto mostra que essa introdução é também parte da ficção do filme, mas isso não é dito na obra, levando o espectador a acreditar que está vendo entrevistas reais de pessoas abduzidas, quando na verdade são apenas atores representando.

Desonestidade?

Devo dizer que não sei ao certo em que ponto um diretor deixa de ser bem sucedido como diretor e passa para o lado de embusteiro 171. A maior característica do cinema é fazer o expectador acreditar, dentre outras coisas, que se pode crer em homens que voam, em viagens para outros universos, conspirações demoníacas e até em vampiros apaixonados.
Geralmente todo espectador que compra um ingresso de cinema, pretende acreditar numa história que lhe será contada. A supressão da descrença é parte do processo de entretenimento de qualquer filme, jogo ou diversão imersiva. Assim, é correto supor que o espectador concorda em ser ludibriado. Cabem aos envolvidos no processo cinematográfico demonstrar todo o seu talento em manter a supressão da descrença do inicio ao fim do seu produto. Porém, há dois problemas: quando o filme se predispõe a ser baseado em fatos reais ou quando é uma ficção que afirma os fatos narrados como verídicos. Nesse caso, ultrapassa-se a linha do acordo em que o espectador PERMITE que o diretor lhe conte algo irreal como sendo real.

Found Footage e o cinema de primeira pessoa

O cinema, como todo meio de comunicação, passa regularmente por certas revoluções técnicas. Algumas vão mudar radicalmente a experiência do cinema, trocando brutalmente seu paradigma. Um exemplo, é o filme com som. Depois o filme com cores. Depois surge o filme com cores mais apuradas, maior resolução, e então, muito tempo depois, o filme com som 3d. E mais tempo ainda, surge o filme em três dimensões, o filme digital, sem película e por aí vai…
Do mesmo jeito, enquanto inovações técnicas são inseridas nas casas de projeção, permitindo uma imersão muito maior e uma supressão da descrença mais efetiva, inovações tecnicas também surgem no labor cinematográfico em si. Uma dessas diversas inovações é o famoso tipo de filme chamado “found footage”, ou filme perdido.

São filmes criados como filmagens caseiras, apresentadas em forma de documentários, expostas como uma série de acontecimentos verdadeiros, onde o paradoxo está no fato que em sua maioria, os temas tratados envolvem, de algum modo, o sobrenatural. Um dos filmes mais famosos na linha “found footage” foi A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), que enquanto filme é um filme de razoável para ruim, mas que quebrou o paradigma da terceira pessoa.
A terceira pessoa é o ator. Quando vemos por exemplo, Indiana Jones, vemos Harrison Ford interpretando o intrépido arqueólogo o tempo todo. Não vemos o que Indy está vendo. Assim, o filme é contado da perspectiva do espectador vendo o desenrolar das cenas. Quando o found footage chega, ele passa a colocar o espectador no lugar do olho do protagonista. Agora ão vemos mais alguém perdido num labirinto cheio de perigos. NÓS estamos naquele labirinto e por isso o found footage achou um nicho promissor na linha do terror, na medida em que nada pode ser mais assustador do que você estar lá sentindo o medo diretamente.

O primeiro filme a ganhar dinheiro de gente grande usando a técnica foi Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007) o atual recordista de retorno do investimento cinematográfico de todos os tempos.
Tanto a Bruxa de Blair quanto Atividade Paranormal, utilizaram de diversos meios para levar o público a crer em tudo o que estava vendo, pois o sucesso desse estilo de filme é resultado da credibilidade forjada; o expectador tem que criar alguma ligação com a história retratada, isso por que é sua mente que vai desenvolver e cunhar grande parte da tensão da trama, já que visualmente pouco se vê e muito é sugerido. Como um reflexo do mesmo mecanismo que leva pessoas a acreditarem na entrevista fake do Kubrick, logo após os lançamentos, muitas pessoas acreditaram na veracidade dos filmes citados acima. Passado algum tempo, e o anúncio das continuações, as pessoas percebiam a “brincadeira”.

Após Atividade Paranormal cristalizar o fato de que um found footage movie custa pouco e rende muito, houve uma avalanche de filmes similares usando o mesmo conceito. Teve coisa boa, média e ruim. Todo mundo queria entrar na onda. Virou modinha. Foi assim que passou a ser piada o que antes era verossímil. Em algum ponto do processo, já não bastava mais apenas fazer um filme que parecesse ser real, era preciso dizer ao publico que ali estava um filme real. É esse dilema que desembocou nas campanhas de marketing duvidosas como as de Contatos de Quarto Grau (Fourth Kind, 2009) que iludiam as pessoas, mentindo deslavadamente.
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A necessidade de enganar havia se tornado a nova tônica. Por isso, filmes já não bastavam, era preciso ir direto ao documentário, porque pouca gente desconfia dos antecedentes de um documentário. E deu nisso aí, ara satisfação do cara do Snopes, E-Farsas e similares, que vivem de desmentir boatos e golpes.

É curioso eu estar falando disso, pois justo nessa madrugada assisti a um “Found Footage”. O novo filme do diretor indiano de “O sexto sentido” M. Night Shyamalan:

Eu havia escutado no radio gente falar mal do filme. Não costumo levar critica de cinema a sério. Acho que geralmente criticas de cinema costumam ser feitas de modo bem subjetivo, o fato do critico não gostar de uma coisa não torna aquela coisa realmente ruim, mas sim ruim “para ele”, em função do arcabouço de referências que ELE tem. Mas e se meu arcabouço de referências forem diferentes? Aí está o X da questão. Fui ver e achei legal. Não é uma obra prima, mas porra, quem disse que precisa ser?

O problema do sarrafo

M. Night Shyamalan sofre do problema do sarrafo. Ele arregaçou Hollywood com um dos melhores filmes de todos os tempos, que é “O sexto sentido”. Uma vez que você coloca o sarrafo lá no alto, todos esperarão que você continue a subir, eternamente o sarrafo. O problema é que arte não é assim, amiguinhos. O problema do sarrafo é uma coisa que afeta a todos os criadores, dos diretores de cinema aos roteiristas, passando pelos autores de livros e até empresas de games.
As pessoas tem uma ideia pré-concebida de que se um cara consegue fazer um troço foda, seu próximo trabalho precisa obrigatoriamente ser tão foda ou preferencialmente superar seu sucesso passado. Isso é o que todos querem, sobretudo os INVESTIDORES.

Para alguma coisa rolar, seja ela um livro, um filme ou um jogo, é preciso que alguém, numa etapa inicial do projeto coloque dinheiro. Para que esse cara faça isso, ele é levado a acreditar que seu investimento trará um belo retorno, do contrário o cara colocaria a grana para render num banco em fundo de investimento. É normal que o investidor se sinta inseguro, pois perder é parte do jogo, mas ele quer só ganhar. Aí entram os advogados, e os especialistas em captação, que vão tentar fazer a doutrinação, o convencimento de que aquele projeto vai dar uma nota preta de retorno. Com isso esses caras são os primeiros a colocar o sarrafo que já estava alto, nos píncaros do infinito. É assim que começa a pressão desgraçada sobre o diretor. Quanto maior é o montante investido, mais o investidor foi iludido que o projeto resultará em seus bolsos cheios da nota. Dos criadores, passa-se a esperar nada menos que a excelência.

Mas a verdade ingrata, é que nem todo chute resulta em gol. No mundo ridículo em que vivemos, quando um cara não atende a essas expectativas criadas deliberadamente para arrancar dinheiro alheio, ele é como a peça mais frágil da engrenagem invisível que permeia tudo. Ele será a peça defeituosa que não fez a sua parte. Ele será o bode expiatório. Todo seu sucesso pregresso será esquecido e enterrado sobre montanhas de palavreados empolados para garantir que aquele cara é “bananeira que deu cacho”, que ele “é carta fora do baralho”, e que de sua cartola “já não sai mais coelho”. Uma nova e invisível máquina vai se reconfigurar, com apostas em novos diretores e promessas de sarrafos cada vez mais altos, e com o artesanal milagre de gerar mais com cada vez menos.

Desacreditado, o ídolo de ontem será conduzido pela fria mão do destino ao ostracismo, onde permanecerá no limbo dos inconformados, tentando entender onde foi que ele errou, porque no processo edificado da mentira permanente, ele mesmo pode começar a acreditar em sua infalibilidade, talvez um mecanismo de defesa desenvolvido para não se acovardar dante do tsunami de exigências e cobranças. É isso que estão fazendo com M. Night Shyamalan.

Na era da mentira, o maior horror dos filmes de terror, ocorre bem longe das câmeras.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

    • Também gostei destes filmes citados. Quanto ao que o Philipe falou sobre críticas também concordo plenamente, tudo é relativo, eu gosto de filmes trash, a maioria não, já assisti uma porrada de filme no Netflix que tem de meia a um estrelinha ali e achei bacana.
      Parece que as pessoas não se pré-dispõe a entender o que elas irão assistir, e assim criam-se expectativas totalmente contrárias a realidade.

      • Pessoas estão com preguiça. Simplesmente isso. Ninguém quer mais enxergar uma atuação interessante, um conflito dilemático, uma história diferente… O que as pessoas procuram em filmes hoje em dia é clichês mastigados, cenas de ação e sexo. Triste realidade da nova geração que se acostumou com informações rápidas e mastigadas.

  1. A verdade é que nunca saberemos a verdade sobre a viagem a lua de 69…
    se foi crime então foi o crime perfeito!

    Esse vídeo infelizmente depõe contra aqueles que acreditam que tudo não passou de uma conspiração!

    • Só não sabe da verdade quem tem preguiça de pesquisar e constatar as dezenas de descobertas e avanços científicos que essa viagem à Lua proporcionou à humanidade…

  2. “Gostou desse post? Quer mais iguais a este? Considere nos apoiar no
    Patreon! Não deixe o Mundo Gump acabar. Seja um patrono deste blog e
    ganhe prêmios”. Puxa, que diferença para melhor a forma de convidar seus leitores para serem patrocinadores, gostei demais e me convenceu, só não sei como faço para contribuir, manda sua conta que eu coloco em débito automático. É ainda 6 dólares, é isso? Vc é inteligente demais, me sinto útil contribuindo como gratidão por abrir minha mente.

    • OI Tatiane, eu devo voltar em breve com os videos do Universo Gump. Precisei dar uma parada por um tempo, porque estamos levantando um projeto grande com esculturas minhas para venda pelo Epic Art. Isso comeu o tempo que eu tinha para fazer e editar os videos.

    • É por todas essas provas que existem que é difícil acreditar que o homem foi a lua, uma delas é a temperatura da lua de 100º C a noite e 150º C de dia, a sonda sem marcas no solo de suas turbinas, a bandeira tremulando, a penumbra, etc…

      • Como assim 100°C à noite?! Na Lua não tem atmosfera, o calor não fica retido lá. Todo mundo sabe q as temperaturas na superfície lunar são negativas! :/

        • Provavelmente queria dizer -100. A lua era um desafio para astronautas, porque o traje precisava aguentar a brutal diferença de temperatura em áreas iluminadas e de sombra. Como não há atmosfera, a diferença é brutal entre o que esta no sol e o que esta na sombra. Lá a temperatura mínima na superfície chega a -233°C . Durante o dia, sob a luz direta do sol a lua registra a temperatura média na superfície de 107°C . Sem o sol iluminando, a temperatura média na superfície é -153°C. Um dia “quente” na lua pode chegar a 123°C

  3. Tava conversando sobre isso estes tempos, sobretudo como a gente pode dividir o mundo através da legitimação de informações verdadeiras em A.I e D.I (antes da internet e depois da internet); me parece que, ao indivíduo, rolava um efeito contido de aprovação – ele QUERIA acreditar em coisas , mas devido à falta de ferramentas mais táteis, visíveis, exigia-se um esforço maior de reconhecimento através da verificação: apresentar provas bibliográficas, ou de ‘especialistas’ (as vezes nem tão especialistas, mas com um mínimo de credibilidade travestida); com a inserção da TV no cotidiano isso já começa a se romper, as pessoas começam a acreditar em qualquer merda vista na TV mas, ainda assim, há uma barreira bem delimitada em 99% dos canais em ao menos manter uma linha racional, minimamente possível diante da lógica, por mais absurda que ela possa parecer.
    Agora, quando surge a internet isso tudo parece ruir, o que antes era o sentimento de ‘eu quero acreditar’ se torna um ‘eu POSSO acreditar’ num nível que a mentira, o falso, se confunde com o verdadeiro: a internet suprime essa barreira da legitimação de informação entre o real e o ilusório, parece que a necessidade de ‘ser’ verdadeiro nela passa a apenas ‘existir’ e, dito isso, para o indivíduo, não basta comprovar nada, apenas a ideia de que ‘se está na internet, então é verdade’; é incrível, quase inocente, como é fácil divulgar um boato, por mais escabroso e impossível que seja, e jogar na internet como verdade. Ninguém cobra nada no sentido de duvidar daquilo, é fácil engolir a mentira.

    • Pelo menos agora a mentira vem de todos os lados, o que obriga o leitor a pesquisar por si mesmo e comparar a informação, às vezes compara-la até com sua própria experiência e conhecimento, se possível, para encontrar a verdade. Ainda é melhor do que antigamente, quando só um lado mentia e 99% acreditava.

  4. Sempre quis ler algum artigo, mesmo que pequeno, de alguém que falasse de M. Night Shyamalan, quem eu considero um grande diretor. Creio que Hollywood não concorda comigo, tanto é que ele está sempre na geladeira, mesmo após filmes históricos (considero, para mim, obras excelentes e que não canso de assistir 1, 2, 5, 15 vezes) como O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Sinais, este último ele inclusive contracena com Mel Gibson, o que eu acho sensacional, pois é nessa hora que ele dá o “segredo” da água para combater os extraterrestres, mesmo que apenas subjetivamente. Gostei também de Fim dos Tempos e Depois da Terra, mas acho que ele se perdeu um pouco em A Vila e a Dama na Água, uma pena…a cada 2 ou 3 anos ele lança um novo filme, espero que em breve saia mais um. Abraço.

  5. Divagação de um louco…

    O Sr. Kubrick começou a cavar o seu túmulo ao deixar esse vídeo.
    Certas mentiras devem continuar verdadeiras.
    Certos assuntos devem ser enterrados.
    O passado é passado e deve ficar pra trás.
    O equilíbrio da dúvida deve ser mantido.

    Mas teve sua chance.

    Seu 2° erro foi expor certas “informações” em seu último filme.
    Esse erro o condenou.

    Pra bom entendedor 1 pingo é uma letra.

    Ass: Napoleão Bonaparte

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