Cientistas do Japão inventaram um remédio que promete renascer os dentes perdidos.
Essa é uma notícia promissora para as pessoas que perderam seus dentes. A perda de dentes pode ter consequências terríveis para uma pessoa, não apenas por razões estéticas, mas pelo impacto que isso pode causar na oclusão mandibular, podendo até mesmo levar a doenças complicadas, como a pneumonia (acredite se quiser!) além de causar desgastes em outros dentes devido ao aumento de compressão, alterações gástricas, problemas de higiene, e etc.
Para combater o problema, o ser humano vem tentando toda sorte de gambiarras através dos séculos.
Dentistas do Faraó
Registros históricos revelam vários tratamentos dentários e higiênicos praticados pelos egípcios no Egito antigo. O papiro egípcio de Edwin Smith, escrito no século XVII a.C., mas que pode conter informações de manuscritos datados antes de 3000 a.C., inclui o tratamento de várias doenças dentárias. O papiro de Ebers, datado de XVI a.C., contém 11 prescrições que diz respeito a assuntos bucais, sendo 4 delas sobre remédios para dentes soltos. O dente em questão era preenchido com uma mistura semelhante à composição usada nos dias atuais: um agente de preenchimento (cevada moída) era misturado a uma base líquida (mel) juntamente com um agente antisséptico amarelo ocre.
Cientistas fizeram uma tomografia computadorizada na cabeça de uma múmia egípcia de 2.100 anos e também encontraram evidências de cáries obturadas com linho, que pode ter sido antes embebido em algum tipo de remédio, como suco de figo ou óleo de cedro.
Hesi-Re foi o primeiro homem chamado de “dentista” no Egito antigo e no mundo. Ele foi um oficial, médico e escriba que viveu durante a 3ª dinastia, por volta de 1600 a.C. a serviço do faraó Djoser. Hesi-Re sustentou vários títulos, tais como “Chefe dos Dentistas e Clínicos”, “Doutor do Dente” e “Chefe dos Escribas do Rei”. O título de Chefe dos Dentistas não está totalmente claro sobre o seu significado. Contudo, Hesi-Re possui o crédito de ser o primeiro homem a reconhecer uma doença periodontal (doença da gengiva).
Os médicos faraônicos não ficavam atrás nos trabalhos de reconstrução. Eles também faziam pontes dentárias, que consistia em reafixar um ou mais dentes aos dentes vizinhos com fios de ouro ou prata. Em alguns casos, a ponte era feita usando um dente postiço. Porém, ainda não se sabe se esses trabalhos eram feitos durante a vida do paciente ou após a sua morte, recolocando os dentes do jeito que eram antes de seu funeral, para que o morto pudesse sorrir sem passar vergonha na outra vida.
A história da tentativa de recuperação dos dentes perdidos é um tanto bizarra.
Dentes de animais
Há uma lenda nos EUA de que o fundador George Washington usava uma dentadura de madeira. Pesquisadores e historiadores já provaram que os dentes de madeira de Washington eram uma lenda urbana popular, mas ele realmente tinha não uma mas várias dentaduras com dentes esquisitos, como essa aqui, do museu dele:
George Washington viveu num tempo em que era comum a fabricação de dentes a partir de dentes de animais, como hipopótamos. Mas embora ele não usasse dentes de madeira, isso não significava que a pratica não tenha existido. Dentes de madeira foram um recurso realmente usado no passado:
Em meados do século XVI, os japoneses fabricaram as dentaduras feitas de madeira, que foram utilizadas até o início do século XX. Na antiga Província de Kii, no Japão, a sacerdotisa Nakaoka Tei tinha belos dentes de madeira.
Em 1770, o francês Alexis Duchateau foi pioneiro na criação das primeiras dentaduras feitas de porcelana. Antes disso, ele utilizava marfim extraído de cascos de hipopótamos, morsas e elefantes. Um exemplo famoso da época foi o presidente norte-americano George Washington, que usava dentaduras esculpidas em marfim, combinadas com dentes de humanos, cavalos e burros. Contudo, esses dentes, além de não parecerem naturais, deterioravam-se rapidamente devido à ação da cárie e outros fatores. Mesmo quando dentes humanos passaram a ser mais facilmente obtidos, no final do século, o marfim continuou sendo amplamente utilizado como base para próteses.
Preocupado com a rápida decomposição das dentaduras de marfim, Alexis decidiu buscar uma alternativa mais resistente e escolheu a porcelana. Apesar das dificuldades iniciais, ele se juntou ao dentista Nicholas Dubois de Chemant, e juntos conseguiram produzir uma prótese mais funcional. Em 1791, registraram a patente britânica para dentaduras de porcelana. Posteriormente, em 1820, o ourives Samuel Stockton aprimorou essas próteses, criando uma versão mais refinada com bases feitas de placas de ouro de 18 quilates.
Um sorriso com dentes de defunto
Com o passar do tempo, novas soluções foram sendo encontradas para recuperar os sorrisos perdidos.
A era vitoriana, marcada por avanços na ciência e pela rigidez de seus costumes sociais, também esconde um lado sombrio e, muitas vezes, inquietante. Entre as práticas que hoje soam quase inacreditáveis, destaca-se o uso de dentes de mortos para criar próteses dentárias. Sim, mermão. Em uma época em que materiais artificiais ainda eram limitados e a odontologia moderna engatinhava, dentes extraídos de defuntos (ou mesmo de pessoas vivas em condições financeiras desesperadoras) eram transformados em sorrisos para os mais abastados.
Durante os séculos XVIII e XIX, o acesso a tratamentos dentários era extremamente limitado. A maioria da população enfrentava dores de dente crônicas e, muitas vezes, perdia os dentes devido a má higiene, doenças como o escorbuto ou infecções bucais.
Enquanto os mais pobres sofriam resignados, as classes altas buscavam preservar a aparência, já que dentes bonitos eram associados à saúde, juventude e status. Isso já foi um avanço em relação à idade média, onde, acredite se quiser, ter dentes completamente podres era um sinal de status.
Com poucos materiais disponíveis no periodo vitoriano, os dentistas começaram a recorrer a uma solução que hoje soa macabra: dentes humanos. Esses dentes eram mais naturais, resistentes e, quando bem encaixados, garantiam um sorriso funcional.
De Onde Vinham os Dentes?
A origem dos dentes variava, mas os métodos de obtenção eram, no mínimo, duvidosos:
- Dentes de Cadáveres:
Os campos de batalha eram uma fonte comum. Após guerras como a de Waterloo (1815), soldados mortos tinham seus dentes arrancados por saqueadores que vendiam os “tesouros” para dentistas. Os chamados “dentes de Waterloo” se tornaram famosos e muito procurados. - Dentistas do Mercado Negro:
Havia uma rede de comerciantes e cirurgiões que compravam dentes de corpos recém-sepultados. Não era incomum que túmulos fossem violados por ladrões apenas para extrair os dentes do defunto. - Venda de Dentes por Necessidade:
Em tempos de extrema pobreza, algumas pessoas vivas vendiam seus próprios dentes para ganhar dinheiro. Esses indivíduos, muitas vezes crianças ou trabalhadores empobrecidos, eram uma fonte “voluntária” para a elite que precisava de próteses.
Como Eram Feitas as Próteses?
Os dentes obtidos eram limpos e polidos antes de serem fixados em uma base de marfim, madeira ou metal. Essas bases serviam como “arcadas dentárias” e, embora não fossem tão confortáveis ou duráveis quanto as próteses modernas, ofereciam uma solução estética e funcional.
A combinação de dentes naturais com materiais básicos fazia com que as próteses fossem caras e exclusivas, acessíveis apenas aos mais ricos.
Novos materiais
No final do século XIX, com o avanço da ciência odontológica e a invenção de novos materiais, o uso de dentes humanos começou a desaparecer. Além disso, as questões éticas e sanitárias começaram a ganhar mais atenção.
Em meados de 1850, isso começou a mudar quando cresceu a produção das próteses em ebonite, um tipo de borracha endurecida onde eram presos os dentes de porcelana.
No entanto, o uso do material já havia sido patenteado pela Goodyear Dental Vulcanite Company em 1839. Embora o fundador Charles Goodyear tenha se recusado a coletar os royalties, o oficial da empresa, Josiah Bacon, fez questão de cobrá-los de todos os dentistas que usassem o material.
A empresa Ash & Sons, fundada por Claudius Ash, se tornou a principal fabricante das dentaduras de ebonite. Eles e milhares de dentistas batalharam por anos até que os direitos autorais sobre a borracha expirassem e ela se tornasse material básico para as próteses dentárias.
Em 1890, a celuloide, criada por John Wesley Hyatt, tornou-se o primeiro plástico industrial a ser utilizado como base para próteses dentárias, apesar de seu forte cheiro de cânfora. Embora não tenha permanecido em uso por muito tempo, a celuloide marcou o início do uso de plásticos na fabricação de dentaduras.
Já em 1940, foi introduzida a resina acrílica como material base para próteses, substituindo a ebonite, que deixou de ser usada. Esse material se destacou por ser rígido, translúcido, não tóxico, além de barato e fácil de reparar. Graças a essas características, a resina acrílica continua sendo amplamente utilizada na produção de dentaduras até os dias de hoje.
Um remédio que faz renascer os dentes perdidos
O ser humano lidou com grandes percalços tentando recuperar a função dos dentes perdidos ao longo de sua história. A odontologia obteve um grande salto tecnológico na década de 50, quando o dentista Leonard Linkow descobriu que o titânio se fundia com o osso da mandíbula, eliminando a necessidade de próteses removíveis. Em 1965, ele aplicou o método em um paciente, abrindo as portas para o procedimento no mundo todo.
Desde então, as próteses dentárias continuam sendo modernizadas através de estudos científicos, muito embora cada vez menos as pessoas precisem delas, graças aos avanços na conscientização sobre higiene e saúde bucal.
Mas talvez estejamos perto de ver outra revolução que extinguirá finalmente a luta por soluções paliativas aos dentes perdidos.
Os primeiros testes em humanos de um medicamento capaz de regenerar dentes começarão em breve, menos de um ano após os resultados promissores em animais. A expectativa é que, se os estudos continuarem bem-sucedidos, o medicamento possa estar disponível comercialmente até 2030.
Esses testes iniciais serão realizados no Hospital Universitário de Kyoto, de setembro até agosto de 2025. A pesquisa envolverá 30 homens, com idades entre 30 e 64 anos, que perderam pelo menos um molar. O objetivo é avaliar a eficácia do tratamento intravenoso na formação de novos dentes humanos, após os experimentos em camundongos e furões terem demonstrado sucesso sem efeitos colaterais significativos.
Etapas Futuras do Estudo
Após essa fase inicial de 11 meses, os pesquisadores planejam testar o medicamento em crianças de 2 a 7 anos com deficiência dentária congênita, uma condição que impede o crescimento de dentes e afeta cerca de 1% da população mundial. A equipe já está recrutando voluntários para essa próxima etapa do estudo (Fase IIa).
No futuro, o objetivo é expandir os testes para pessoas com edentulismo parcial, ou seja, que perderam de um a cinco dentes permanentes devido a fatores ambientais. De acordo com estimativas, 5% dos americanos enfrentam essa condição, sendo mais prevalente entre adultos mais velhos.
Como o Medicamento Funciona
O tratamento atua desativando a proteína USAG-1 (gene-1 associado à sensibilização uterina), que é responsável por inibir o crescimento dos dentes. Bloquear a interação dessa proteína com outras moléculas estimula a sinalização da proteína morfogenética óssea (BMP), desencadeando a regeneração de novos ossos e dentes.
Nos estudos com furões, o medicamento promoveu o crescimento de novos dentes e também fortaleceu os ossos da mandíbula. A pesquisa indicou que a proteína USAG-1 apresenta alta semelhança genética (97%) entre humanos e outras espécies, incluindo camundongos e cães, o que reforça o potencial de sucesso em humanos.
Visão do Pesquisador
Katsu Takahashi, biólogo molecular e dentista que lidera o estudo, trabalha na área de regeneração dentária desde 2005. Ele acredita que essa terapia pode beneficiar não apenas pessoas com condições congênitas, mas qualquer indivíduo que tenha perdido dentes, independentemente da idade. Ele disse:
“Queremos ajudar aqueles que sofrem com a perda ou ausência de dentes”
Se a pesquisa for bem-sucedida, o tratamento poderá estar disponível dentro de seis anos, revolucionando a forma como lidamos com a saúde bucal.
A busca por um jeito de renascer os dentes perdidos pode ser o fim de uma longa viagem, cheia de percalços e que tudo indica, poderá ter um final feliz graças à ciência.