O Experimento Carlson – Parte 3

Morten Calson sentou no solo pedregoso e sem saber o que fazer, decidiu que talvez o melhor seria não fazer nada. Não ousou correr ou sair andando desembestado pela planície estéril em direção às montanhas.
Deitou-se com cuidado no chão e ficou olhando o céu, repleto, coalhado de estrelas. Estava no lusco-fusco da alta madrugada.

Morten deu-se conta que ainda não havia contemplado aquela imensidão. Buscou, com os olhos mapear as estrelas e os planetas. Os planetas eram muito brilhantes, alguns realmente tão brilhantes que pareciam ser estrelas grandes distantes. Não viu satélites naturais nem nada assim. As estrelas eram muitas e bem visíveis. Não formavam qualquer constelação conhecida. Mas formavam novas. E assim ele ficou pensando em formas e nomes para as constelações. Algumas tinham nomes esdrúxulos como a “constelação de dildo”, porque ela formava uma curiosa piroca galática. Outra constelação curiosa era a “de Beetle”, que formava uma perfeita forma do fusca. E assim surgiram a “constelação do X”, a constelação do “entregador de pizza cagando” e a “constelação do biscoito quebrado”. Ficou ali vendo e pensando novas constelações ridículas, até cochilar.

Morten acordou poucos minutos depois, quando o solo abaixo dele tremeu. Despertou assustado e se levantou num pulo. Um micro terremoto tinha acabado de acontecer. Talvez o lugar não fosse tectonicamente estável. Ficou pensando se talvez as montanhas do horizonte não fossem na verdade um ou mais vulcões, ou seus restos mortais.
Outra possibilidade é que a criatura que havia jantado o baratão estivesse se movendo no subsolo provocando um pequeno sismo com o deslocamento.

Já sem sono pela ação da adrenalina, Morten Carlson ousou andar pelo deserto frio em direção às montanhas. A roupa vinha cumprindo bem seu trabalho de manter a temperatura corporal dentro de um intervalo minimamente confortável.
Enquanto andava, ia refletindo sobre criaturas predadoras no subsolo. Esse bicho deveria ter proporções titânicas. Mas para crescer no subterrâneo, ela precisaria de algum tipo de ciclo de vida em que se desenvolveria para chegar naquele tamanho e isso implica em uma oferta abundante de recursos. Como a superfície estava estéril, sua melhor aposta era que talvez num nível subterrâneo, houvesse algum sistema de tuneis ou cavernas onde uma oferta de alimento e energia fosse mais estável. Se havia condições no subsolo, por que razão a superfície não seria repleta de vida? Havia luz, havia Oxigênio, Nitrogênio e Hidrogênio, havia gases variados e alguma umidade minima. Havia também solo, sombra por um período, uma faixa de temperaturas viáveis para a vida. O lugar estava trazendo curiosas questões. Se tudo permitia a vida, a aridez superficial precisava de uma explicação, e talvez ela estivesse num vilão invisível: A Radiação.
Talvez o sol que iluminava o planeta estivesse emitindo grandes volumes de radiação que inibiriam a vida na casca externa do planeta. Isso também explicaria a razão pelo qual os baratões montavam grandes exoesqueletos de rochas e cristalizações, para se proteger dessas ondas mortais invisíveis.
Seria uma potencial explicação, mas ao mesmo tempo que explicava assustava demais. Quanto tempo ele duraria sob a ação invisível daquelas radiações cósmicas?

-Quem se importa? – O pensamento lhe acometeu. Carlson estava com uma vida tão problemática na Terra que não duvidaria se ninguém se importasse com seu sumiço. O instituto e o governo deram as coberturas necessárias para a operação, e perder era considerado um final esperado. A essa altura, já estariam preparando um segundo explorador. Ele sabia que não seria o único.
Avançou passo a passo, chutando as pedrinhas. Quem seria o próximo? Talvez Alan Menk? Talvez Alfred Rodríguez? Fosse quem fosse, a certeza é que o pessoal do buraco jamais colocaria a mesma coordenada para o segundo explorador. O cara poderia descer em outro ponto.  O relógio do traje indicava quantos dias faltavam para a próxima condição de envio. A acumulação energética para o disparo levava meses, com usinas dedicadas.  No planeta, isso significaria alguns dias de vantagem.

Morten parou para descansar. O frio era cortante, mas o cansaço era o pior. O traje parecia cada vez mais pesado. Se o segundo explorador conseguisse vencer a travessia, e na hipótese dele chegar com vida, e sobreviver aos primeiros dias, ele teria uma janela limitada de tempo para tentar comunicação via microondas com Morten. O objetivo inicial era simples: Encontrar abrigo e tentar sobreviver. Só isso. Mas os exploradores subsequentes da missão teriam outras atribuições ainda mais complicadas. O plano do projeto envolvia um acréscimo progressivo de energia do disparo, afim de viabilizar enviar sondas e equipamentos de suporte básico. Quando a população no planeta chegasse a dez pessoas vivas, volumes de carga estariam sendo transmitidos para a montagem de uma mini estação de disparo. Não haveria energia para enviar uma pessoa. Nem de longe. Os caras sabiam que era uma aventura a princípio, com passagem só de ida. Mas o programa envolveria a montagem desse pequeno ciclotron capaz de emitir um cubo de cristal com os dados de todos os aventureiros. Videos, impressões gravadas, áudio, tudo. O cubo traria praticamente uma imersão no planeta. Um simples cubo de cristal de quartzo era capaz de acumular milhões de vezes todo o conhecimento acumuladona Terra desde o tempo de Aristóteles. A tecnologia era algo assombroso mesmo.
Mandar um cubo de um único material era deveras mais econômico em necessidade energética que mandar um bicho, uma pessoa ou simplesmente comida. Por isso o ciclotron daria conta. Mas isso seria lá na frente…

A operação na Terra seguiria praticamente às cegas até que o cubo voltasse pra eles. Pelos estudos dos caras do buraco, se ele sobrevivesse ate esta fase, muito provavelmente já haveria potencia suficiente para que um mini exercito de cientistas e militares atravessasse, trazendo veículos e montando estruturas de qualidade resistentes ao clima e às características do planeta.
O dia amanheceu rápido. A noite escura e abissal que encheu de estrelas o céu agora dava lugar a uma aurora belíssima. E rápida. Incrivelmente rápida. Num minuto, o céu é um lusco-fusco cinza com toques de grená e dali a minutos, o azul e o sol inclemente a castigar tudo com tanta luz, que chegava a cegar.

Ouviu atras de si o barulho distante das pedras colidindo. Os baratões seguiam seu caminho como uma manada coesa de rochedos pontudos. O bicho comedor de baratões devia dormir de dia.
Morten sentou no chão para um descanso. Já havia andado muito. Calculou no golpe de vista a distância dos rochedos ambulantes e quanto tempo levaria para seguir na direção perpendicular às montanhas e interceptar os baratões. Precisaria andar apressado algumas horas. Isso era uma decisão difícil, porque certamente ele poderia avançar para mais próximo da cordilheira se seguisse para ela, mas o sol era muito forte, ele seria frito sem uma sombra pra se esconder. E ainda tinha aquele pesadelo permanente das radiações do influxo de elétrons… Os inimigos invisíveis podem ser mais mortais que comedores de montanhas.
Assim, Morten  seguiu para o lado e andou sem parar, tentando avançar por uns cinquenta minutos e ficar na reta onde os baratões passariam no final do dia.

CONTINUA

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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