O curioso caso da voz misteriosa no camping

De vez em quando esbarro numa história esquisita meio sem pé nem cabeça pela internet. Uma dessas histórias é a que contarei em seguida. Basicamente, ela trata da estranha aventura de uma  mulher de Seattle, que  precisava dar uma pausa na agitação da cidade e decidiu fazer algo muito comum nos EUA: férias no campo, para espairecer.

Ela parou em um camping gratuito, sem saber que um encontro muito estranho a esperava. Ao que parece, essa história foi enviada pela mulher para Lon Strickler.

Eu armei minha barraca no crepúsculo crescente. Não havia ninguém lá além de mim, então eu tinha muito espaço livre. Depois de um rápido almoço de maçãs roubadas de um acampamento anterior, fiz gravações de áudio para meu diário de viagem e fui para a cama.

Não sei quanto tempo dormi. Eu sei que verifiquei a hora quando acordei, mas que se danem se conseguir lembrar qual era. Algo perturbou meu merecido descanso, mas eu estava cansada demais para lembrar o que era. Acordei e sentei subitamente, em um estupor, alerta demais para voltar a dormir, mas sonolenta demais para acordar completamente.

Então algo tocou a parede da minha barraca do lado de fora e de repente tive um impulso estranho. Era como se não tivesse adormecido. Devo dizer que naquela época eu já tinha bastante experiência de passar a noite em acampamentos, então eu estava familiarizada com todos os sons e farfalhar dos animais noturnos, dos guaxinins a coiotes. E eles não me incomodaram em nada.

Mas ali estava alguma coisa que se movia em duas pernas, e percebi que era a primeira vez que encontrava algo assim. Imediatamente cheguei à pior conclusão: só pode ser um urso!

Há muitas informações conflitantes sobre como lidar com ursos se eles atacarem você, e muito depende do tipo de urso. Sentada lá no escuro na tenda e ouvindo meu coração bater na garganta, eu não sabia dizer com qual urso eu estava lidando. Gritar com aquilo ou fingir estar morta?

Eu estava a apenas trinta metros de um banheiro de bloco de cimento sólido que poderia ter sido o melhor esconderijo. Então calcei minhas botas o mais silenciosamente que pude e me preparei para correr. À noite, o som dos ziper da barraca parecia incrivelmente alto enquanto eu abria centímetro por centímetro. Eu me movi dolorosamente devagar.

Inclinando-me, estiquei o pescoço para ver se havia um urso no caminho entre minha barraca e o banheiro. O céu estava muito estrelado e à luz da Via Láctea tive uma boa visão do acampamento até o final. Não havia ninguém suspeito para ser visto.

No entanto, senti que algo estava perto, me observando. Era como a sensação de ter um inseto subindo pelo meu pescoço. Eu não tinha como saber de que lado estava ou a que distância, mas tinha alguma coisa ali perto da barraca. Eu podia sentir.

Disparei. Eu corri, tentando não esmagar o cascalho muito alto sob meus pés. A porta externa do banheiro estava simplesmente apoiada com uma pedra, mas por dentro havia uma fechadura sólida de trinco. Eu teria que passar a noite cercada pelo cheiro de excrementos humanos, mas achei que era um acordo justo, desde que eu não fosse atacada ou comida por um animal selvagem  carnívoro de 500 kg.

Ouvi o terrível barulho de passos no cascalho atrás de mim e não hesitei mais – chutei a pedra que sustentava a porta e depois bati a pesada porta de metal atrás de mim, sem me importar com o barulho que estava fazendo.

Eu consegui ouvir claramente que a coisa correu atrás de mim. Mas eu fui rápida o suficiente para pular para dentro do banheiro e trancara  porta. Eu ainda estava ofegante, quando para meu espanto, ou melhor dizendo, horror, eu vi a maçaneta girar.

Ursos não conseguem fazer isso. O que quer que fosse que estrava ali fora claramente tinha polegares porque se agarrava à porta, forçando-a. Agora eu lutava para fechá-la.

No topo da estrutura do banheiro havia uma malha metálica para ventilação. Através dela, ouvi uma respiração pesada, exatamente como a minha. Meu algoz estava ofegante também.  Pensei em ligar para a polícia, pedir socorro. Mas me dei conta em seguida que o telefone  ficou na minha barraca porque foi tudo muito rápido. E eu sou uma idiota. Foi o mesmo impulso estúpido que me levou lá ficar sozinha no mato, em primeiro lugar.  Foi então que algo bizarro ocorreu:

– “Oi?” –  Veio uma voz do outro lado da porta.

Hã? Como assim? Minha reação, é claro, foi ficar muda. Literalmente paralisada de medo. Tentei me tranquilizar: Não era um monstro ou urso. Era só alguém. Tranquila. Continuei em silêncio. Talvez eles não tenham me ouvido.

– “Olá?” – A voz insistiu. Era mulher. Racionalmente, isso devia ter me tranquilizado um pouco mais.

Porém, eu quase me irritei com isso. Eu estava no lugar certo. A voz era feminina, como a minha, mas quando a ouvi, foi como se tivesse levado um soco no estômago. Eu não posso nem dizer por que me senti tão desconfortável.

-“Desculpe, eu pensei que era a única aqui”, eu decidi dizer.

– “Estou sozinha”. -Ela disse, meio lentamente. Notei cada sílaba.

-“Desculpe, eu fiquei com medo. Eu  pensei que ninguém estivesse aqui!”  – Eu disse, ainda do outro lado da porta trancada.

-“Desculpe. Estou aqui!”,  – Ela respondeu, mas foi de um jeito estranho. Ela ainda mexia na maçaneta.

Você teria pensado que agora que eu sabia que era outro turista, eu iria naturalmente abrir aquela porta, mas… Não abri.  Não sei. Não consegui. Algum instinto profundamente esquisito não me permitiu tirar a mão do ferrolho da trava.

-“Ei, você me assustou pra caramba. Há lugares para barracas nas árvores ou algo assim?”

Houve um breve silêncio. Talvez fosse uma estrangeira… Não sei se ela me entendeu, pois a resposta foi:

– “Estou em outro lugar. Há mais.”

Suas palavras me deram um puta cagaço. Mais uma vez, eu não poderia nem dizer o porquê. A julgar pelo seu jeito estranho de falar,  estava bem claro pra mim que o inglês não era sua primeira língua.

-“Você precisa usar o banheiro? Vá para outro lugar porque eu vou ficar aqui por um tempo”, eu disse.

Não era mentira. Eu não abriria aquela porta agora, mesmo que minha própria mãe estivesse do outro lado.

A maçaneta girou freneticamente em minha mão. Do outro lado, a “moça” parecia estar ficando impaciente:

– “Você precisa sair!”

Notei que agora seu conhecimento de inglês melhorou a cada frase. Havia algo estranho nisso.

– “Olha, me desculpe se eu te assustei, mas você começou isso vagando no escuro. Desculpe, eu não vou sair daqui. Você pode ir para outro lugar? Eu só vou sair de manhã, eu prometo. Eu só queria dormir em paz.”

–  “Você precisa sair. Eu prometo que vou sair no escuro mais tarde. Você não deveria estar aqui de manhã.”

O medo se apoderou do meu ser. Eu tremia feito vara verde. Quanto mais eu falava, mais ela falava, e eu não queria mais ouvir aquela voz. Tenho certeza de que isso me faz parecer uma doida ou algo assim, mas eu tinha a sensação de que a estava “alimentando” com as minhas palavras, e essa sensação não era agradável. Parecia que ela estava com muita “fome”.

O mesmo instinto que me disse para ficar em silêncio na primeira vez me impediu de falar com ela novamente. Ou eu estava lidando com alguém que não estava mentalmente bem, ou era alguém completamente diferente. Havia uma ameaça em suas palavras, ou na maneira como ela as pronunciou, e eu não tinha dúvidas de que naquele lugar ermo, ela poderia cumprir essa ameaça.

Mantive minhas mãos no ferrolho e na maçaneta, até que ela se cansasse e, por fim, os primeiros raios de sol abriram caminho lentamente através da grade metálica no topo das paredes do meu abrigo. Mas eu não saí  até que o sol estivesse forte o suficiente para me fazer suar em meu cubículo de concreto armado. Com o sol me senti um pouco mais segura para falar novamente.

– “Olá? Você ainda está aí? Alô? Alguém?”

Não houve resposta, e foi o melhor resultado que eu poderia esperar. Eu abri a porta. Ninguém lá fora.

 

Minha barraca estava intocada, pelo menos à distância. A sensação opressiva de que eu estava sendo observada tinha sumido. Me vesti e arrumei minhas coisas em tempo recorde. Depois fui para a  moto e quando decidi colocar o capacete, vi as pegadas.

Notei uma pedra. Eu tinha jogado essa pedra bem longe na noite anterior, mas agora ela estava perto da minha moto. Naturalmente, fui vê-la. Eu deveria saber.

Havia uma única impressão no contorno claro da terra fresca, na pedra lisa e cinzenta. Não uma pegada de uma pessoa, mas uma pegada que se assemelhava a algum tipo de casco ou algo que se pareça com um casco de cavalo ou cabra,  sem ferraduras. Era bem definido. Ontem à noite, quando fui lavar o rosto antes de ir para a cama, passei ali e a pegada não estava lá.

Então eu vi mais das mesmas impressões. Elas estavam marcadas na terra macia na frente da porta do banheiro, alguns deles sobre minhas próprias pegadas.

Só mais tarde percebi o que havia de errado com aquela voz feminina. Ela não soava como a minha voz, ela copiava exatamente a minha voz. Percebi isso quando ouvi minhas gravações de áudio daquele dia.”

FIM

Esse caso me chamou a atenção, primeiro porque é uma ótima história de suspense. Eu não sei se é real ou uma creepy pasta, mas seja como for, ela tem bons elementos de mistério. Quem seria a estranha figura que a perseguiu? O inicio da história me lembrou um caso de abdução, mas então ele evolui para o que parece ser algum tipo de estudo, com a criatura, vamos dizer assim, tentando persuadi-la a sair da proteção. Talvez ela estivesse sendo analisada e suas reações de medo estivessem sendo estudadas.

O lance da pegada que lembra a de um bode no final é um plus. Teria sido o que? O diabo? Hahahaha não sei. É uma história legal, a pegada final dá um toque de histórias clássicas vitorianas de diabos soturnos surgindo na escuridão, nesse caso, num camping longe de tudo e de todos, o que contruibui bastante para a sensação de medo.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. O texto é bacana, mas não convence. Casco de cabra é fendido e pequeno, não dá pra confundir com o de um cavalo. E ela ter gravado o tal diário foi bastante conveniente, para que a ‘entidade’ tivesse uma amostra da voz dela para imitar.

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