O chaveiro das bolinhas

Baseado (totalmente) em fatos reais:

Não sei o nome deles, é por isso mesmo que eu vou inventar. MAs que fique claro ao meu amigo leitor que o resto é todo verdade. Pelo menos até a parte inventada.

Renato conheceu Letícia na boate. Começaram a bater papo meio que por acaso. Logo pintou um clima.
Uma coisa leva a outra e sabe como é. Eles ficaram e ficaram de novo e mais uma vez e outra. Ficaram juntos até aquele estranho ponto onde já deixaram de ser só amigos faz tempo, mas ainda não são namorados oficiais.

Foi quando o grande dia chegou. Renato foi convidado para ir até a casa de Letícia. Ainda não era a apresentação formal do namoro, aquela que acontece no domingo de manhã e onde você tem que ir – e repetir – a comida da sua sogra.

Nesse dia Renato faria a primeira incursão no território perigoso da casa da amada, onde cada passo conduz a possíveis perigos, cada frase deve ser estudada e os gestos muito comedidos, porém não ao ponto de incomodar os anfitriões.

No tempo que passavam juntos, passeando no shopping, batendo papo no barzinho, encontrando na praia, ela falava muito sobre sua família pra ele. renato caminhava para a casa de letícia pensando nisso. De certa forma ele já conhecia aquela família, o pai, o irmão, a mãe, a profissão do pai, as manias, as brigas de Letícia com a mãe, as idiossincrasias da família, o drupy…

O drupy era o cachorrinho de Letícia. O neném da casa. Uma coisa que fazia bem a interseção do patético com o ridículo, porque era mais um desses cães que era tratado como filho. Pior, como filho manhoso e ranheta, cheio de vontades. Drupy definia quando queria passear, Drupy fazia pipi onde bem quisesse, fosse no chão da sala, fosse na cama dos donos, que não esboçavam nenhuma reação sequer de raiva com tão formoso pomponzinho.

Drupy comia seis tipos de ração que deveriam ser misturadas em proporções britãnicas com pedacinhos de banana. Mas só comia se a dona lavasse seu potinho antes e colocasse água filtrada na vasilha.
Era um poddle toy com pelinhos enrolados como um cabritinho. Um latido tão esganiçado quanto deveria ser sua insignificância no mundo, mas não naquela casa. Na casa de letícia Drupy que mandava e maior medo que do sogro, Renato só temia não ser aceito pelo Drupy.

Chegando lá, se anunciou e no fundo da voz de Letícia distorcida pelo precário interfone, ele já ouviu o esganiçado latido.

No elevador Renato deu o último trato no visual, abaixando aquele cabelinho idiota que insistia em ficar espetado para cima. Nada que um pouco de cuspe não grude.
A porta se abre e… Um corredor escuro. Renato pisa com o pé direito para fora do portal e no fim do corredor, na escuridão completa começa a ouvir algo cheirando.
Um latido ecoa pelo corredor e uma luz se acende, revelando uma porta que começa a se abrir lá no final.

Surge o formoso rosto de Letícia. Ela diz alguma coisa mas não dá para ouvir nada, porque só o que see ouve no inacústico corredor são os latidos esganiçados do Druppy.
Ele só cala a boca quando a Letícia o pega no colo.
Cão ciumento. Só o que faltava.

Letícia pede desculpas enquanto Druppy rosna para Renato. Ela não pode dar nem um beijinho nele, porque o Druppy tem ciúme da “tícia, né drupinho????”
Renato meio consternado, entra na sala se esgueirando pra longe do druppy, que o acompanha com um olhar fixo.

Na sala não há ninguém.
Ao perguntar pelos pais dela e irmão, todos haviam viajado e ela estava sozinha em casa, se preparando para sair. Letícia revela que haverá um aniversário de uma amiga que não via há tempos e que ela gostaria de ir. Renato topa na hora, afinal não pega bem o sogrão chegar de viagem e dar de cara com o “galalau” sentado na poltrona dele, justamente no lugar preferido dele!

Letícia com cuidado maternal coloca cruppy no chão. Ele se esperneia e corre para as pernas de Renato. Começa a cheirá-lo feito louco.
“É o primeiro passo” pensa Renato, afinal, Drupy já não estava mais rosnando nem latindo.

Letícia sai para tomar banho e deixa Renato e Drupy na sala.
Renato olha para Drupy que naquela altura do campeonato, não parecia assim tão chato. Ele estava animado brincando de morder o cadarço do tênis do Renato.
Renato abaixa a mão para acariciar druppy, que leva um pequeno susto, mas gosta do afago.

Eles ficam uns dez minutos brincando e já são amigos.
Letícia passa pelo corredor só de toalha e pede para Renato esperar mais um pouquinho, que ela vai se vestir.
Renato acena com a cabeça e vendo druppy saltando sobre ele, lembra-se do chaveiro de bolinhas que ganhara de Letícia no aniversário.

São seis bolinhas de aço inox do tamanho de bolinhas de gude numa correntinha.
Renato fica brincando de jogar a correntinha e druppy alucinado tentando pegar.
Druppy está animado, latindo e tentando acertar as bolinhas com a mordida quando renato faz um movimento para surpeender Drupy.

O cão se assuta e move-se na direção errada.
O chaveiro acerta em cheio o cocuruto da cabeça do Druppy, que cai duro na hora.
Parece até um cão de brinquedo. Não late, não rosna. Estica as pernas e cai de lado. Durinho.

Sem ação, Renato fica olhando. Nada. O bicho tá parado. Não reage, não respira.
Com cuidado, Renato põe a mão na barriguinha. Nada. O coração não bate.

“Putaquipariu! Matei o cachorro!” – Pensa Renato. Pânico.
O que fazer? Como contar a LEtícia que o “drupinho liiiiindo da Tícia” morreu? Empacotou? Comeu capim pela raiz? Fez beicinho? Foi pra terra do pé junto?

“Não contar! Lógico.” – Pensou Renato, enquanto esquadrinhav a sala em busca de algum lugar pra desovar o cãozinho.
Renato abaixou-se e segurou firme as patas do falecido. Dobrou-as com certo esforço. Incrível como as patas do cachorro morto ficam rijas.
Dobrou de qualquer maneira e enfiou sob o sofá.
Nisso a porta do quato abriu.

-Cloc, cloc, cloc… Veio Letícia de salto alto pelo corredor.
Na sala, lá está Renato calmamene no sofá olhando uma revista. O cão empacotado escondido sob o sofá.
– Ué. Cadê o Drupy?
– Er… Não sei. tava aqui e foi lá pra dentro eu acho.
– Ah… Então vamos sair de fininho pra ele não chorar. – Diz ela feliz.
– Claro, claro. Ele não vai nem ver! – Diz renato com uma indisfarçável vergonha.
Eles saem ela fecha a porta e vão para a balada.

No dia seguinte, liga Letícia aos berros. Drupy havia morrido.
Que pena, que pesar. Que momento difícil. Foi nestas condições que Renato conheceu a família de Letícia no velório do Druppy. Mas a vida é assim. Vai-se um cachorro, entra outro pra família.

FIM

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. Show, pior que conheço uns dois casos pelo menos de problemas com cachorros de namoradas, hehehhehehe

    Valeu pelo Banner Philipe!

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