O caçador

Já estou de saco cheio de esperar.
Um mosquito desgraçado teima em me aporrinhar os ouvidos tentando me morder…

Nós resolvemos usar uma cabra velha morta doada pelo vilarejo do qual nem mesmo me lembro o nome, que fica a uns cem quilômetros rio abaixo.
Custou a escurecer hoje, depois dessa maldita chuva tropical. Pelo que vejo a única coisa pontual neste lado do país. Ela vem, dia após dia, com o abafamento que se dá sempre que chove aqui. Talvez por isso eu me incomode tanto em ficar molhado, como um macaco escondido aqui nesta moita falsa com o rifle pesando nas mãos esperando nosso convidado aparecer…
Tentamos a mesma coisa já fazem três malditos dias, e nada.
Parece que ele sabe de nós, de nossas intenções, de minhas esperanças…

Pelo menos os inseto irritantes se foram e os animais idiotas do mato sossegaram finalmente, deixando um silêncio para que eu pudesse pensar um pouco; se é que é possível com este cheiro de podre que sai do defunto de cabra dependurado no alto da árvore aqui bem na minha frente.
Realmente, eu sei que parece idiota ficar pensando isso agora, mas quando eu falei com o pessoal do grupo ninguém acreditou em mim. Diziam que eu estava sendo alvo de uma piadinha de mal gosto feita por um pajé qualquer. Mas quem se importa realmente com isso?

Ora… A quem estou tentando enganar? Eu me importo!

Se o bicho maldito não aparecer logo, eu vou acabar desistindo de ficar aqui no mato, com os insetos, esperando e esperando…

-Um ruído ecoou no súbito silêncio da floresta Amazônica.
-Ops! Será que é ele? Será que é o bicho? Existe mesmo? – Era um som gutural, abafado e pesado de algo grande movimentando-se por dentro do mato. Galhos quebrando, poças da chuva explodindo à todos os lados. Animais em disparada rompiam o silêncio. Estes, pobres animais, dominados pelo pânico eram os que haviam ficado para trás na discreta fuga em massa minutos atrás.
O som continuava, aumentando sua trajetória indicando a proximidade do gigante.
-Lá vem ele. Só pode ser…O pajé estava certo mesmo. Ele não era maluco como eu já começava a pensar.

Meu Deus! Não estou conseguindo me controlar…Não existem elefantes na floresta do Brasil. Eles sobreviveram mesmo.
Está vindo! Está vindo! Pegar a arma, Baixar a isca, preparar mira telescópica, apontar…

– A imensa cabeça escura surgiu por entre os galhos grossos do alto da mata. Parou. Parecia saber da presença do caçador ali, grudado na árvore. Petrificado de medo o suficiente para não esboçar nenhum movimento.
O dinossauro soltou um grunhido estranho, meio oco. Parecia um trompete tocado num velho disco em baixa rotação. Os diminutos olhos moviam-se com dificuldade tentando enxergar algo.

-Aimeudeus! Ele me viu..- Pensou.

O animal lentamente iniciou um avanço em direção a ele. Os olhos fixos nele.
– Fugir!!!! Tenho que fugir!- Mas não conseguia. Estava todo urinado… Em alguns segundos ele seria o primeiro homem da história a morrer comido por um dinossauro.

Foi quando, de trás dele, pulou um outro daqueles, que ele nem mesmo sabia o nome certo. Era da mesma espécie. Um pouco menor, porém.

– Puts! Tô no meio da briga! Existe mais de um…dinoss…- Não deu tempo para continuar o pensamento. A briga tinha se iniciado. Os dois gigantes animais se degladiavam com mordidas numa gritaria selvagem. As caudas imensas batiam em árvores derrubando folhas para todos os lados. O som era altíssimo. Gritos e urros podiam ser ouvidos a quilômetros, o que não adiantava nada, uma vez que ele estava no meio da maior floresta do planeta, mais de oito dias de distância do afluente que o levou até aquele vale.
Ele havia chegado até lá seguindo cegamente a localização imprecisa e mal desenhada numa folha de caderno por um índio garimpeiro que conhecera na zona do baixo meretrício, entre um peitinho e uma garrafa de pinga…

Claro, que, a princípio, ele como qualquer pessoa normal, havia achado que tudo não passava de mentira daquela figura desdentada e enrugada. Mas quando ele me olhou firme no único olho do índio que além de velho, desdentado e enrugado, era caolho, usando olho de vidro de cor diferente do outro, provavelmente fruto de uma troca generosa de meio quilo de ouro com contrabandistas de cocaína que tinham um barracão na sua aldeia. Ele viu a verdade. Viu o medo e compreendeu que aquele era mesmo o último lugar selvagem do planeta Terra.
Os índios passavam cocaína por dentro da mata, nas trilhas que o povo daquele velho e enrugado garimpeiro haviam construído até Manaus.
Realmente ainda haviam dinossauros no Brasil.
O primeiro deles parecia estar ganhando a posse sobre o defunto da cabrita pendurada na árvore. Os dentões haviam manchado de sangue tudo à volta. Os bichos brigavam no chão espalhando uma poeirada danada no ar.
Subitamente, um deles parou. Estava morto. O outro, mais escuro, provavelmente um macho, mais forte, levantava-se nas duas patas traseiras com certa dificuldade. Estava todo arranhado e mordido, com feridas profundas por todos os lados do corpo. Uma fileira de buracos minava um sangue grosso da coxa dele. Uma artéria rompida fazia daqueles buracos uma pequena cascata de sangue escuro. Mas o animal parecia não se importar. Virou-se para a cabra cadavérica e esticou o pescoço em seua direção.

Era a chance que ele estava esperando. Preparou o rifle de matar elefante, mirou no meio da cabeça do bicho e mandou ver no gatilho.
O eco do tiro em explosão ecoou na floresta. Ao longe, papagaios coloridos levantaram vôos gritando. E fez-se um interminável silêncio.
O animal retesou todo o corpo e ficou parado. Aquela imensa estátua negra no interior da floresta Amazônica petrificou como se fosse de pedra.

O caçador havia errado o tiro. O animal virou a cabeça na direção dele e abriu a boca de dois metros. Iniciando com ela um movimento de todo o gigantesco corpo em uma marcha assassina para cima do caçador, que desesperado tropeçava em galhos e catava “cavacos” na tentativa de fugir.
Toda a floresta à sua volta tremia com a corrida do dinossauro atrás dele. Parecia a selvagem caçada de uma galinha a uma barata. O animal alcançava-o a cada enorme passada.
O caçador sentiu o bafo quente do animal no seu cangote. Os dentes fecharam-se à sua volta. Perfuraram sua barriga e ele não mais sentiu as pernas. Tudo escureceu.
O dinossauro sacudia o que restava do corpo do caçador par os lados até que se arrebentou no meio e jogando a enorme cabeça de lado ele abocanhou todo o tronco superior e enfim pôde engolir. Girou com habilidade seu corpanzil pelo meio das àrvores e voltou-se para a floresta passo a passo. Ia sumindo no meio da mata, tragado aos poucos pela imensidão verde. O som dos pesados passos do dinossauro sumia lentamente enquanto um ou outro passarinho se atrevia a cantar. As cigarras do anoitecer reiniciaram seu canto e a floresta voltou a sua paz atribulada.
Os dinossauros não mais foram vistos e assim, estão até hoje no interior da floresta amazônica do mesmo jeito que o índio.
E por falar no índio, ele está bem, com seus descombinados olhos vesgos e pele enrugada, ainda na zona, entre um peitinho e uma garrafa de pinga, convencendo outro aventureiro estrangeiro a capturar a maior criatura de todos os tempos.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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