A mulher está sentada na cama. Tem os olhos vermelhos de chorar. Ela fica em silêncio. Um cigarro queima no cinzeiro sobre o criado mudo.
Ela olha para o telefone. Imóvel.
Limpa as lágrimas dos olhos.
O telefone toca. Ela atende em silêncio. Não diz alô nem pergunta quem está falando. Apenas escuta, segurando o quanto pode os soluços.
Do outro lado da linha, na rua, sob uma chuva torrencial, um homem fala no orelhão:
– Minha querida, não sei mais o que acontece comigo, não consigo tirar você da minha cabeça…
– Lá vem você de novo com esta conversa, doido pra me enrolar.
– Já não sei mais o que preciso fazer para provar…
– Não perca seu tempo.
– Nossa vida é a mais linda história de amor que alguém jamais poderia imaginar…
– Falar é fácil. Suas palavras doces não são mais suficientes para me enrolar.
– Não paro de pensar em você. Em casa, no trabalho. Você não me sai da cabeça…
-Vou desligar. Você é um doente, uma pessoa sem coração. Você é o fruto mais podre, que até os vermes vão recusar.
-Por favor não se vá. Me deixe terminar.
– Você é um mentiroso, um manipulador de ilusões. Um predador de almas…
– E você é o vento quente que me acorda na noite. É o frio do mar que me recobre o corpo. Você é o som que eu escuto, o gosto doce que sinto na boca, o perfume das flores, você é o pensamento feliz e as memórias boas de nós dois…
– Palavras, mentiras, mentiras. É tudo que você sabe dizer.
– É tudo que eu sei dizer, porque sou prisioneiro do amor…
– Prisioneira sou eu desse destino cruel de ter conhecido você. Me apaixonei cedo e olha o que me tornei… Uma mulher amarga, fria e triste, sozinha, sozinha, sozinha… Sem destino.
– O amor, só ele poderá nos libertar.
– Mentiras, mentiras, mentiras.
– O que eu posso fazer?
– Mentiras, mentiras, mentiras…
– Quero lhe provar…
– Mentiras, mentiras mentiras…
– É tudo o que você diz?
– Mentiras, mentiras, mentiras!
– Eu te amo! Eu juro!
– Mentiras, mentiras, mentiras, mentiras. Você só sabe mentir, desgraçado!
-Mas é verdade, a verdade é que você me pertence e eu sou todo seu. Somos feitos um para o outro mas você não quer aceitar…
-Você ligou, e vem ligando desde a semana passada. Não agüento mais. Vamos dar um basta nessa situação.
-Tudo que eu quero é que você me compreenda…
-Lá vem você…
– Eu ligo e ligarei quantas vezes for preciso…
-Você teve sua chance. Teve sua chance e resolveu desperdiçar…
– Aquela mulher não significou nada pra mim…
– É tudo que você sabe dizer…
– Repetirei hoje, amanhã… Não posso perder a esperança.
-Você volta como um rato, um ser abjeto e abusa da minha paciência.Volta pra outra, e talvez você seja mais feliz… Me deixe em paz.
-Você tenta se enganar. Eu sei que você também está sofrendo.
– Conversinha fiada de buteco não me ilude mais.
– O que preciso fazer pra te provar? Diga? Meu amor por você…
-Muito obrigado, enfie essa prova onde preferir, que eu tenho amor próprio. Sinto nojo de te ver rastejando, pedindo o perdão que sabe que não vai receber. Você é um canalha e ela uma bruxa. Destruíram a minha felicidade.
-Por favor, acredite nas minhas palavras.
-Palavras? Só mentiras, mentiras, mentiras.
-Me escuta, é tudo que eu te peço.
-Mentiras mentiras mentiras…
-Por favor, só mais uma chance.
-Mentiras mentiras, mentiras…
-Eu imploro!
-Mentiras, mentiras, mentiras, mentiras, é tudo que você vai repetir…
-Que você é minha…
-Mentiras, mentiras, mentiras…
-Que eu te amo…
-Mentiras, mentiras, mentiras.
-Que você ainda me ama…
-Mentiras, mentiras, mentiras…
-Volta pra mim….
-Mentiras, mentiras, mentiras… Tudo que sai da sua boca são mentiras. Que agora você desperdiça comigo. Você não some da minha vida. Eu sumo da sua. Adeus.
Ela desliga o telefone e encosta o cano frio da arma na cabeça. Com força puxa o gatilho e num estampido seco, tudo gradualmente se apaga.
Um relâmpago corta o céu iluminando a rua escura. O homem desliga o telefone e vai embora, perdendo-se na escuridão.
FIM
Sei lá de onde veio isso…. Quer dizer, eu sei. Eu estava escutando uma musica antiga em que a Dalida, canta com o Alain Delon. Tive vontade de readaptar a musica de algum jeito. Saiu isso aí. Quem ficou curioso, pode ver aqui:
O maluco tinha realmente um naipe fera. Quem me dera se eu tivesse um visual assim… Já tava na novela das oito.