Já vi mãe superprotetora mas igual essa aqui eu nunca vi.
Uma mãe amorosa na província chinesa de Henan gastou mais de um milhão de yuans (154 mil dólares) construindo duas passarelas de metal em frente à escola de seu filho, para garantir que ele e as outras crianças não precisem atravessar a rua.
A mulher, identificada apenas pelo sobrenome, Meng, disse recentemente à Henan Television Station que a estrada em frente à escola de seu filho estava sempre congestionada quando os pais deixavam ou buscavam seus filhos e, sem semáforos instalados nas proximidades, atravessar a rua estava um caso perigoso para alunos e professores. Outra razão pela qual ela gastou dinheiro do próprio bolso para construir as passarelas ao longo da estrada era que a escola ficava em um terreno mais baixo e as poças que se formavam constantemente na estrada faziam com que seu filho sempre voltasse para casa “com os pés molhados”.
“As poças eram profundas e é muito difícil atravessar a rua”, disse a mulher . “A água escorria pelas escadas onde os alunos esperam os pais como passarinhos. Eles pareciam miseráveis. Os pés do meu filho ficaram brancos porque estavam encharcados de água. ”
As duas passarelas, uma quase concluída e a outra em fase de lançamento, foram aprovadas pela secretaria local de habitação e desenvolvimento urbano-rural, mas a sua construção foi financiada exclusivamente pela misteriosa benfeitora.
A Sra. Meng disse que nunca revelou para o filho que pagou as novas passarelas, porque não quer que seu filho seja vaidoso para com as outras crianças. Ela só espera que sua contribuição ajude a manter a segurança das crianças e da equipe de ensino e possibilite que as crianças recebam boa educação.
“Acabei de fazer o que posso fazer. Você não pode levar dinheiro com você após a morte e eu não preciso deixar muito dinheiro para meu filho. Vou chamar a ponte de Ponte da Sabedoria. Os alunos que cruzam a ponte podem ficar cada vez mais sábios. ”
Esta história tem recebido muita atenção na China, com a maioria dos usuários de mídia social elogiando a mulher por sua contribuição bondosa. Ela poderia ter feito tantas coisas para beneficiar apenas a si mesma e sua família com aquele milhão de yuans, como comprar alguns apartamentos ou uma casa, mas ela decidiu fazer algo para toda a comunidade em vez disso.
O caso também jogou luz ao extremo cuidado com o qual os filhos vem sendo tratados na China. As crianças estão sendo cada vez mais mimadas por lá.
Crianças mimadas
A política de filho único gerou diversas consequências sociais e psicológicas para os chineses. O raciocínio é relativamente simples. Na década de 70, a China apresentava um desenvolvimento econômico menor do que o crescimento populacional. Havia fome, uma taxa de mortalidade altíssima e inúmeros problemas sociais. A solução: diminuir a população. Assim que, em 1979, a política do filho único foi instituída.
“Ao longo de mais de vinte anos, desde o início da política do filho único até pouco antes de a lei ser sancionada, a taxa de natalidade na China caiu de 5,44, em 1971, para 1,84, em 1998. Esses quase trinta anos de controle de natalidade resultaram em 238 milhões de crianças a menos na China. Em 2012, esse número havia inchado para aproximadamente 400 milhões de nascimentos a menos”, conta a jornalista chinesa Xinran em seu livro Compre-me o céu: A incrível verdade sobre as gerações de filhos únicos da China (Companhia das Letras).
Xinran se sentiu motivada a pesquisar e escrever sobre o assunto quando presenciou uma conversa familiar na China: uma criança pedia que seus pais lhe comprassem o céu. Em vez de responder que isso é simplesmente impossível, os membros da família se revezaram para contar várias desculpas, entre “compramos quando chegarmos em casa” e “será seu presente de aniversário”.
Não, os chineses não têm uma fórmula secreta para comprar o céu – só não são capazes de dizer não para seus preciosos filhos únicos.
Para investigar o tema, Xinran entrevistou 10 adultos filhos da primeira geração da política, nascidos entre 1979 e 1984, e seus pais. Ela teve contato próximo com a maioria deles na Inglaterra, onde mora desde 1997: filhos de amigos e voluntários na ONG The Mothers’ Bridge of Love, são jovens adultos que tiveram suas personalidades expostas ao entrarem em contato com um ambiente estrangeiro.
Um dos primeiros entrevistados de Xinran é Du Zhuang, que morou por algum tempo na casa da autora depois de ter terminado a faculdade na China. A grande questão é que o rapaz não era capaz de fazer nada sozinho: Não sabia cozinhar nem se virar na cozinha, considerada um “ambiente perigoso por conter facas e fogo”. Não sabia desfazer suas malas e organizar seus pertences no quarto (até então, sua mãe fizera isso). Não sabia se comunicar ou estabelecer relações pessoais.
O cenário se repete, em maior ou menor grau, com todos os entrevistados de Xinran. Com isso, a autora começa a desenhar sua hipótese: a política, que teve algum êxito econômico, foi uma catástrofe emocional e psicológica para as famílias chinesas.
“Seria possível argumentar que se trata de uma grande contribuição para o controle de população global. Porém, é mais difícil avaliar o custo daquilo que duas gerações chinesas tiveram de aguentar. Incontáveis famílias financeiramente arruinadas por multas, números incalculáveis de bebês do sexo feminino abandonados, um envelhecimento catastrófico da população e gerações de filhos únicos que perderam a chance de experimentar as estreitas relações entre irmãos”, resume a autora.
No centro do mundo
Os pais da primeira geração de filhos únicos passaram pela Revolução Cultural, um período de grande instabilidade política e social, e tinham suas experiências e relacionamentos marcados por isso. “Os filhos dessas famílias eram o produto da derradeira era chinesa de políticas extremas, em uma época em que a família e a educação social ainda eram ditadas por tradições fechadas e campanhas de terrorismo político”, conta Xinran.
Assim, ao serem obrigados a ter um único filho, todas as expectativas são concentradas em apenas uma pessoa. Tradicionalmente, o filho é quem mantém a tradição familiar. A morte de um filho único mais velho, quando o casal provavelmente não terá mais filhos, é o fim de uma família (o que aconteceu com a morte de 250 mil pessoas no terremoto de Sichuan em 2008). O que justifica o cuidado extremo (muitas vezes que beira o absurdo) para manter o filho vivo.
Ao mesmo tempo, todo o conforto material que antes seria diluído entre uma família numerosa também é concentrado em apenas uma pessoa. Xinran relata:
“Os sociólogos chineses sustentam que desde tenra idade os filhos únicos chineses são mimados pelos pais, por amigos e familiares, e ensinados e treinados na escola de tal forma que nunca têm a oportunidade de se responsabilizar pelas coisas”.
Xinran acredita que a política criou gerações de indivíduos mimados e sem capacidade de empatia ou de se ver em sociedade, além de criar uma relação tensa entre pais e filhos. Ela cita um relatório chinês que indica que conflitos e distância entre pais e filhos marcam as relações de pelo menos metade dos lares. Tanto que a autora resume essa relação familiar e social complexa com um termo inesperado: “bicho de estimação”
(como os filhos se sentem em relação aos pais) e “escravo” (como os pais se sentem em relação aos filhos).
Filhos se ressentem em relação aos pais quando percebem que não têm as habilidades necessárias para viver no mundo; os pais se ressentem dos filhos que tiveram todas as oportunidades de uma vida plena e não as aproveitaram.
O Futuro
Em outubro de 2013, a política do filho único foi reformulada, principalmente pelo envelhecimento da população, e o número agora se encontra em dois filhos. Ainda assim, a política que durou 34 anos deixou marcas profundas na sociedade.
“A primeira geração de filhos únicos da China, que eu estivera acompanhando por dez anos, atingiu a idade de casar e de ter filhos em 2002. Agora, mais de 10 milhões de famílias dessa geração estão criando seus próprios filhos. Isso deu lugar a uma ‘idade de pais-filhos únicos’ inédita na história chinesa”, conta Xinran. Em geral, eles não estão interessados em ter filhos e não sabem lidar com as responsabilidades de uma vida adulta. Para Xinran, essa é “uma geração tão acostumada a ser o centro das atenções que ressentem os filhos por conta do tempo e espaço que tomam”. Como isso impactará na geração a por vir ainda é uma incógnita.
De volta à mãe cuidadosa que construiu pontes para seu filho não precisar atravessar a rua, será um reflexo disso? Eu realmente acredito que sim, mas há todo um parque de racionalização que reveste esse medo e cuidado doentio, para não parecer tão estranho e é por isso que ela diz ter feito essa benfeitoria para as crianças da escola. No entanto, é muito raro vermos pessoas metendo a mão no bolso para fazer investimentos infra estruturais para as cidades. (aqui onde eu moro, há um caso bizarro de um condomínio que fez um calçamento na rua de acesso ao mesmo que estava toda esburacada… E a prefeitura DEMOLIU logo depois, deixando de novo a via nos buracos.)
Escola de machão
O problema, em termos econômicos, é que a população chinesa está envelhecendo. Além da redução da força de trabalho;a ONU estima que o encolhimento será de 17,3% em 2050 ;, o comportamento dos filhos únicos pode ser outro empecilho. Estudos mostram que aqueles nascidos sob essa política são menos propensos a escolher ocupações mais arriscadas, como trabalhar no setor financeiro ou ser autônomo. A preocupação é falte nessa geração a habilidade empreendedora, o que pode ter consequências econômicas negativas, dizem Gangadharan e Cameron, Pesquisadores da Universidade Monash em Clayton, na Austrália, que investigam os aspectos psicológicos e sociológicos das políticas do filho único na China.
Do mesmo modo, níveis baixos de confiança podem impactar na capacidade dos indivíduos de negociar e trabalhar de forma cooperativa com os outros, completam.
Talvez seja isso que explique um outro fenômeno igualmente estranho que vem surgindo na china: “Escolas de machão”
Chineses acreditam que seus filhos excessivamente mimados podem estar crescendo como “fracos” e desesperados para tentar mudar radicalmente isso, estão investindo em Escolas capazes de converter o reizinho da mamãe em “mini-machos-alfa”.
A iniciativa chamada ‘Procurando Homens de Verdade’. Surge para atender a essa demanda de justamente ‘incentivar a masculinidade’ de seus alunos.
Segundo a Qinlinglu Elementary School, que fica na cidade de Zhengzhou, os meninos devem agir mais como homens e menos como ‘maricas’. Assim, eles são ensinados a agir de forma mais ‘masculina’ e são obrigados a jurar que são ‘homens de verdade’, relata o jornal Daily Dahe.
Wang Jianhua, professor da escola há 14 anos, disse que os garotos estavam apresentando cada vez mais um comportamento de ‘mulherzinha’. O jogo favorito era pular corda, que “é uma brincadeira de menina”, explica o professor. “E os meninos são muito frágeis. Uma pequena bronca e eles já estavam chorando alto”.
Em contrapartida, Wang disse que as meninas estavam cada vez mais ‘selvagens’. “Elas gostavam de lutar e adotavam características cada vez mais fortes”, disse.
Agora, a escola pretende contratar mais professores do sexo masculino para dar aos meninos ‘exemplos de homens fortes’. “As mães tendem a ser responsáveis pelos filhos em casa. Na China, os pais são excessivamente protetores e acabam estragando seus próprios filhos”, explica Cao Jianping, o [machão] diretor da escola.
“望子成龙“, uma expressão tradicional chinesa refere-se aos pais que esperam que seus filhos tenham sucesso na vida. A ideia de sacrificar por seus filhos é histórica, sua expiação por seus filhos amados aumentou seu medo de perder o que haviam perdido para seus filhos. Imigrar para um novo país estranho para melhorar a educação de seus filhos; passam a vida inteira trabalhando para dar tudo o que ganham aos filhos, e não se esqueça de sacrificar a própria vida e a felicidade se tornou surpreendentemente comum.
Você vê, comumente vemos pais asiáticos que imigraram para os Estados Unidos abandonando sua própria vida em seu país apenas para que seus filhos fossem para uma faculdade melhor. Com medo de que seus filhos não tenham uma expectativa de vida boa, os pais esperam cada vez mais de seus filhos, tornam-se cada vez mais protetores.
Isso gerou entre os jovens inclusive um arquétipo chamado mabaonan (trad: homem bebê da mãe), um rótulo para homens que dependem muito de suas mães e cuja idade mental não corresponde à sua idade real.
A ideia de ter um filho “fraco” vem se torando uma verdadeira perturbação mental de muitos pais chineses que fazem grandes expectativas para com seus filhos. Isso explica coisas absurdas como colocar a criança em temperaturas congelantes para “endurecer seu espírito” entre outras bizarrices.
Em 2012 um pai chinês chamou a atenção do ocidente ao largar o filho de 4 anos só de cuecas no inverno rigoroso de Nova York, enquanto a criança chirava e impoliorava por um abraço o pai, impassível assistia ao sofrimento do menino que estava, segundo ele, “sendo corrigido”.
Além delas, um vídeo, aparentemente feito por Liesheng, mostra o garoto correndo na neve e tremendo de frio. Em um momento, ele chega a pedir um abraço do pai. Não foi confirmado se o pai de Ho Yide postou o vídeo na internet. Após a comoção, ao justificar sua atitude, He Liesheng disse que seu filho nasceu prematuro e os médicos disseram que ele poderia ter dificuldades durante seu crescimento e não apresentaria o mesmo desempenho que outras crianças. Por isso, ele teria criado um “programa” para ajuda a acelear o desenvolvimento físico e mental do filho.
Segundo o jornal britânico Daily Mail, Liesheng seria empresário na cidade chinesa de Nanjing e estaria em Nova York com a família para comemorar o Ano-Novo chinês.
A repercussão do vídeo já fez com que muitas pessoas questionassem o bem estar do garoto e coloca em debate a rigidez da educação na China, assunto que já foi tema de um livro que causou polêmica nos Estados Unidos e na Europa.
Em Battle Hymn of the Tiger Mother (Hino de Batalha da Mãe Tigresa, em tradução livre), a professora de direito americana Amy Chua, filha de imigrantes chineses, relata a tentativa de criar suas filhas à “moda chinesa”, ou seja, com brutal rigidez.
O livro destaca as restrições impostas pelos pais aos filhos chineses, como horário de dormir, quais atividades físicas podem praticar, não assistir TV, entre outros. Para os pais, sem esse tipo de disciplina os filhos não conseguirão entrar em uma boa universidade e conseguir um bom emprego.
Emparedados entre um conflito geracional que superprotege os filhos únicos ao ponto de transformá-los em super-mimados e um esforço para quebrar isso que vai na contra-mão da superproteção, vai se edificando uma geração inteira que será muito provavelmente a geração que em poucos anos, liderará a potência mais poderosa da Terra.
Muita chance de dar merda. Só sei isso.