Zumbi – Parte 8

Só restava um monte de ossos numa poça de sangue escuro no meio daquele lugar que mais parecia uma arena. Alguns zumbis andavam pelo meio do pátio, com o olhar perdido. Outros ainda mastigavam seus últimos nacos de tripas nos cantos. Alguns estavam parados.

Os zumbis haviam comido o Joe até não restar nada além de pedaços de ossos e manchas de sangue no chão.

-Como eles são rápidos, né? – Perguntou o oriental com visível satisfação.
-Diga-me, doutor Mayong, eles ficam quanto tempo a partir de agora sem conseguir comer? -Questionou Clarck, olhando para a arena.
-Como assim? Eles comem enquanto a gente mandar carne lá pra baixo! – Riu o cientista.
– Não é possível. – Disse David. Em seguida, continuou: – Tem que ter um limite. Até porque o bucho deles é limitado fisicamente.
Mayong limpou a lente dos óculos. E Explicou:
-No inicio pensamos que haveria um momento em que um zumbi perderia o desejo pela carne. Mas isso nunca aconteceu. Eles comem, comem, comem…
-E se a gente continuar metendo carne neles?

-Aí eles começam a vomitar. É uma coisa grotesca. Vomitam, e depois começam a comer novamente.
-Então o zumbi vai querer comer sempre?
-É uma necessidade básica. É parecido com a nossa necessidade de respirar. Um ser humano consegue ficar prendendo a respiração, mas como isso é um ato reflexo, e ante à menor distração, o corpo retoma a função. Com o zumbi é a mesma coisa. Ele até fica um tempo sem comer a carne, mas assim que pode, ele volta a sua “programação normal”. São máquinas de caçar e comer.
-A carne dos vivos é a razão de viver do zumbi. – Brincou Clarck.
-Eu não diria “razão de viver” no caso deles. – Riu Mayong. Em seguida bateu no ombro de David. – Venha, me acompanhe por aqui. Vou levar vocês no setor onde estão processando as vacinas.
David seguiu o oriental e Clarck pelos corredores do complexo. Eles pegaram um elevador e subiram um andar.

Mayong mostrou o andar onde as vacinas eram testadas. Havia muitas pessoas em macas, e algumas dava para ver pela cor delas, que estavam mortas há algum tempo. Umas se mexiam. Embora contidas nos leitos, dava ara ver sua agitação. Outras estavam paradas como estátuas. E tinham umas com capuz preto na cabeça. David estranhou aquilo.

-Por que aquelas pessoas ali estão com sacos pretos na cabeça?
-Percebemos que alguns zumbis são mais suscetíveis quando lhes tiramos certos estímulos, como a visão.
-Mas por que não arrancaram logo os olhos? – Perguntou Clarck.
-Por que sempre precisamos fazer comparações. Então é necessário vendá-las e fazer testes, que são repetidos depois, sem as vendas.
-Mas em que estágio da pesquisa vocês estão? Afinal, vocês podem ou não podem curar uma pessoa atacada por um zumbi?
-Curar? – Indagou Mayong, surpreso.
-Ué? O que foi que eu disse de errado?
-Não queremos a cura. Queremos a extinção da doença. Isso é diferente de curar.

David sentiu-se a criatura mais burra da face da Terra. O tempo todo ele estava pensando que aquele investimento se dava para curar as pessoas, para trazê-las de volta ao seu estado natural. Mayong olhou para Clarck e eles riram.

-Caro David, a cura é algo que não está ao nosso alcance. Não numa perspectiva de curto prazo. Nós sabemos de outras organizações no mundo que estão trabalhando neste sentido. Existe um laboratório farmacêutico que disponibilizou um grupo na América Latina… É em São Paulo, Brasil. Sabe onde? Lá na Amazônia. Eles estão, coitados, tentando curar os índios em meio a floresta. É um erro. Um erro estúpido que nunca levará a nada. -Caçoou o cientista.
-Esses chicanos estão sempre na contra-mão! – Riu Clarck.
-Mas como você pode dizer isso, professor? – Questionou David Carlyle.
-David, perdoe minha incredulidade, mas veja… Quanto tempo o homem levou tentando combater o vírus da Aids? Quanto dinheiro investido, quantas pessoas, institutos, centros de pesquisa? E no que deu? Só fizeram remédios. Nunca conseguiram a cura.
Agora, estamos com pessoas mortas comendo gente aí fora, David. Não há tempo. Não vai haver cura. Ou nós acabamos com a doença, os zumbis e tudo mais e ou não haverá espécie humana para ser defendida. E cá entre nós, é até um serviço que a doença nos prestou. Se conseguirmos sucesso no que estamos tentando aqui, voltaremos para um mundo muito melhor, sem miséria, com espaço e alimentos para todos. Se não fosse a doença, o mundo ficaria sem reservas para alimentar as pessoas até 2043. David, veja isso como uma nova chance ao nosso planeta.
-E números, doutor? -Questionou Clarck.
-Os números não podemos dar, pois são dados secretos, mas fica só entre nós, eu estou trabalhando com a perspectiva de que teremos uma redução populacional na ordem de 98% até o ano que vem.
-Mas… Mas então, o que vocês estão fazendo é uma arma genocida?
-Se você considerar os zumbis como sendo gente, aí sim… Mas nós estamos tentando criar uma mutação do vírus, uma mutação que só mate zumbis. Preferencialmente produzindo imunidade ao TEGEN nas pessoas que forem contaminadas. Assim, mesmo as pessoas que vierem a ser atacadas por zumbis, se tiverem sido expostas à forma mutante do vírus antes, elas não virarão zumbis. Talvez tenham uma infecção grave, percam um membro… Podem até ter um quadro de septicemia, mas zumbis elas não vão virar.

David estava quieto. Pensativo. As palavras do cientista eram frias e ele não encontrava respostas para suas angústias.

-E falta muito? – Perguntou David.
O cientista parou. Olhou nos olhos de David.
-Não falta muito, David. Semana passada conseguimos uma vitória. Conseguimos que uma pessoa mordida ficasse uma semana sem manifestar os sintomas. Mas no final, o vírus venceu e a pessoa acabou virando um zumbi. Acho que estamos muito perto. Parte do segredo deste trabalho é compreender exatamente o mecanismo da “zumbificação”, vamos dizer assim. Se soubermos como ele age, podemos tentar afetar este ciclo e quebrar a cadeia.
-Mas eu não entendo… Isso não seria uma “cura”?
-Seria se a gente deixasse o contaminado vivo. Mas o melhor não é isso. Como eu te expliquei antes. Todos os contaminados devem morrer. Atualmente existem centros de recolhimento de contaminados, que os levam, a um grande incinerador. Eles são jogados na caldeira. Não sobra nada. Nem cinzas. Esses caras trabalham sem parar, recolhendo e eliminando os zumbis. Mas é um trabalho arriscado e ingrato, pois há muito mais do que eles podem lidar. Nós temos uns acordos de cooperação. Eventualmente, nós mandamos uns caminhões com iscas pra eles.
-Iscas?! – Respondeu David, já imaginando que tipo de isca era aquela.
-É, crianças, mulheres, velhos. Pessoas com dificuldades de locomoção. Nós juntamos esses mais caidinhos e mandamos num caminhão pros caras usarem para atrair as hordas. Então eles fazem umas armadilhas e orientam essas pessoas a correrem pra lá. Os mortos vão atrás e então, vai todo mundo pra fogueira. – Riu o cientista. – Hoje mesmo, a gente deve mandar um lote.
Mas venha, está ficando tarde. O meu turno de hoje vai acabar. Que tal tomarmos um wisky no centro de recreação logo mais? Daqui a umas duas horas, pode ser?
-Tudo bem. – Disse Clarck. Eles se viraram para David.
-Sem problemas. -Ele respondeu.
-Passo para pegar você nos seus aposentos às dez. Ok? -Disse Mayong.
-Aposentos? – Questionou David.
-Ué. Você não falou com ele? – Perguntou Mayong ao Clarck.
-Não me disseram nada sobre isso. – Respondeu, Clarck, dando de ombros.
-Droga. Esses caras são foda. Calma aí. – Mayong foi até uma sala. David e Clarck ficaram de fora. A sala tinha um vidro fumê, mas dava pra ver através e David notou que Mayong falou no telefone com alguém. Após alguns minutos, ele saiu da sala.
-David, você vai ficar na Ala B, que é a ala ao lado da ala do corpo permanente.
-Corpo?
-É… O pessoal que trabalha aqui.
-Ah, tá.
-Morreu de medo de ser um “corpo” de defunto, né garoto? – Riu Clarck, dando um soco de brincadeira no ombro do jovem.
Então a porta do elevador perto deles se abriu e veio o homem de terno antiquado.
-Olá senhor Hork. Como vai o senhor? – Mayong cumprimentou o homem.
-Ah, vejo que já conheceram as instalações. Que tal? Ele gostou? – Questionou o tal senhor Hork.
-E então, David. O que achou? – Clarck cutucou o braço dele.
-S…sim, achei… É… Legal. Eu vi as… quer dizer, as experiências, né? E o professor explicou pra nós o mecanismo do vírus e coisa e tal. – Disse David, meio sem empolgação.
-Ótimo! – Disse o senhor Hork. – Eles já te levaram aos seus aposentos?
-Não, na verdade estávamos justamente falando disso bem agora. – Respondeu Mayong. -Eu pedi ao responsável da hotelaria que mandasse alguém aqui pra levar o David e o doutor Clarck até a ala deles…
-Não há necessidade. Eu mesmo posso fazer isso.
-Hã? O senhor? – Mayong estava estupefato.
David estranhou a cara do cientista.
-Ora, eu projetei este complexo, posso muito bem levar os convidados até seus quartos. Algum problema pra vocês?
-Não, senhor Hork. Sem problemas. Pode levá-los. Como quiser. -Respondeu Mayong.
David estava ali parado olhando para o tal senhor Hork. Ele percebeu que aquele devia ser um homem muito importante na hierarquia do lugar.
-Venha, eu vou com vocês. – Disse Hork, dando um adeus para o cientista.

Agora David e Clarck andavam com o homem de terno antiquado pelos corredores do complexo. Ele andava em silêncio, com movimentos cadenciados. David resolveu aproveitar o percurso e fazer-lhe algumas perguntas.
-Então, senhor Hork…
-Sim?
-Quer dizer que o senhor projetou todo este complexo?
-Sim senhor. Tudo o que você viu fui eu que desenhei. E nos anos 90!
-Ué. Mas como?
-Bem, senhor David… Eu sou um empresário dono de uma holding que tinha entre os meus negócios inúmeros laboratórios médicos. Um dia, lendo um dos relatórios de uma dessas companhias, eu percebi que seria uma questão de tempo até que algo grave viesse a acontecer, entende? – Disse Hork abrindo a porta do elevador.
-Não…
-É que.. Bem… Quando você tem um leque diferenciado de empresas como eu tinha, algumas são laboratórios de aplicações militares… Outras de medicamentos… Algumas são ligadas a órgãos federais. Então você acaba lidando com muita gente. Uma pessoa te fala uma coisa, outra pessoa fala outra… Você vai a jantares, frequenta a Casa Branca. Conversa com senadores. Você consegue ver o que ninguém mais está vendo… Está entendendo o que quero dizer? – Hork parecia incomodado em tocar naquele assunto. Mas Clarck não se sentia à vontade para mandar David calar a boca na frente daquele homem poderoso. O elevador seguia seu curso.

-Informações privilegiadas, né? – Falou David de supetão.
-David! – Zangou Clarck.
-Calma, senhor Clarck. O garoto está certo. Sim, a grosso modo, é por aí, David. Quando deu a primeira crise do Ebola, no leste asiático nós vimos que seria muito possível que algo de maior vulto atingisse o planeta. E então vieram as guerras, os problemas de terrorismo. Foi uma medida sensata escolher um lugar discreto e construir no subsolo este complexo, totalmente independente da superfície. Captamos água de um profundo lençol freático, nossa energia é produzida por uma pequena usina nuclear, o ar é filtrado com alto grau de redundância… O abrigo é eficaz contra ataques terroristas, misseis, explosões, guerra nuclear, e pode abrigar até vinte mil pessoas, embora tenhamos menos de mil aqui no ponto zero.
-Por que chamam de ponto zero?
-Porque existe o ponto um, o dois… Até o seis. Um em cada país.
-Eles estão fazendo a mesma coisa nesses locais?
-Não. Cada abrigo se dedica a um tipo de trabalho. Nem todos estão ativos. Temos comunicação direta via satélite. Mas… A conversa estava ótima, só que chegamos. É por aqui. – Disse Hork abrindo a porta do quarto.

David entrou e era um quarto simples. Sem janelas. Havia apenas uma cama grande, um guarda-roupa embutido na parede e um banheiro pequeno anexo. Parecia mais a cabine de um navio.
-Que tal? Gostou? – Perguntou o senhor Hork.
-Sim… É legal. Mas e as chaves? – Questionou David.
Hork riu.
-Não tem chaves, David.
-Hã?
-As portas são trancadas remotamente. Cada pessoa deste complexo, fora eu, tem um horário pré determinado no qual ela pode sair. Após o seu turno você terá que obrigatoriamente entrar no quarto. Um fiscal irá monitorar sua presença e trancará a porta. É para sua proteção, obviamente.
-Ah… – Disse David sentando-se na cama.
-Bem, até logo. Fique aí que eu levarei o doutor Clarck para o quarto dele. O dele é o 238, lá no fim do corredor. Agora descanse. Tem roupas limpas no armário. Se quiser tomar um banho, fique à vontade.
-Até mais tarde, David – Disse Clarck, saindo com o senhor Hork.
David ficou sozinho no quarto. Não era nada mal.
Ele deitou na cama e viu como ela era macia. Mas as cenas da menina sendo atacada pelo zumbi, Joe virando um amontoado de carne disforme… Aquelas imagens não lhe saíam da cabeça.
-Chegamos ao fundo do poço. Última parada da espécie humana, quando a vida já não tem mais preço. – David falou sozinho.

Os pensamentos em Alice voltaram. Certamente que ela devia estar em algum lugar daquele complexo. Mas seria arriscado sair para procurá-la. Porém, cada minuto que passava ele sentia que ela poderia estar correndo perigo. Talvez estivesse numa cela, prestes a ser mordida por um daqueles defuntos carniceiros. Ela havia salvado a vida dele. Ele precisava fazer alguma coisa. Afinal, devia sua vida a ela.
David levantou-se e foi até o corredor. Abriu a porta e olhou lá pra fora. Mas não havia ninguém.
Ele sabia que já não poderia confiar em Clarck. Precisava encontrar Alice e sair daquele lugar o quanto antes.
David correu pelo corredor, sempre atento para as câmeras de vigilância. Andou normalmente. Ele sabia que os aventais brancos padronizavam todas as pessoas naquele formigueiro subterrâneo.
Quando o elevador chegou, David apertou para descer. Ele precisava dar uma olhada na central de triagem. Talvez ela estivesse lá.
Quando o elevador chegou no nível do setor de triagem David saiu e caminhou pelo corredor. Ele notou que vinha alguém em sua direção.
-Seja o que Deus quiser! – Murmurou para si mesmo.
A pessoa que vinha era uma mulher com cara de dondoca. Ela também estava com um macacão branco exatamente igual ao dele. Ela vinha com uma prancheta na mão. Talvez fosse uma cientista. A mulher tinha um rosto sofrido, aparentava uns cinquenta e poucos anos, talvez quase sessenta. O corpo era bem feito, o que indicava que talvez malhasse. O cabelo estava preso num coque, com palitos orientais. Estava muito maquiada, os olhos eram fortemente pintados como se ela fosse sair para uma festa. Ela veio na direção dele, mas até chegar bem perto dele, ela não estava dando a mínima.
-Com licença? – David parou perto dela.
-Hã?
-Estou meio perdido aqui. Me pediram para falar com o… Davidson, no setor de triagem.
-Davidson? – Perguntou a mulher. -Eu não conheço nenhum Davidson na triagem. – Respondeu ela, secamente.

O plano tinha ido por água abaixo. David teve medo que a mulher percebesse que era uma invasão no complexo e disparasse a gritar. Mas ela apenas disse:

-Ah, acho que eu sei quem é. Um careca?
-Isso. O pessoal chama ele de pouca-telha. -Riu David, meio sem graça, tentado parecer verossímil.
-Ele está na seção de triagem… A! – Disse, digitando algo na prancheta eletrônica.
-Ah, tá. Por ali, né?
-Não. Ali vai dar nas triagens B e D. A triagem A e C é naquela direção. Pegue o elevador do fim do corredor e suba um andar. Aí você vai em frente até o final. Vai estar escrito na placa.
-Ah… ok. Muito obrigado.
– De nada. – Disse a moça da prancheta. Ela continuou a andar. David também.
Ele estava feliz por ter obtido aquelas informações. Mas antes que pudesse comemorar, a mulher parou, se virou e o chamou.
-Ei! Você!
-Hã? – David se virou. Uma parte da mente dele já se preparava para sair correndo.
-Qual o seu nome, rapaz? E qual o seu posto? – Perguntou a mulher.
-Eu me chamo… Marco. Eu sou… Lá de cima… Da… Hotelaria. – Disse David improvisando na hora.
-Você é muito bonito, Marco. Vamos tomar um drink juntos qualquer hora dessas?
-Claro, claro… É…
-Roberta, do departamento de pesquisas C3.
-Ah, sim, claro Roberta. Na hora que quiser! – Disse sorrindo.
A mulher se foi e ele ficou ali. Com a respiração presa. Estava tão ansioso que tinha medo de desmaiar.

David disparou na direção do setor de triagem. Pegou o elevador como ela indicou e foi direto para a porta onde estava escrito: “Triagem A”. Ao entrar, David deu de cara com um homem gordo, careca, sentado numa mesa. Entre ele e o gordão tinha uma porta de vidro. À frente dele estava um grande corredor, com postas dos dois lados. Cada porta tinha uma janela pequena de vidro. Parecia o corredor da morte da prisão.
O homem apertou um botão na mesa e pelos alto-falantes na parede, a voz dele surgiu, metalizada. E o interpelou:
-Quem é você?
-Eu sou o Marco… Do setor de pesquisa. A… Roberta… Me mandou vir aqui procurar um paciente…
-A Roberta do setor de pesquisas te mandou?
-Isso.
-Porra! Isso aqui tá uma zona mesmo. Não recebi nada. Cadê o formulário?
-Ela… Ela vai mandar ainda. Só me mandou aqui antes, porque estava muito ocupada e… Precisava…
-Precisava o que? Fala rapaz!
-…Precisava se certificar de que setor que estava esta… cobaia era.
-Ah! É sempre a mesma merda! Uma bagunça do caralho. Olha, diz pra Roberta que eu não vou liberar mais entrada na triagem sem o formulário de acesso.
-Claro, pode deixar. Eu digo.
O gordão digitou alguma coisa num pequeno notebook na mesa dele e a porta de acesso se abriu.
David entrou pelo corredor, olhando de janela em janela.
Ali estavam homens, mulheres, crianças… Varias pessoas que ele nunca tinha visto antes. Mas não havia nem sinal da Alice.
Faltavam poucas celas para que ele olhasse todo o setor de triagem A, quando David finalmente viu um rosto conhecido. Era Wilson.

Wilson estava sentado, olhando para o teto. David olhou pra ele. Mas Wilson estava perdido em seus próprios pensamentos. Olhava para cima. Tinha um olho roxo, um corte na testa, parecia machucado e abatido. David olhou e anotou mentalmente o numero da cela dele : 96.
Wilson não viu David Carlyle.
Ele continuou a olhar cada uma das celas, em busca de Alice, mas ela não estava ali.

David voltou até a entrada.
-Achou? – Perguntou o gordão.
-Nada. Eu acho que ela se enganou. -Disse ele.
-Marco, como é mesmo que era a tal paciente?
-É uma morena, mais ou menos dessa altura. O cabelo é grande, ela tem uns, bem, uns… – Fez o movimento imitando os seios.
-Ah! Eu sei qual é! Ela estava lá na triagem C. Todo mundo comentou que era um desperdício aquela gostosa na triagem C, porque você sabe, né?
-Pois é, né? – Comentou David. Ele não sabia do que o gordão estava falando, mas pelo tom dele, o destino das pessoas na triagem C não era dos melhores.
-Por que será que botaram ela no C? – Perguntou David.
-Ah, Marco, nem te conto, cara. Essa deu trabalho pra danar! No início ficou todo mundo animadinho, fizemos até uma fila, pra comer o filé. Mas foi foda, cara. Eu tenho um amigo, que trabalha na busca e operações, ele disse que precisou de cinco caras para dominar a potranca lá. Ela meteu porrada em geral, cara. A mulata né moleza não, mermão! Aí foi colocada no setor C, que é pros mais agressivos. Agora vai virar chiclete de zumbi, hahahaha.
-Hahahaha. – David ria por fora, mas a vontade que ele tinha era de chutar a cara daquele balofo de merda.
-Pior é que a Roberta estava querendo essa cobaia pra poder fazer uns teses com uns remédios de agressividade lá… Sabe qual é? Deve ser por isso então.
-Sei, sei. Bom… Vai dar a maior merda isso, mas faz o seguinte. Tu sabe onde que é a triagem C né?
-Sei.
-Vai lá e você vai ver um cara lá. O nome dele é Ronald. Diz pra ele que é pra separar a cela dela. Aí quando a Roberta mandar o formulário, o Ronald libera e manda a potranca xucra lá pra cima.
-Ah, tá. Valeu mesmo, hein?
-Vai lá. Agora se apressa, que é hoje que vai sair o lote lá da triagem C, cara.
-Valeu. Obrigado. – Disse David já saindo correndo pelos corredores. O elevador demorou interminavelmente para chegar. Ele pegou o elevador e desceu.
Chegou no setor C. Lá estava o tal Ronald. Era um cara magro, com cara de sono.
-Oi – Disse David, batendo na porta de vidro.
-Hã? Que você quer? – Perguntou o cara sem olhar pra ele, enquanto anotava coisas num papel.
-Você é o Ronald, né?
-E você, quem é? -Respondeu o magrelo, mal humorado.
-Eu sou o Marco… Do setor de pesquisas. Eu vim a mando da Roberta lá de cima… Pra falar com o cara lá da triagem A. Mas ele disse que é com você aqui.
-Cadê o formulário?
-O cara lá do A, o gordão, ele disse que ainda vão mandar o formulário.
-Porra, mas é sempre a mesma conversa! – Reclamou o magrelo no interfone.
-Eu sei, o cara lá do A também falou isso. Mas quebra essa aí, Ronald. A culpa não é minha cara… Você sabe como esta porra aqui está uma zona.
-Falô! Mas anda rápido que o sensor da porta tá um lixo. Malditos chinas e suas traquitanas de quinta categoria! – Disse ele, apertando o botão no notebook.

A porta de vidro se abriu e David entrou no corredor. Ele foi olhando janela por janela, mas não achou Alice. Havia ali uns homens mal encarados, pessoas com cara de loucos, e sujeitos tatuados com aparência perigosa, celas vazias, mas nenhum sinal de Alice.
David voltou até a mesa de Ronald.
-Estranho, cara.
-Não achou?
-Não.
-Como que era o que você estava procurando?
-Ela era alta, mais ou menos dessa altura, e era mulata… Ela tinha uns… Uns… Tipo, sabe como? – Fez simulando peitos no ar.
-Ah… A gostosa briguenta! Tô ligado. Era a única mulher neste setor!- Disse Ronald. Mas ele continuou: -Deu mole, meu camarada! Essa aí saiu hoje de manhã, no lote que foi pro setor de descarte. A mulher era maior chave de cadeia. Ninguém conseguiu nem chegar perto dela. Nem um beijinho, hahahaha. Sabe como é… O pessoal aqui gosta da carne macia… E tá sobrando gostosas fáceis no setor D. Já te falaram?
-Descarte? (David havia travado naquela palavra e não escutou mais nada que Ronald havia dito)
-Isso mesmo. Descarte… Tipo, rango de zumbi, tá ligado? Pra servir de isca pra uns parceiros aí…
-Puta que pariu!

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. Detalhado, bem narrado, bem estudado…
    Já li diversas histórias de zumbi, alguns livros, mas a maioria em filme, mangá de zombie, série…
    A melhor matéria de zombie que já vi
    Parabéns Philipe

  2. Até que hoje você foi bonzinho! Tenho até medo do cap. 9! kkkkkkkkkkkk
    Você já pensou em escrever um livro de ficção? Não de contos, mas de uma unica história bem louca assim!
    Ah, já leu Maze Runner – Correr ou Morrer? Acho que vai gostar!! Eu adorei!

  3. Antes de dormir (sim, às 6 da manhã) vim para aqui só para ler o conto e dormir com um sorriso no rosto (não sei até que ponto isso é bom, ruim e macabro! XD).

    Rapaz, não sei se já perguntaram isso (leio os comentários antigos até certo limite), mas você não tem um nome oficial para essa série de contos? Quando alguém me pergunta eu sempre falo “É o conto “Zumbi” do Philipe”, mas fico com a sensação de que a pessoa vai esquecer (e esquecem e eu sempre mando o link depois – o que é bom).

    Se não tiver pensado, tá aí a sugestão! X)

    Um super abraço,

    tio .faso

    • Faso, o conto chama-se “zumbi”. Se eu soubesse que ele iria crescer assim, eu teria dado um nome mais pomposo. Mas por outro lado, eu penso que “zumbi” é algo que vai direto ao ponto.

  4. Olá Philipe,quero lhe falar que adoro seus contos aqui no Mundo Gump,queria lhe perguntar se nós podemos fazer uma parceira entre sites,pois estou desenvolvendo um site e gostaria  de divulgar o mundo gump.contatos:www.portal.j.vila.bol.uol.com.br

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