Os outros – Parte 3

Tão logo o facho de luz branca o atingiu, Hug sentiu um choque a percorrer seu corpo. Ele tentou, em vão, se levantar. Os músculos pareciam ter dificuldade em responder. Com um enorme sacrifício, ele conseguiu ficar de pé. A luz que saía do aparelho ficava cada vez mais intensa, já cegando-o.

Hug saltou e agarrou-se ao tronco de uma árvore jovem, na beira do riacho. A luz era implacável. Seus músculos começaram a arder. A dor era intensa. O calor que o aparelho emanava começou a queimá-lo.

Hug agora gritava, agarrado a árvore, enquanto a nave disparava sobre ele seus clarões de luz. A árvore começou a estalar. Pra piorar, a lama em seu corpo fazia o tronco deslizar abaixo dele. Deu-se então um impressionante cabo-de-guerra, entre ele e o aparelho. O jovem começava a perder as forças quando a nave subitamente pareceu desistir.

A luz se apagou por um breve instante.

Hug pensou em largar e correr para o mato, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, a luz retornou inda mais forte e intensa, tentando descolá-lo do tronco. A árvore começou a entortar e estalar novamente.

-Maldição! Ela vai quebrar! – Gritou com medo.

Ele agarrou-se o mais forte que pôde no tronco, e usando suas últimas forças que dispunha, inclinou seu corpo para baixo, de modo a ficar mais perto do solo, onde a árvore estava firmemente presa. O aparelho agora soltava clarões que hora o puxavam num tranco absurdo, hora o empurravam com o peito sobre o tronco, quase a ponto de esmagar seus ossos.  Eram puxadas e empurrões ritimados. Hug contou os trancos que a luz gerava e logo após um puxão, aproveitou-se do empurrão para esticar o braço e pegar uma pedra redonda que havia na base, perto da árvore.

Tão logo o aparelho puxou, Hug lançou a pedra atrás de si, bem na direção do facho.

Ao ser atingida pela luz, aquela pedra acelerou como uma bala, voando como um bólido na direção do aparelho.  Ele ouviu o som de uma pequena explosão e uma série de ruídos estranhos que pareciam sons de uma catraca defeituosa. O aparelho pareceu perder um pouco de sustentação no ar e balançou ligeiramente fora de controle.

Hug aproveitou aquela situação para saltar da árvore e correr pelo mato. Enquanto corria, sentia os musculos ardendo da enorme força que precisou fazer. Sua nuca ardia e a testa queimava. Ele saltou entre as árvores, e sentiu um dos flashes do aparelho disparando atrás de si.

-Ele está vindo! – Pensou enquanto corria desesperado.

Os flashes foram ficando mais espaçados e com menor intensidade. Os últimos raios de luz da tarde permitiam enxergar na mata com dificuldade. Hug não queria olhar para trás para não perder tempo. Estava correndo sem direção, no meio do mato fechado, esbaforido, saltando troncos caídos e passando sobre grandes raízes. Ele esperava que ao cruzar um percurso complexo, o aparelho que era bem maior, tivesse dificuldade de seguí-lo, e talvez desistisse da empreitada.

Quando Hug finamente teve coragem de olhar para trás, viu o aparelho atravessando o mato, derrubando arbustos e pequenas árvores. Estava longe, mas ainda era visível. Até elos flashes que emitia.  O aparelho desviava-se das arvores maiores mas passava por cima das pequenas sem dó nem piedade. Ele disparava os clarões, empurrando e jogando longe os galhos, pedras e troncos caídos que estavam em seu caminho.

Hug viu um arbusto grande e tentou se esconder atrás dele. Veio correndo e num salto, se jogou atrás do mesmo. Para seu susto, havia um grande vazio atrás do arbusto e ele despencou uns seis metros no ar até bater contra um barranco de terra úmida e rolar morro abaixo. Hug se agarrou em umas raízes, tentando conter sua queda, mas foi em vão. Seu peso arrancou as raízes e apesar delas atenuarem a força de sua descida morro abaixo, não impediram que ele batesse com violência contra uma pedra.

Ao olhar para cima, Hug viu a enorme bola metálica surgindo do alto do morro. Livre dos obstáculos das árvores, o aparelho voou no ar para cima dele. Hug levantou-se, todo machucado e arranhado. Correu entre as pedras e encontrou ao seu lado uma pequena fenda, onde se jogou.

Era a entrada de uma gruta. Hug viu tudo escuro lá dentro, e por um instante, pensou em correr de volta para a floresta.  Mas ele teria que passar pelo aparelho e foi quando os clarões voltaram. A nave já estava perigosamente perto dele. Hug correu o mais rápido que pôde para dentro do buraco, adentrando a escuridão. A entrada do rochedo era estreita, de modo que a nave não poderia seguí-lo por ali.

Enquanto ele se enfiava, tateando e tropeçando pelas pedras na escuridão absoluta da caverna, ouvia os ecos do motor do aparelho. O som do motor era alto e os ecos que ele produzia reverberavam pelo interior da rocha. Hug notou quando o som parou subitamente.

Sentia gotas geladas pingando nele a todo momento. Mas era impossível ver qualquer coisa.

Ele enfiou a mão no embornal de couro e retirou o saco plástico. Tateando, localizou uma das barras de luz química e a partiu ao meio. Inicialmente, uma luz fraca de cor verde brilhou em sua mão. Mas quando ele sacudiu, uma intensa luminosidade verde surgiu diante dele. Hug ficou ali, maravilhado com aquela coisa. Era uma das coisas mais bonitas que ele já havia visto. A luz chegava a doer os olhos.

Inicialmente interessado na luz mágica em suas mãos, Hug mudou seu interesse para o que havia ao seu redor quando começou a ouvir uns passos vindo em sua direção.

Desesperado, ele começou a iluminar a caverna em busca de uma saída. Não parecia haver nenhum caminho óbvio para seguir, mas ele notou um grande platô coberto de estalagmites que pendiam do teto. Hug saltou sobre as pedras e agarrou-se no platô. Dali ele conseguiu visualizar uma passagem estreita entre duas pedras grandes. O som dos passos já estava ficando cada vez mais alto. Hug lançou o pequeno bastão luminoso no meio do buraco para ver o que  havia dentro. Estupefato, viu o bastão girar no ar e cair cerca de dez metros até atingir um chão plano com alguns centímetros de água lá em baixo.

De volta na completa escuridão, Hug não teve escolha senão saltar pelo vão para a próxima câmara, quando o som dos passos ficou terrivelmente perto. Ele chegou a escutar a conversa dos “outros”. Era justamente como as escrituras de seu avô diziam: Uma série estranha de zumbidos e estalos. Um som tão misterioso quanto assustador.

-Estão chegando! – Pensou antes de saltar para a câmara.

Ele atingiu o chão duro e gelado da câmara, caindo ao lado da barra de luz química.  Uma vez ali, levantou o bastão para olhar em volta. Uma enorme quantidade de morcegos voava acima da cabeça dele com aqueles guinchos finos. Não parecia haver saída daquela câmara. Hug correu para as paredes, tentando achar uma brecha ou algo assim, mas não havia nada. A única saída visível era o buraco na pedra de onde ele havia se jogado. Era alto e seria impossível voltar por lá.  Para piorar a situação, uma fraca luz azulada começou a iluminar o buraco.

-São eles! – Pensou em pânico.

Hug correu pela câmara tentando achar um lugar para se esconder. Entrou na parte alagada e levantando o bastão de luz, encontrou um buraco grande e escuro, submerso.  O jovem não teve dúvidas. Agarrou com força o bastão luminoso e mergulhou no buraco escuro, torcendo para achar uma saída que se comunicasse com o rio. A água da caverna estava terrivelmente gelada.

Ele nadou por uma espécie de túnel estreito, cheio de água turva que conduzia a uma bifurcação. A luz química já era dez vezes mais fraca que quando ele ativou. Hug mal conseguia enxergar o contorno das pedras direito.

O ar em seu peito acabava. Sua garganta ardia. Ele achou que ia morrer afogado. Escolheu o lado esquerdo e nadou o mais rápido que conseguia.  Quando finalmente chegou na superfície, o bastão de luz estava tão fraco que era impossível ver alguma coisa. Ele precisava aproximar o bastão das coisas para poder ver.

Parecia uma nova câmara, essa completamente fria, úmida e isolada. Não havia saída. Ele não precisou de luz para perceber isso, pois o ar ali era pesado e parado. E ao contrario da outra câmara, não havia morcegos.   Hug usou o último resto de luz do bastão para iluminar seu caminho e sair da parte alagada. Subiu num pequeno amontoado de rocha num canto. Estava tremendo de frio.

A luz se apagou e ele ficou na mais absoluta escuridão. O silêncio só era quebrado por sua respiração ofegante, e pelo som dos pingos que caíam do teto.

-Então é assim que termina… – Pensou. – Com tantas dificuldades vou morrer de congelamento. – Ele achou uma certa graça mórbida no fato de ter escapado dos mortíferos alienígenas para morrer de um jeito banal.

Hug estava cansado, exaurido. Suas feridas ardiam terrivelmente, mas o pior eram as gotas geladas que teimavam em pingar sobre ele. Abriu o embornal de couro e pegou um pedaço de peixe seco para comer. Estava morto de fome.

Enquanto comia, resignou-se e percebeu que dificilmente conseguiria voltar daquela caverna escura. Aquele era seu túmulo. Ele iria morrer ali.  Sentiu uma profunda tristeza a corroer-lhe o peito quando lembrou de sua filha, sua esposa e seus captores. Lembrou-se das palavras de seu pai. Ele era sábio.

Seus pensamentos derrotistas foram subitamente interrompidos por um som diferente.

-Bolhas!

Estava tão escuro que não se via nada, mas o som de bolhas subindo à superfície era facilmente distinguível na câmara de pedra. Seus olhos agora habituados a ver na escuridão conseguiram distinguir os primeiros e fracos raios azuis surgindo do fundo do buraco no chão da câmara.

-Lá vem eles! – Ele pensou.

Hug resolveu que não ia se entregar facilmente. Abriu o embornal encharcado e retirou com cuidado o saco plástico.  Ao abrir o saco, ele pegou a arma.

-Eles não estão esperando por isso.

Hug encheu a arma com as últimas balas que haviam no saco. A luz agora estava ficando cada vez mais forte, surgindo da área alagada.

Hug escondeu-se atrás da pedra em que estava e mirou conforme seu pai lhe ensinara.

A água já estava repleta de bolhas.  Parecia ferver. A luminosidade azul era linda e começou a tornar toda a água que havia na pedra uma brilhante lagoa azul. Então, lentamente, surgiu uma cabeça de dentro da lagoa.

Era uma cabeça oval, esbraquiçada, com forma de pêra. Dois olhos escuros e amendoados surgiram em seguida.

-Mas que bicho feio! – Pensou.

O alien era horrível. Estava coberto com o que parecia ser uma espécie de capa de gosma translúcida. Sua boca estava coberta com uma espécie de amontoados de pequenos dedos ou tentáculos. Ele tinha cerca de dois metros e era muito magro. Não tinha expressão e parecia extremamente concentrado. A criatura trazia numa mão uma esfera brilhante centenas de vezes mais brilhante que o bastão de seu avô. Na outra mão, ele tinha um tubo metálico fino e comprido, com cerca de trinta centímetros.

A criatura ficou ali, parada em silêncio no meio da parte rasa do lago. Olhava ao redor com a luz. Certamente procurava por ele.

Hug apontou a arma na direção da cabeça do ser. Contou mentalmente até três e disparou.

Uma explosão ocorreu e ecoou na câmara durante um longo tempo. A criatura atingida pelo tiro, caiu estatelada para trás.

Hug saltou sobre a pedra e correu até o corpo. Lá estava o ser, caído com um buraco que estourou mais da metade de sua cabeça. Um caldo preto escorria tingindo a água de uma cor marrom-escura. Estava morto mesmo. Seu corpo era pesado, enorme e gosmento, e ainda estava repleto daquela coisa que parecia uma gelatina. Algumas partes haviam se desprendido, e boiavam na superfície do lago azul.

-Então vocês são assim… Bicho feio dos diabos!- Ele disse, segurando a criatura.

Hug soltou e o ser afundou. No fundo, ao lado do corpo sem vida da criatura, ele pegou a bola de luz. Ela fazia cócegas nas mãos e emitia uma luz muito potente. Hug pode ver pela primeira vez em detalhes a caverna. Era uma câmara selada. Sem saída ou entrada visível além da passagem submersa.

Hug resolveu não perder mais tempo. A câmara era pequena, não tardaria o oxigênio se acabaria e ele morreria congelado. E certamente os outros viriam atrás daquele que ele matara. Guardou a arma no saco plástico, enfiou no embornal junto com o tubo metálico do alienígena, que ele não sabia ainda para que servia. Encheu os pulmões o mais que pôde e depois mergulhou no buraco.

Nadando com a bola de luz azul nas mãos, podia ver claramente o lugar que só tinha visto na penumbra momentos antes. Nadou agarrando-se nas pedras até chegar no ponto de bifurcação. O ar estava acabando rapidamente. Ele achou que ia se afogar. Desesperado, levou a mão até o embornal e retirou o saco plastico. Enfiou a beirada do saco na boca e aspirou o pouco ar que havia ali. O gosto da pólvora quase o fez engasgar.  Mas aquele pouco ar permitiu que ele nadasse mais alguns metros. Hug chegou a uma nova câmara. Tão logo levantou-se da água sentiu na pele o frio cortante da noite. O guincho dos morcegos e o barulho de suas asas foram marcantes. Aquilo indicava uma coisa fundamental: Uma passagem de ar. Era a comunicação que ele precisava com o mundo externo.

De posse da bola de luz que roubara do ser na caverna, ele conseguiu ver a passagem. Era estreita, mas se ele conseguisse se encolher o bastante, talvez fosse possível passar ali e sair daquela arapuca.

Hug esgueirou-se, apertando-se contra as rochas e finalmente saiu do outro lado.

A floresta estava novamente ao seu redor. A noite era escura e sem luar. O frio era intenso. O vento constante. Ele não sabia onde estava e nem para onde devia seguir. Ecostou-se junto ao rochedo, abrigou-se num vão de pedra e esperou que o dia clareasse. Para que não fosse visto na escuridão, ocultou com cuidado a bola de luz azul dentro do embornal de couro.

Aquela noite custou a passar. Nos poucos momentos que se permitiu sonhar, Hug viu flashes da criatura, de suas vozes estranhas e da nave que o seguiu soltando raios. Ele ouviu o grito de sua filha e acordou.

-Tarim! – Despertou assutado. O dia estava raiando.

Hug levantou-se e ouviu novamente. Não… Não era sonho! Aquele era mesmo o grito da filha dele.

 

CONTINUA

 

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. Muito maneiro a parte 3!!! Primeira coisa que fiz hoje de manhã foi vir correndo pra ler a nova parte!!!! Ui ui ui, tô doida pra ler o restante!!!!
    Bjos
    Juju

  2. e ae Philipe sai a quarta parte hoje?? realmente to ansioso pra continuar lendo, seus contos são no minimo top de linha cara, parabéns e que bom que o mundo gump voltou com força, acessava todos os dias pra ver se tinha posts novos.

    • Estou resolvendo uns pepinos de servidor. Vou migrar o blog essa semana. Não tenho certeza quando terei tempo de continuar a história em função disso.

  3. Parabéns pelos contos, eles prendem o leitor e deixam aquela espectativa pelo próximo episódio.
    A única crítica que eu tenho é com relação a alguns erros de digitação, que por menores que sejam distraem o leitor e às vezes até interrompem a leitura. Talvez um corretor ortográfico seja uma boa pedida aí ;-)
    Está de parabéns! 

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