As crianças da noite – Parte 21

-Ah, puta que pariu! -Sussurrou Leonard, com os olhos vidrados no cálice de ouro que se enchia com o sangue de Rogério.

A polícia tornou a bater.

-Saiam! Sabemos que estão aí!

-Que… Isso? – Gemeu Rogério. Ele estava quase sem os sentidos.

-É a polícia garoto.

-Foi… O… Elevadrrrr… – Ele gemeu. Rogério estava certo. O elevador tinha uma câmera. Eles haviam esquecido daquele detalhe. Certamente o vigia estava orientado para ficar de olho. Leonard sabia que seria uma questão de tempo até os homens atrás daquela porta perderem a paciência e a arrombarem. Se fizessem isso, veriam a cena bizarra de um velho tirando o sangue de um rapaz.

-Só um minuto! Estou me vestindo! – Gritou Leonard.

-Saia logo, senhor! – Respondeu o policial.

Leonard precisava pensar no que ia fazer. Precisava ganhar tempo. O cálice estava cheio. Então ele correu até o banheiro e  jogou o terceiro cálice de sangue de qualquer jeito no fogo.

-Marenka, Marenka, Marenka…  Eu exijo que Liberte Regina!

Então, diante do terceiro cálice cheio de sangue, Marenka se manifestou. A labareda saiu do cesto e atingiu a altura de dois metros. Quase bateu no teto do banheiro. Uma poderosa risada ecoou no banheiro. Leonard não viu o fogo, somente seu brilho intenso que iluminou o quarto. Ele estava amparando mais um cálice de sangue quando sentiu a risada de Marenka ecoar dentro de seu peito.

-O que está acontecendo aí? Abra essa porta! Agora!  – Gritou o policial do outro lado.

Passaram dois segundos e os policiais começaram a bater com o ombro na porta.

-Idiotas! – Pensou Leonard…

Rogério já estava entrando em coma. Revirava os olhos. Sua boca já não tinha cor. Faltava pouco.

-Eeei! Não precisa arrombar! Eu estou indo abrir essa porra! – Gritou Leonard.  – É que eu estou de cueca! Não estou achando as minhas calças…

-Venha do jeito que estiver, senhor! Abra agora ou iremos arrombar!

-Ei, seu burro! Não precisava arrombar, a gerência deve ter uma chave reserva! -Gritou Leonard.

Houve um breve momento de silêncio. Leonard sabia que os policiais deviam estar se entreolhando e realmente se sentindo burros.

Ele levou o quarto cálice e lançou no fogo.

-Marenka, Marenka, Marenka… Receba o quarto cálice do sangue, em troca de Regina. Liberte Regina!

O cálice de sangue fez o fogo levantar novamente. No mesmo momento, começaram as batidas na porta. Estavam tentando arrombar. Os policiais estavam visivelmente putos.

A porta antiga do hotel já ameaçava ceder.

Leonard agarrou o cesto de lixo e correu para o quarto. Colocou o mesmo sob o detetor de fumaça e pegou a meia taça de sangue que estava enchendo no chão e lançou lá dentro. Ele sabia que Marenka iria reagir ao receber meia taça.

Não deu outra.

Ao jogar a meia taça no fogo, surgiu novamente o fogaréu, que se espalhou como uma flor incandescente gigante no teto do quarto.

A porta estava prestes a cair quando Leonard Gritou: – Mareeenka!

O alarme de incêndio disparou. Todos os quartos do hotel dispararam os sprinklers automaticamente. A porta caiu e os dois policiais foram parar no chão. Havia começado uma confusão dos diabos dentro do hotel, com gente correndo de roupão pelos corredores, mulheres tampando os cabelos com as bolsas enquanto desciam pelas escadas para chegar ao térreo.

Os policiais se levantaram e olharam a cena atentamente. O quarto estava com o teto queimado, um velho ajoelhado atrás da cama, segurava um sujeito que parecia morto deitado naquela cama encharcada. E flutuando, bem no meio do quarto, estava uma velha de roupa antiga.

-O… O que significa isso?  – Falou o policial ajudando o amigo a se levantar.

A velha lentamente se virou no ar e ficou de frente para os dois policiais.

Um deles sacou uma pistola e apontou para ela.

A velha assustadora não disse nada. Ela olhava para eles como se fossem insetos.

O policial que apontava a arma para a velha ainda disse: – Desça daí, senhora!

A velha parecia impassível, parada no ar.

O policial então apontou a arma para o parceiro. Tinha os olhos vidrados.

-Que isso? Que isso? Vira isso pra lá! Ei! Não! – Disse o colega, tentando segurar o parceiro ates de levar um tiro no meio da testa, que lhe abriu um buraco na nuca.

Ele caiu estatelado no chão, enquanto a velha apenas olhava. O policial olhou horrorizado para o parceiro que acabara de matar. Então, tremendo e com os olhos revirando, apontou a arma para a própria cabeça e disparou. Os restos de seus miolos tingiram a parede de vermelho. A água que chovia em profusão pelo sprinkler lavou o sangue, criando uma cascata rosa.

A velha voltou-se para Leonard, que estava enchendo mais uma taça com o sangue. Ela também não disse nada. Apenas ficou ali, olhando.

Vez ou outra uma pessoa passava correndo pelo corredor e se detinha por um ou dois segundos vendo a velha de branco flutuando no meio do quarto. A sineta irritante do alarme de incêndio não parava de tocar.

Leonard estendeu o cálice cheio de sangue para a velha.

Ela pegou o cálice e imediatamente após tocá-lo ele ficou gelado. Marenka então bebeu com sofreguidão aquela taça de sangue e devolveu ao Leonard.

Leonard continuou a colher o sangue de Rogério.

-Não é o bastante? -Ele perguntou para a velha que levitava sobre a cama.

-Não. – Disse ela.

-Mas assim o rapaz vai morrer.

-Tudo tem seu preço. -Marenka respondeu com aquela voz estranha.

-Talvez ele não precise morrer… Talvez você queira negociar algo mais valioso… – Disse Leonard.

Marenka riu. Leonard sabia que ela tentava sondar a mente dele em busca de respostas, mas ele era protegido contra aquele tipo de iniciativa baixa.

-Marenka, devia me dar algum credito, afinal, eu mandei a Andela para o saco.

Marenka não respondeu nada. Apenas olhou para o sangue que pingava da taça. Leonard entregou o cálice novamente para ela.

A velha bebeu de um gole só.

-Que sede hein? -Riu Leonard.

Marenka limpou o filete de sangue que escorria no canto da boca. Leonard sabia que aquelas criaturas se energizavam do sangue humano. Desde tempos imemoriais divindades ctônicas pediam sacrifícios em sangue.

Leonard pegou a taça de volta e colocou sob o pulso, mas já não pingava sangue algum.

-Ele morreu! – Disse Marenka sorrindo.

-Verdade! Ele está morto! – Agora traga Regina de volta!  -Ordenou Leonard.

-O combinado eram sete taças. Você ofertou seis taças e meia.

-Mas ele morreu, porra!

O alarme parou.

-O combinado era o combinado. Você não terá a mulher de volta. – Disse a velha sorrindo.

– Mas que merda é essa? – Gritou uma voz vinda da porta.

Era o gerente do hotel. Ele e mais quatro sujeitos da brigada de incêndio estavam aglomerados diante dos corpos dos policiais caídos com as pernas esticadas no corredor.

A velha se virou.

O gerente perdeu a fala diante da visão da velha levitando no quarto.

-Ma-ma-ma… Que que é isso? -Ele começou a gaguejar.

A velha não fez nenhum movimento. Olhou para eles com aquele ar de superioridade e eles caíram como moscas.

-Marenka… Espere! Eu consigo mais sangue!

-Seu tempo acabou, Leonard.

-Não! Espere! – Disse Leonard desesperado. Ele sacou o punhal do bolso do paletó e cortou a garganta de Rogério. Saiu pouco sangue. Leonard puxou o corpo do jovem para o lado da cama, de modo que ele caísse com a cabeça para baixo. Aquilo fez com que um pouco mais de sangue pingasse na taça. Faltava pouco para encher a metade que faltava.

-Eu não vou esperar mais, Leonard.

-Não! Não!

Marenka desapareceu numa explosão de fumaça escura.

Leonard ficou segurando a taça, que enchia gota a gota. Olhou ao redor. Ela havia sumido.

-Desgraçadaaaaaaaa! – Leonard gritou a plenos pulmões. Lançou a taça de ouro na parede e esparramou sangue pela cama inteira.

Rogério havia morrido em vão. Pior, Leonard havia oferecido sangue à Marenka, aumentando ainda mais o seu poder atoa.

-Maldição, maldição! – Leonard sentou-se na cama, ao lado do cadáver de Rogério.

Poucas vezes em sua vida Leonard havia se sentido tão fracassado. Passado para trás por uma ljuvbna…

CONTINUA

 

Receba o melhor do nosso conteúdo

Cadastre-se, é GRÁTIS!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade

Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

Artigos similares

Comentários

  1. Philipe,sobre o app do mundo gump,como eu acho os contos? eu tento procurar na pesquisa mas não é muito boa e eu só acho as postagens principais..

    • O blog tem muitas paginas, (páginas mesmo, não posts) então, não cabia no app. Devo corrigir essa limitação quando rodar a proxima versão do nosso app. O melhor jeito é entrar num post qualquer e quando abrir o navegador, vc vai no menu e entra nos contos.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Advertisment

Últimos artigos