Um escândalo sobre um cliente descontente com o seu retrato prejudicou a carreira do pintor mais famoso de sua época, Ernest Meissonier (francês, 1815-1891), e terminou com a pintura jogada no fogo.
Quem era Meissonier?
Ernest Meissonier foi um dos mais renomados pintores franceses do século XIX, conhecido por seu meticuloso cuidado aos detalhes e pela sua maestria em retratar cenas históricas e militares. Nascido em Lyon, França, em 21 de fevereiro de 1815, Meissonier conquistou um lugar de destaque na arte francesa graças ao seu compromisso com a precisão e à sua habilidade técnica impressionante.
O Mestre do Detalhe na Pintura do Século XIX
Embora tenha começado sua carreira como ilustrador, criando desenhos para livros e revistas, Meissonier rapidamente se destacou pela qualidade de suas pinturas. Seus primeiros trabalhos eram pequenas cenas de gênero, que representavam o cotidiano com uma precisão minuciosa e quase obsessiva. Essa atenção aos mínimos detalhes se tornaria a marca registrada do artista, que sempre se empenhou em transmitir uma visão extremamente realista do mundo que o cercava.
A evolução artística na pintura
Com o passar dos anos, Meissonier voltou seu foco para a pintura histórica e militar, um campo no qual ele se destacaria imensamente. Ele se tornou conhecido por retratar batalhas napoleônicas e outras cenas militares com uma fidelidade surpreendente.
Suas obras, como “Campanha da França” e “1807, Friedland”, demonstram um profundo respeito pela história e são notáveis por suas composições dramáticas e detalhadas, que capturam tanto a grandiosidade dos eventos quanto a intensidade emocional dos momentos.
Ernest Meissonier era um verdadeiro perfeccionista. Ele não apenas pesquisava minuciosamente os uniformes, armas e detalhes históricos de suas pinturas, mas também fazia questão de reproduzir as expressões faciais e os gestos dos personagens com extrema precisão. Não era incomum vê-lo fazendo uso de modelos vivos e referências fotográficas para garantir que cada detalhe de suas cenas fosse o mais autêntico possível. Essa dedicação ao realismo fez de suas pinturas verdadeiras representações históricas, quase como fotografias de momentos passados.
Algumas obras, como (The Sergeant’s Portrait, 1874 ) lembra muito o jeitão das obras de Norman Rockwell. Talvez esse estilo de retratar situações cotidianas e eventualmente dramáticas, tenha influenciado o artista norte americano e outros, como Andrew Loomis, quase cem anos depois.
Além de seu trabalho como pintor, Meissonier também teve um papel importante como membro da Academia de Belas Artes da França e foi um defensor ferrenho dos direitos dos artistas. Ele sempre se destacou pela sua forte opinião sobre o papel do artista na sociedade e pela sua luta por reconhecimento e respeito pela profissão.
Apesar de sua popularidade e do grande valor atribuído às suas obras, Meissonier enfrentou algumas controvérsias ao longo de sua carreira. Um dos casos mais notórios envolveu justamente o retrato da Sra. JW Mackay, uma socialite americana, que se desentendeu com Meissonier quanto ao resultado final da obra. Este episódio repercutiu internacionalmente e acabou manchando um pouco a reputação do artista, que sempre se posicionou como um mestre inquestionável em sua arte.
Eu coloquei algumas obras do mestre Meissonier ao final do post.
A encomenda maldita
Apesar de toda a sua fama e das grandes somas pagas por suas obras, Meissonier pintou poucas imagens de mulheres e raramente fazia retratos. Essa encomenda ocorreu na última década de sua vida, no auge de seu sucesso internacional.
A modelo era a Sra. JW Mackay, da Califórnia. Após ver o retrato quase finalizado, ela pediu que fosse ajustado para atendê-la melhor. Uma conta foi enviada, mas inicialmente seu marido se recusou a pagar. O valor era alto para a época, entre dez e vinte e cinco mil dólares (hoje, seria algo entre aproximadamente 250 mil e 1 milhão de dólares).
Meissonier respondeu dizendo que manteria a pintura. Ele a colocou em exposição pública na França, afirmando que o público seria o verdadeiro juiz.
Na visão do artista, ele havia pintado um retrato extremamente preciso. Já para a Sra. Mackay, a obra a mostrava de maneira grosseira, parecendo “uma boneca excessivamente maquiada”.
Aqui está uma pintura que ele fez anteriormente de outra modelo:
Ernest Meissonier, Retrato da Marquesa de Manzanedo, 1872
Um relato simpático à modelo relatou:
“Parece que depois que Meissonier pintou o retrato, a Sra. Mackay o criticou um pouco e queria que ele ficasse um pouco mais acabado. Não estava terminado quando ela foi para o campo, e ela escreveu a ele que viria sempre que ele quisesse terminá-lo.”
“Ele nunca disse uma palavra, mas terminou as mãos de um modelo de uma mulher grande e grosseira com mãos feias, e fez as bochechas e lábios empoados e pintados assustadoramente, e deixou o pescoço amarelo, só porque ele estava com muita raiva que ela ousasse criticar um grande mestre como ele.”
“Agora a Sra. Mackay pensou, com razão, eu acho, que ela deveria ter sido o modelo para seu próprio retrato, e que ela poderia pedir pelo menos uma leve semelhança, especialmente porque ela teria que pagar U$ 15.000 pela pintura.”
“Sem informar a Sra. Mackay sobre suas intenções ou pedir seu consentimento, ele simplesmente enviou a pintura para a exposição, onde seus amigos a viram e lhe contaram sobre ela. Ela escreveu e pediu a pintura, e no final da exposição ela foi enviada a ela, com uma conta.”
“O Sr. Mackay ficou tão provocado que quis fazer um alarido sobre isso, mas seus amigos o persuadiram a pagar e não dizer mais nada sobre isso. Isso ele fez, e então jogou a pintura no fogo. Mas no mesmo dia em que o Sr. Mackay partiu para a América, os jornais saíram com a história, insultando a Sra. Mackay, e os artistas franceses devem se reunir e ter uma reunião de indignação de que uma tela imortalizada por Meissonier deveria ser queimada por um americano vulgar.”
O debate sobre quem estava certo tomou conta dos jornais em ambos os lados do Atlântico.
Um dos primeiros escritores a comentar sobre o incidente afirmou que “Meissonier, pela arrogância de suas maneiras, sua independência artística e, sobretudo, por seu sucesso imperdoável, vinha semeando ressentimentos por meio século.
E agora inimigos surgiram para apoiar a mulher da Califórnia. Transformaram o caso em um episódio internacional: menos desculpas já envolveram nações em guerras no passado…
A maré de prosperidade de Meissonier começou a diminuir: compradores em potencial se afastaram; aqueles que haviam encomendado obras as cancelaram.”
Legado artístico
Ernest Meissonier faleceu em 31 de janeiro de 1891, deixando um legado artístico imenso. Suas obras continuam a ser admiradas por sua atenção meticulosa aos detalhes e por sua habilidade em transformar cenas históricas em momentos de grande expressão emocional. Embora muitas vezes tenha sido criticado por sua busca extrema pela perfeição, não há como negar que Meissonier possuía um talento singular para capturar a essência de cada cena que pintava, tornando-se um verdadeiro mestre do detalhe na pintura do século XIX.
Hoje, suas obras fazem parte de importantes coleções ao redor do mundo, incluindo o Museu d’Orsay em Paris, e são estudadas como exemplos excepcionais da arte acadêmica francesa. Ernest Meissonier continua sendo uma figura fascinante da história da arte, cujo compromisso inabalável com o realismo e o detalhismo ainda inspira artistas e entusiastas até os dias de hoje.
Assim, podemos dizer que o grande desentendimento no quadro da Senhora Mackay foi realmente uma mancha em seu extenso currículo. Sua habilidade com os pincéis deixa transparecer que ele deu mesmo um faniquito ao ver que a ricaça questionou sua arte e a pintou de maneira ridícula de propósito. Infelizmente, como o quadro foi para a fogueira, nunca saberemos a marmota que ficou. Mas vendo a qualidade do traço do cara, esta óbvio que ele fez de sacanagem. Tem gente que merece.
Grandes obras de Meissonier