O grande lixão da moda, no meio do deserto

Trata-se de um vergonhoso crime ambiental o que acontece numa região do deserto do Atacama, no Chile. Milhões e milhões de toneladas de roupas e retalhos de tecido se acumulam, e seguem aumentando diariamente com o envio de caminhões lotados para jogar lá.

Trata-se do grande lixão da moda. Um lugar onde simplesmente todas as coleções que não vendem, e sobras de tecidos de grandes tecelagens do mundo são jogadas e ficarão lá, se acumulando, porque o negócio muda a cada estação, novas estampas surgem tão rápido quanto outras saem de moda.  Toneladas de tecidos de todos os tipos e materiais ficam sob o escaldante sol num lugar onde praticamente nunca chove, apodrecendo sob efeito dos raios ultravioleta.

Além disso, grande parte da roupa está cheia de poliéster, um tipo de resina plástica derivada do petróleo e que oferece grandes vantagens em relação ao algodão: mais barato, pesa pouco, seca rápido e não amassa. O problema é que demora 200 anos para se desintegrar – o algodão leva 2 anos e meio.

E no deserto do Atacama, a maioria das peças estão cheias justamente de poliéster. Camisetas esportivas, trajes de banho ou shorts brilham como novos, mas provavelmente estão há meses ou anos nas pilhas de lixo. Com o passar do tempo, as roupas se desgastam e liberam microplásticos que acabam na atmosfera, afetando fortemente a fauna marítima ou terrestre das cercanias.

Os dados globais sobre o desperdício de roupas são alarmantes, e começam dentro de nossas casas: estudos sugerem que, em média, as peças são descartadas ainda novas, após apenas 10 usos. Segundo levantamento da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE), cerca de 21 bilhões de toneladas de roupas terminam em aterros ou lixões anualmente, dos quais 39 mil toneladas vão parar na montanha do Atacama todo ano.

Screenshot de BBC

 

Um dos maiores “cemitérios” de roupa do mundo, a montanha do Atacama, localizada na região do deserto conhecida como Alto Hospício, ao norte do Chile, é formado por calças, camisetas, bermudas, meias e casacos fabricados na China ou em Bangladesh, e se tornou um símbolo do impacto ambiental e humano da indústria têxtil tradicional. Além de envenenar o deserto com os químicos que as peças carregam – e que levam ao menos 200 anos para se desintegrarem – o local se tornou um centro de exploração de trabalho entre os catadores no “lixão da moda”. Trata-se, porém, de somente um de muitos focos desse imenso problema: segundo a ONU, a fabricação de roupas é responsável por 20% de toda a água desperdiçada do planeta.

 15 anos de descaso

Faz cerca de 15 anos que os descartes têxteis se acumulam nesse lugar icônico, mas agora o problema tem atingido proporções gigantescas, afetando 300 hectares (algo como 420 campos de futebol) da região, segundo a secretaria de meio ambiente de Tarapacá.

Os culpados “não querem se pronunciar”

É surreal que um espertão encha contêineres e navios de lixo em seus países e navegue até o chile onde vão desembarcar toda sua sujeira e jogar no ambiente de um país alheio. Parece loucura, mas de fato, é isso mesmo. O mais curioso é que pelas leis do Chile é proibido descartar roupas no meio ambiente, então, como uma merda dessa acontece?

Corrupção é a explicação mais óbvia, mas ainda assim, a história é estranhamente curiosa.
Tudo começa com uma zona franca têxtil.

Caminhões carregados com fardos de roupa usada entram e saem da Zona Franca de Iquique, mais conhecida como Zofri. Este paraíso das compras abriga um imenso parque industrial onde operam mais de mil empresas que comercializam seus produtos isentos de impostos.

Seu lugar estratégico no norte do Chile – a poucos quilômetros do porto do Iquique – transforma a área em um importante centro comercial para outros países latino-americanos como Argentina, Brasil, Peru e Bolívia. Aqui estão instaladas ao menos 50 importadoras que diariamente recebem dezenas de toneladas de peças de segunda mão que depois são distribuídas por todo o Chile para revenda.

O negócio é imenso e completamente legal. De acordo com o Observatório de Complexidade Econômica (OEC), uma plataforma que registra diversas atividades econômicas pelo mundo, o Chile é o maior importador de roupa usada na América do Sul, recebendo 90% desse tipo de mercadoria na região.

Os proprietários das importadoras têm nacionalidades distintas: alguns são de países longínquos como o Paquistão. Com um domínio precário do espanhol, vários se recusam falar sobre o assunto. “Ninguém quer se responsabilizar”, diz um dos importadores. Após várias tentativas, a fundadora da PakChile, Paola Laiseca, explicou à BBC Mundo como funciona o negócio:

“Nós trazemos roupa dos Estados Unidos, mas também chega da Europa”

diz ela, sentada no escritório de um imenso galpão onde se acumulam vários fardos de peças de segunda mão. A maioria dessas roupas foi doada a organizações de caridade em países desenvolvidos. Muitas vão para locais de distribuição ou são entregues a pessoas necessitadas. Mas o que não é aproveitado (por defeito na peça, por exemplo) segue para países como Chile, Índia ou Gana.

Lá no porto de Iquique chegam peças de qualidades distintas.

“A roupa usada vem em sacos e nós aqui fazemos uma seleção dividida em primeira, segunda e terceira categoria. A primeira é das melhores peças, sem defeitos, sem manchas, impecáveis. A segunda pode ter peças sujas ou descosturadas. Na terceira há produtos mais deteriorados”

A empresária diz que as peças de terceira categoria são, sim, vendidas (e que ela só descarta 1% de tudo o que é importado). Mas autoridades locais ouvidas pela BBC Mundo afirmam que grande parte acaba em lixões clandestinos. Estudos mostram que ao menos 60% do que se importa ali é resíduo ou descartável e é isso que forma os montes de lixo.  Então, o governo Chileno faz uma vista grossa curiosa, eles meteram uma lei onde no Chile é proibido descartar têxteis até em depósitos legais porque “causa instabilidade do solo”.

Assim, não há, em teoria local, para jogar fora o que não se comercializa. O que ocorre com isso? Na hipocrisia pura, o governo do Chile lava as mãos, dizendo que proibiu (pra não pegar mal), mas na prática, isso gera todo um mercado negro de “sumidouro de material”.

 Há um verdadeiro pelotão de pessoas que recebem dinheiro para descartar a roupa que não é vendida. De acordo com Patricio Ferreira, prefeito de Alto Hospicio, os importadores da zona franca “contratam carreteiros ou um caminhão coletor e pagam para que deixem em qualquer lugar no deserto”. Carmen García, que veio da pequena cidade de Colchane, compra roupa dos importadores para revender na imensa feira de La Quebradilla, em Alto Hospicio. É possível encontrar marcas como H&M, Pepe Jeans, Wrangler e Nike.

Os preços são incrivelmente baixos: por menos de US$ 1 é possível comprar uma camiseta ou calças. Tudo o que você vê aqui vem da Zofri, diz ela, mostrando sua barraca com araras cheias de roupa.

Outros lixões similares pelo mundo

Não é somente o Chile que precisa lidar com o problema ambiental do lixo de outros países.  Lugares  como Gana, na África, também sofrem do mesmo mal. Todas as semanas, mais de 15 milhões de peças de roupas usadas chegam a Gana, na África Ocidental, onde são disputadas por revendedores. Grande parte é de doações vindas da Europa, China e dos Estados Unidos.

Mas hoje, muito do que chega nos lotes do exterior são peças de baixa qualidade ou danificadas, herdadas do mercado da “fast fashion” – marcado por roupas mais baratas e pouco duráveis.

Poucas pessoas querem comprar esses produtos, fazendo com que fiquem encalhados e acabem sendo descartados em aterros, que já estão sobrecarregados.

Estima-se que cerca de 40% das roupas enviadas terminam em lixões. Alguns deles, localizam-se próximo às áreas marítimas, o que acaba facilitando que as peças sejam levadas para o mar pelas ondas. Muitas dessas roupas são feitas com tecidos sintéticos como o poliéster, que quando vão parar na água liberam microplásticos. Essas micropartículas acabam sendo engolidas pelos peixes e outras espécies marinhas, que morrem asfixiadas depois.

O desperdício de peças que poderiam ser recicladas gera um prejuízo de US$ 500 bilhões por ano para a indústria da moda. Mas os maiores prejudicados acabam sendo os países pobres como Gana, que são transformados em verdadeiros depósitos de lixo para as grandes empresas produtoras dos países ricos.  Além do descarte inadequado, outro grande vilão é o consumismo desenfreado estimulado pela indústria da moda atual. No Ocidente, compra-se 60% mais roupas atualmente do que há 15 anos.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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