Lições do Davi para o pai

Antes de ter um filho, nunca havia pensado tão seriamente em como um ser recém chegado ao mundo poderia contribuir para um burro velho como eu mudar seu ponto de vista ou mesmo aprender algumas valiosas lições.

Por sorte, eu trabalho em home-office, de modo que estou acompanhando, segundo a segundo, a vida do Davi desde que ele pisou no mundo. Não raro, trabalho com ele no meu colo, o que por si já representa uma bela contribuição dele para o aperfeiçoamento do meu equilíbrio, que já está se aproximando do nível Batman.

Hoje, enquanto eu ouvia a música dos elefantes da galinha pintadinha rolando no Netflix, – que sem sombra de dúvida é a trilha sonora mais tocada na radio do INFERNO – comecei a observar o Davi em suas brincadeiras e me lembrar de um monte de pequenas coisas, que diante de um olhar mais distraído poderiam passar quase invisíveis, mas que para uma pessoa interessada nas lições invisíveis do mundo, pareciam tão claras quanto fundamentais.  Resolvi então parar por um minuto o post (maneiro) que estou fazendo sobre um jogo de poker, para falar sobre o Davi e suas lições pra mim. Dá pra fazer um livro, serião! Mas vou resumir em apenas 5, afinal, tenho mais o que fazer também.

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Lição Número 1 – Resiliência e foco

O Davi estava tentando subir no sofá. Tudo estava contra ele. A tv estava ligada tocando Galinha Pintadinha. Eu estava mostrando uma revista pra ele procurar “o carro”, os brinquedos que ele gosta estavam jogados pelo chão. Tudo estava contribuindo para desmotivar o Davi a subir no sofá.

Apesar dos meus esforços, da galinha e tudo mais, apesar do sofá ser alto, a escalada perigosa como uma aventura no Everest, e suas dificuldades motoras (isso aconteceu quando ele tinha poucos meses) ele cagou para tudo e subiu na porra do sofá.

Então, intrigado com a necessidade de um bacuri de onze meses querer subir num sofá, sem nem ao menos saber andar, eu peguei ele, tirei do sofá e coloquei no chão. Recomecei a ladainha dele ver a revista, pegar o brinquedo, ver a galinha… Novamente, após uns minutos de contemplação de ter descido magicamente do sofá, ele recomeçou sua jornada rumo ao pico.

Por diversas vezes eu removi o Davi do sofá. E ele tornou a subir todas as vezes que eu o baixei de lá. Aquilo me ensinou uma lição fundamental sobre as distrações da vida. Quantas vezes nós nos pegamos escrevendo e lendo abobrinhas no Facebook quando devíamos estar trabalhando naquele serviço chato?

Vivemos procrastinando… E o pior, desistindo, abrindo mão.

Quantas vezes “jogamos a toalha” diante das primeiras impossibilidades?

Destrua a teia de uma aranha e ela começa a reconstruir a teia minutos depois. Tire o Davi do sofá e ele começa a escalar assim que é colocado no chão. Por que nós não começamos a correr atrás e ficamos igual a paspalhos quando surge um obstáculo na nossa vida?

Após ficar no alto do sofá, como um paxá, Davi sorriu com sua boca banguela. Ele sabia que havia me vencido. Havia atingido seu objetivo.

Foco. Ele não tentou pular, não tentou pendurar no quadro da sala. Ele queria o topo do sofá. Chegando lá ele apenas sentou e admirou a paisagem. E aqui veio uma outra lição de brinde: Ele me ensinou a desfrutar da conquista. Vivemos imersos num mundo obcecado por metas, meritocracia, ambição e toda essa conversa que estamos cansados de ouvir. Eu não sou assim, mas conheço gente que nunca estará satisfeita. Ganhou um milhão? Pode crer que está em deprê porque acha que merecia dois.

Ou quem nunca ouviu falar daquele sujeito que trabalhou e acumulou grana a vida toda, para morrer e os parentes torrarem a grana dele? Desfrutar o sucesso é parte integrante de lutar por ele.

 

Lição Número 2 – Criatividade e simplicidade

Certo dia o Davi ganhou uma bola que girava, tocava uma musica frenética e piscava um raio laser. Se me dissessem em 1983 que meu filho de um ano teria um brinquedo de raio laser talvez eu não acreditasse. Se bem que em 1983 eu acreditava em qualquer merda…

Mas o fato é que o Davi ganhou o brinquedo cheio de gueri-gueri, e para o meu espanto, não deu a mínima.  Me lembro claramente da minha infância, em que qualquer brinquedo que tivesse uma única luzinha, seria meu brinquedo preferido para toda a eternidade. Se emitissem um som que fosse, ferrou. Eu ia surtar o cabeção.

Então me parecia incoerente que o meu filho não curtisse a bola que rodava sozinha, brilhava, piscava, tocava musica e jogava raio laser nas paredes.

Percebi então que para o Davi, aquilo era uma esfera de plastico, que estava “brincando sozinha”.  Após contemplar por dez segundos o brinquedo e entender que sua única interação se baseava em olhar aquela coisa esquizofrênica girar, ele perdeu o interesse.

Davi se levantou, foi até a cozinha, abriu a gaveta e pegou a colher de sorvete. Voltou para a sala, pegou um brinquedo parecido com um pote e começou a colher sorvete imaginário.

Quem entre nós nunca viu aquela tia rica gastar os tubos num brinquedo cheio de papagaiada e a criança se interessar mesmo é pela embalagem?

O Davi sempre teve muito mais interesse por coisas inanimadas, coisas sem musica, apitos, brilhos ou presepadas. Percebi que a lição ali era simples e importante: A interação é uma força poderosa. A era do entretenimento passivo, como olhar uma bola com luzes girar já passou.

Outra lição foi a simplicidade. Todo mundo conhece alguém que é do tipo doente por novidades. O cara tão logo encontra você quer mostrar aquele aparelho XPTO2000 que faz milhares de funções, assovia e toca musica, calcula juros, passa filme, entra na internet, tem joguinho e é à prova d´água. Quase uma Tecpix. Saiu outra merdinha eletrônica superior uma semana depois, o XPTO2000 já é uma “merda”.  Será mesmo?

Me lembrei de imediato que um dos brinquedos que brinquei e amei na infância era um barbante. Sim, um ridículo, pobre e tosco BARBANTE. Mas na minha mente aquilo era tudo, cobra, avião, tentáculo… Um barbante jamais ficará obsoleto.

 

Lição Numero 3 – Uma vassoura é uma VASSOURA.

No mundo real, apesar do que toda a mídia tenta nos vender, precisamos de muito pouca coisa e praticamente nada do monte de bagulho que vem na Tecpix faz dela um bom aparelho.

Dou ao Davi uma vassoura, e aquilo pode virar ao mesmo tempo uma espada, um cavalo, ou o mais importante: Uma vassoura!

Para o Davi, uma vassoura não é uma vassoura. É uma VASSOURA.

Com caixa alta e negrito. A vassoura, é mais espetacular que qualquer brinquedo, videogame, traquitana eletrônica… A vassoura é uma espécie de monolito gigante com o qual ele dominará o mundo. É o cetro do poder. Dar a vassoura para ele segurar significa permitir que ele veja um mundo repleto de sujeira, um mundo que precisa ser ordenado e varrido. E varrer não é trabalho quando antes disso, é uma brincadeira.

E isso me fez parar e pensar o que, na minha vida nunca deve ser visto sem o uso da caixa alta e negrito.

 

Lição Numero 4 –  Tintina é importante e tem hora

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Estou trabalhando, são quase oito da noite. Ele vem, me pega pela mão e pede “Tintina”.

Tintina é cosquinha.

Quando eu era criança, odiava que me fizessem cócegas, mas bizarramente,  o Davi adora e acha que eu tenho que fazer cosquinhas nele todo dia. Tem hora certa. Aí eu levo ele pra minha cama, jogo ele pro alto, rolo por cima dele com meus 90 quilos e faço cosquinha até não acabar mais no moleque. Depois finjo que estou dormindo e ele brinca de me acordar, para ganhar mais cócegas. Isso já acontece há tanto tempo que não lembro quando nem como começou. Sei que ele não tinha nenhum dente e já vinha com essa mania de cosquinha. Fazemos sempre as mesmas brincadeiras, e uma das que ele adora é a do “meninoooo voadoooor” – imagine por si. Não descreverei para evitar de levar um esculacho público da Nivea. Então brincamos de virar cambalhota e depois o mortal. Ele adora brincadeira de ogro e felizmente ele quase nunca se machuca.

Depois vem a hora da história. Sem zoação, eu acho que conto diariamente pra ele umas 40 historinhas. E ele gosta sempre das mesmas. Parece estranho tirar uma lição daí, mas me intriga esse senso de responsabilidade dele, de achar que tem hora para fazer tintina e contar historinha. Ele nunca perde a hora, Nunca esquece de pedir e nunca se contenta com um “já vô”.

Eu ainda não sei o que ele mais gosta nisso tudo. Se é o fato de ficar comigo na cama brincando de um jeito bruto diferente do jeito que todo mundo brinca com ele ou se é pela diversão do fusuê. A verdade é que pouco importa, eu me divirto muito e acho que vou entrar em deprê no dia que ele não me pedir mais “tintina”.

 

 Lição Numero 5 – O sentido da vida

Eu estava trabalhando e o Davi apareceu.
“- Oi?”
Oi… Respondi. Ele me pegou pela mão e me levou até o quarto. Mandou que eu deitasse na cama. Achei graça e obedeci.
Então ele deitou do meu lado e ficou parado. Achei que ele quisesse dormir. Resolvi provocá-lo com uma pergunta sem sentido para uma criança de um ano:
Davi, qual o sentido da vida?
Ele me olhou e disse: – “Amor”. – Então me deu um abraço.
E assim eu aprendi mais uma lição.

Obviamente o Davi não fez uma longa reflexão confunciana ali na cama. Ele simplesmente falou de bate pronto algo que eu sempre falo quando abraço ele.

Reflexo puro, talvez. Mas não é só o que ele fala que vale e sim o que eu escuto. Quando o aluno está pronto para aprender, ele recebe as lições dos professores invisíveis.

E isso fecha este post com a observação de que diariamente à nossa volta, valiosas lições são ensinadas, mas muitos de nós não paramos nossas vidas tumultuadas para poder captá-las. E essa sim, foi uma puta aprendizagem grátis que tive só observando o meu filho.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Cara. Adorei esse post. Cheguei a me emocionar lendo e me vendo fazendo tudo isso com minha guriazinha de 3 anos. Eu acho máximo quando ela tbm me chama para deitar na cama com ela e fazer cosquinhas e outras coisas mais. Ela adora fazer o “aviãozinho”. Deve ser parecido com o menino voador. Rsrsrs. E realmente eu também acredito que podemos aprender muito com nossos pequenos. Principalmente em como ser feliz com coisas simples. Ela tem inúmeros brinquedos. Um mais tecnológico que o outro. Mas basta dar uma simples folha de papel e um lapis para ela e poder esquecer, vai a tarde toda viajando no mundinho que ela criou ali. Naquele simples pedaço de papel. Tenho medo de quando ela crescer. Eles ficam independentes rápidos demais. Parabéns pelo filhote e aproveite cada minuto!!!!

  2. Parabéns Phelipe, feliz é o pai que consegue absorver com sabedoria as lições que nossos filhos nos ensinam. Bonitas são suas observações, aproveite-as elas passam muito rápidas.
    Me considero também feliz, porque pude observar os meus também e tento até hoje observar outras crianças (talvez com saudades daquele tempo), procurando novas lições. A vida é um aprendizado, basta termos vontade de aprende.
    Parabéns por Davi está crescendo um menino com simplicidade e amor,
    Grande abraço para você e Nívea.
    Paulo Fernando

  3. Adorei o texto Phillipe!
    Vou ser pai em menos de um mês e sei que devo vivenciar coisas semelhantes em breve… muito embora eu deva maneirar nas brincadeiras de Ogro, porque, afinal, é uma menininha…
    Grande abraço!

  4. *-* Crianças são seres incríveis mesmo, têm um dom único de fazerem as pessoas verem as coisas com um olhar diferente e de nos alegrar com gestos simples. Eu não sou pai ainda (quero muuuito ser), mas faço um trabalho voluntário com duas crianças que moram em um abrigo e, nossa, é realmente algo muito bom e gratificante de se fazer, eles nos fazem lembrar q oq realmente importa esta muito mais próximo do q imaginamos e gestos simples como fazer cócegas tornam o dia mais alegre. Parabéns cara, post muito bom, e parabéns pelo seu filho que é muito lindo!

  5. É um homem de sorte! Não por ter um filho que gosta muito de estar com você, mas porque tu percebe que muito se deve valorizar isso. Ainda ão tenho filhos, mas fui irmão só aos 11 anos, então vi uma pessoinha crescer, e brinquei muito. O elo formado é inesquecível, privilegiado e imortal. Se um dia seu filho se interessar mais pelas gatas, pelas bagunças de adolescente e pelo trabalho, não se desespere. No dia que ele for pai, ele vai se agarrar horrores a você e te carregar no colo! Então, aproveita cara!

  6. Acho que todo pai já teve momentos como esses. Mas o que não acontece na maioria das vezes é não aproveitamos essas oportunidades para aprender!

  7. Seu filho está gigante!! E imaginar que outro dia os leitores estavam dando parabéns pelo nascimento.
    Gostei principalmente desse pedaço:
    Davi, qual o sentido da vida?
    Ele me olhou e disse: – “Amor”. – Então me deu um abraço.
    Me lembra uma história muito impressionante que aconteceu com meu cunhado, mas que infelizmente é longa demais para contar!

  8. Que lindo!!!! Eu meio que “vi” o David crescer por todas as publicações e nossa q coisa linda ele ficou !! Mesmo com um pai tão tecnológico ele ainda é uma criança normal ,não dessas q ficam o dia todos já grudadas em porcarias eletronicas. Parabeeens! seu filho tá lindo. Crianças são um barato , ensina coisa pra gente sem nem fazer esforço.

  9. Que privilégio do pai poder trabalhar ao lado do filho e que privilégio do filho poder estar todo dia no trabalho do pai! Só pode ser uma criança linda mesmo, parabéns!
    Parabéns pelo site também!

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