quarta-feira, dezembro 11, 2024

Como lidar com um impertinente de lotação

Existem diferentes tipos de impertinentes de lotação. Não pretendo fazer nenhum tratado sobre esses seres desprezíveis aqui, mas apenas registrar um momento fugaz do passado que me ocorreu outro dia num almoço com minhas amigas do trabalho.

Naquele tempo eu estava num ônibus semi cheio.

Um ônibus semi-cheio é algo variável de cidade para cidade, sobretudo da hora relax para a hora do rush. Mas naquele momento, o semi-cheio significava apenas todos os lugares ocupados.  Eu e meu irmão havíamos pego o ônibus e em um milagre matemático desses que não se explica, havia dois lugares livres no busum. Todos os dois no corredor (querer janela tb é demais!) e um na frente do outro. Sentamos ali e ficamos batendo papo.  Eu conversava com meu irmão animadamente quando a dona que estava do meu lado levantou-se e puxou a cordinha, saindo do lugar. Pela lógica, tudo era óbvio. Meu irmão levantou-se para sentar ao meu lado, mas do nada, numa velocidade estupenda uma bunda gigante jogou-se no espaço vago. Era um gordão daqueles que você se pergunta se seriam produtos de uma degeneração genética da espécie humana ou apenas uma comprovação de que alienígenas existem. Não era novo, nem velho. Era apenas gordo e feio. Meio careca, com cara de critico boçal de cinema. Aqueles que gostam de dizer que filme bom é filme iraniano de título hermético.

Tudo bem. Contive meu impulso assassino aprendido com ninguém menos que Gelson, e mantive a aparência serena de um monge tibetano. O busocão ia se sacudindo de modo rotineiro e a cada “zig” o filho da puta ia pro “zag”. Talvez culpa de seu volume adiposo, sei lá.

Então eu olhei para o meu irmão no banco de trás e nem precisei dizer nada.

Eu dei uma PUTA DUMA TOSSIDA NA CARA DO BALEIÃO.

Foi uma daquelas tossidas que você consegue sentir as ondinhas de catarro subindo pela sua garganta em direção ao olho do incauto companheiro de viagem.

O cara fez uma cara de “caralho!” pra mim. E tão logo eu terminei minha tossida o meu irmão emendou:

-Porra, que foda hein?

E eu:

-Cof, cof, pois é.

-Cara tá tomando o remédio ainda?

-Não. Parei.

-Que isso, maluco! Pirou cara? Quer morrer? A médica não falou que não podia parar? Que essa merda aí mata?

-Pois é, mas eu parei de escarrar sangue. Achei que tava bom. Agora voltou pior.

-Porra, cara,. Minha mãe sabe que você parou de tomar o remédio de tuberculose?

-Não. Eu não falei nada. (pigarreando com força. Tudo pela interpretação, né?)

Nisso o gordão ali do meu lado começa a ficar meio azul. Notei que desde a tossida na cara ele estava congelado. Acho que tava prendendo a respiração, coitado.

Em menos de um segundo após o meu pigarro escatarrento do fundo do meu âmago, o baleião levantou e desceu do ônibus. Acho que nesse dia ele tomou banho de álcool.

Eu e meu irmão tínhamos esta mania de mudar de assunto do nada, sem aviso, sem piscadela sem nenhuma indicação que estávamos em “sacangem mode on”. Um dia na barca me lembro que estávamos conversando e notei que o maluco do nosso lado estava descaradamente prestando atenção na nossa conversa.

Pois então começamos algo mais ou menos assim:

-Mas e aí? Matou? – Lancei eu ao léu. Bem assim mesmo. Completamente fora de todo o contexto da conversa. Quando acontecia isso, ele já sabia do que se tratava e emendava.

-Matei.

-E ele? Chorou igual mulherzinha, né?

-Porra, pediu pelo amor de Deus e tudo. Disso que tinha filho, filha, gato, papagaio, periquito. O escambau a quatro.

-Pô cara você não ficou com remorso de matar o cara não?

-Eu disse, sai do carro ô filho da puta. E ele não saia. Aí já viu. Não pode perder a moral.Sabe como é…

-Sei. Outro dia eu apaguei um também.

-Faca ou pistola?

-Pistola. Faca ninguém usa mais. Só o… Porra como é que é o nome dele?

-Quem juvenal?

-Não, aquele grandão. Meio mongo. Um que tem uma cicatriz na cara… Lá do Turano (um morro do Rio)… Sabe quem?

-Ah, sei… Porra ele tem um nome estranho. Tipo Jaburú, jabruré…

– Ah! Lembrei. É Harakiri. O cara é maluco. Mata com faca. Da última ele arrancou a cabeça.

-Caralho, arrancou a cabeça com faca?

-Arrancou, maluco. O cara tem o maior bração. E a porra da cabeça não soltava. Ele começou a rodar a cabeça do PM. Custou a arrancar.

– E depois?

-Depois ele jogou lá de cima. Caiu na casa de alguém (risos maníacos)

Nisso, o velho do meu lado está com o jornal enfiado na cara. Eu noto um leve tremor em suas mãos. E continuo.

– Mas sabe, cara. Tipo, aí ele jogou a cabeça lá e a galera aplaudiu. Parecia coisa de olimpíada. (risos maníacos)

– Porra. Sinistro. Tiro tudo bem, Mas faca é foda. Faca é pra capa do Povo. Não sei como ele dorme.

-O cara não dorme, meu. Ele fica ligadão na Brisola lá direto. Mas o pior não é isso.

-Ah. Para.

-Sério, maluco. Nesse dia o povo aplaudiu e o cara tipo deu uma piarada lá. Ele viu uma dona que tava olhando, vendo (ênfase) assuntos que não lhe diziam respeito.

-Esses tem que matar mesmo.

Nisso o maluco do nosso lado quase entra com o corpo todo no jornal.

-Aí ele foi lá e pegou a dona, cara. Puts.

-Cruel?

-Porra, cara nem precisava. A galera até pediu pra pegar leve com a tia.

-Mas nego encherido tem que se foder mesmo. Fica com a butuca no assunto dos outros. Tem mais que se ferrar. Dona fifi se fufú! (risos maníacos)

A barca não tinha nem completado 60% da viagem e o maluco dobrou o jornal e saiu, todo duro, sem olhar pra trás. Aposto que daquela testa ali escorria uma gotinha suplicante de suor.

Mas é fogo. Hoje em todo lugar, com cada vez mais gente nas cidades, está impossível conversar em paz, sem que se forme uma espécie de platéia julgadora silenciosa ao seu redor. Não dá pra falar nada escabroso, porque sempre tem um desgraçado ali de butuca ligada. Outro dia eu estava num restaurante nipo-chinês do centro conversando com a Denise. Eu contava pra ela uma história muito da escalfobética que por “N” motivos não posso me dar o luxo de contar aqui, mas que é muito, muito bom mesmo. A cada reviravolta na história a Denise vibrava. Eis que eu conto a história quando uma pessoa na mesa ao lado que nunca vi mais gorda, vira pra nós e comenta.

-Olha, me desculpa, eu sei que não tenho nada a ver com isso, mas tenho que falar. Essa história é muito boa. è sensacional. Isso aconteceu mesmo?

E então o papo a dois vira um papo a três e eu continuo contando a parada.

Surreal?

Surreal não. Gump.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. de vez em quando eu faço uma dessas com um brother meu, só que agente oupega leve de vês ou escraxa logo, ms que é bom é um abraço king philip

  2. tipo, a gente tbm brincava assim na casa de um amigo meu, q tinha uma sacadinha q dava pra rua.. a gente pegava o tel e ia falando alto coisas do tipo:
    – po cara, ja termino o serviço? ja mato? coloko no saco direitinho?
    :happy:

  3. É bom fazer esse tipo de coisa naqueles dias frios, em qeu as pessoas deixam todas as janelas do ônibus fechadas. E mesmo que esteja frio, não dá, ne! As pessoas tiram as roupas de frio que estão há seculos guardadas no armario, e com ‘aquele’ cheiro (no RJ é asim, né). É infalivel inventar que tem uma doença terrivel… em segundos várias janelas se abrem.

  4. Ai gente, esse estória sua e do seu irmão é a melhor!

    Acabei lembrando no dia em que estávamos você, tiago e eu no centro e você gritou “estourou a cabeça”. Toda vez que lembro daquela velhinha correndo com a criança, vem uma lágrima no canto do olho.

  5. sério, odeio gente q fica d platéia prestando atenção nas conversas… e é ainda pior qdo vc percebe q elas meio q querem participar, ai ficam sorrindo, fazendo sinal c/ a cabeça… ng merece…

  6. [quote comment=”28455″]Cara, você devia escrever um livro de contos com tudo que sai aqui no blog… show de bola! capa do Y!P !!!![/quote]
    Pois é. O livro tá no esquema já. Só falta achar um editor pra lançar.
    Se alguém aí conhece um e estiver interessado, estou estudando propostas.

  7. :wow: ai legal não vou pedir para vc contar a tal historia pq vc deve ter um poco de privacidade.
    assunto.
    eu odeio isso todo mundo escuta o q vc fala e isso e chato.

  8. próprio do brasileiro esse artiguinho: preconceito, preconceito, preconceito, preconceito, preconceito, preconceito, preconceito… FAZ PIADAS MÓRBIDAS SOBRE PESSOAS OBESAS, HOMOXESSUAIS, SOGRAS… E SE ACHAM O MÁXIMO, SE ACHAM SUPERIORES… SEI QUE IRÁ APAGAR ESSE COMENTÁRIO MAS FIQUE NA SUA CONSCIÊNCIA SE É QUE TEM UMA… O RESPEITO AO PRÓXIMO É UMA VIRTUDE DE POUCOS E É ALGO QUE MAIS DIA OU MENOS DIA O BRASILEIRO TERÁ QUE ADOTAR, SEJA POR FORÇA DE LEI, SEJA PELO SOFRIMENTO QUE A VIDA IMPÕE… E O SOFRIMENTO É A VIDA NOS ENSINANDO…

  9. philiphe muito boa suas historias espero que no seu livro tenha historias iguais a essa e melhores .
    gostei muito e estou pensando em comprar o book.
    espero q responda.abraços continue assim q vc vai ser o Quentin Tarantino brasileiro hehehe

  10. Meu Deeeus, O.o kkkkkk
    vcs n tem piedade neh xD
    deve de ser bem loko anda com vcs por ai, e fazendo essas seções de tortura psicológica com essas, pessoas q diga-se por sinal, Merecem! kkk
    Flww ai Philipe, e MANDA A PROXIMA PARTE DE ZUMBI!

  11. Meu Deeeus, O.o kkkkkk
    vcs n tem piedade neh xD
    deve de ser bem loko anda com vcs por ai, e fazendo essas seções de tortura psicológica com essas, pessoas q diga-se por sinal, Merecem! kkk
    Flww ai Philipe, e MANDA A PROXIMA PARTE DE ZUMBI!

  12. Um dia desses, estava eu num buso, quando uma gorda de uns 370Kg sentou-se ao meu lado. O pior de tudo, é que ela usava uma daquela jaquetas balão, que a deixava ainda mais gorda. A minha sorte é que naquele dia, não estava fazendo muito calor.

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