A caixa – Parte 29

– Cabelinho? – Perguntei incrédulo. A voz soava meio diferente, devido a parede. Talvez ele estivesse muito debilitado.

-Anderson! – Ele disse do outro lado. – Onde você andou, cara? Que lugar é este, meu?

-É você Cabelinho? – Tornei a perguntar. Se ele estava morto… Eu não conseguia entender. Tive medo que não fosse ele. E se fosse o Mungo se passando pelo meu amigo? Daquele monstro eu esperava qualquer coisa.

Então deu um silêncio. Ele não respondeu nada. Eu fiquei esperando que ele me dissesse alguma coisa. Tudo parecia meio confuso.

Comecei a me perguntar se eu na verdade não havia morrido na igreja.

-Eu… Eu não sei onde que eu estou. É tudo confuso. – Ele disse finalmente.

-Cabelinho, escuta, você lembra o que aconteceu? Você enfiou a fíbula na mão, tava jogando lembra?

-Eu… Eu não lembro. Não sei. Lembro de você. E então acordei aqui, no escuro. Que lugar é este?

Agora quem ficava em silêncio era eu. Achei estranho o Cabelinho não lembrar como havia ido parar na caixa, mas me lembrei também que quando sofri o acidente com o caminhão, eu não me lembrava dele…

-Anderson? Como vamos sair daqui? – Ele perguntava.

-Cara… Escuta. Deixa eu te falar uma coisa.

-Fala.

-Você lembra da caixa? Do que eu te contei?

-Lembro. A caixa… Um lugar escuro que você estava quando estava em coma.

-Você está na caixa agora, junto comigo eu vim te salvar. – Eu disse, tentando não transparecer minha incredulidade com meus próprios argumentos.

-Hum… – Ele gemeu do outro lado.

-Cara… Eu não sei como que eu vou te falar isso, mas…

-Fala cara. – Ele disse. Eu achei estranho, porque o Cabelinho estava parecendo mais formal do que de costume.

-Você morreu, cara.

-O que?

-Então, você se furou com o alfinete que a bruxa me deu…

-Do que você está falando, porra? – Ele parecia estar bem irritado.

-Cara, não sei porque isso apagou da sua memória, mas, escuta, uma bruxa me deu um alfinete. Ela me disse que era pra eu espetar duas pessoas com ele e elas vinham pra cá. Você pegou o alfinete e se espetou.

-Eu me espetei?

-Sim. Foi.

-Porra… E agora?

-Calma, a parada não acaba aí. Você veio parar aqui, e lá do outro lado, no mundo, você caiu duro, em coma. Te levamos para o hospital, você ficou em estado grave…

-Sei… Continua.

-E então… Você morreu, cara.

-Eu estou vivo, Anderson.

-Aqui sim… Mas lá… – Eu respondi.

Houve um breve minuto de silêncio.

-Meu… Tu me viu morto lá?

-Não. Foi no hospital. Perguntei a uma faxineira.

-Ah, porra! A mulher te falou errado, meu.

-É… Pode ser.  – Eu disse. – Quanto tempo você está aqui?

-Ah, meu… Tô andando aqui tem umas seis horas, eu acho.  – Ele respondeu.

Aquela frase comprovava minha teoria de que o tempo do lado de fora era diferente do tempo da caixa.

-Lá fora já passaram alguns dias. Você sabe da Mara? – Perguntei.

-Mara?

-A Mara é uma moça que eu conheci aqui na caixa. Ela está presa aqui. Você não lembra? Nós vimos ela no hospital.

– Não sei. Estou meio confuso. – Ele respondeu.

Aquilo me frustrou. Imaginei que os dois estivessem juntos na caixa. Descobrir que Cabelinho estava vivo tinha sido uma grata surpresa.

-… Eu conheci sua tia.

-Ela veio?

-Veio.

-Porra, então foi grave o lance. – Ele disse, lacônico. – Como vamos sair dessa caixa?

-Um cara… Um amigo… Ele esta me ajudando. Ele vai tirar a gente dessa.  – Eu disse, torcendo para que aquilo fosse mesmo verdade.

– Cara…

-Fala.

-Meu pai e minha mãe não tão sabendo né? -Ele perguntou. Me senti estranho ao ouvir aquilo, pois eu não sabia como ia lidar com aquele fato, então não quis piorar mais as coisas para meu amigo.

-Não. Eu pedi pra sua tia manter segredo, mas sabe como é. Com o lance lá de dizerem que você morreu, vai saber no que vai dar.

-Antes disso a gente sai, com certeza. – Ele disse, com uma confiança que talvez fosse a mesma confiança falsa que eu tentava demonstrar pra ele.

Então fizemos uma longa pausa silenciosa, que vários minutos depois, foi quebrada com a voz abafada de Cabelinho do outro lado da parede.

-Cara… Que saco esse lugar aqui. 

-Pode crer.

Novamente o silêncio nos envolveu.

Então eu ouvi um som baixo. Era quase inaudível.

-Quê? – Eu sussurrei.

Do outro lado, escutei a resposta, era baixo, mas consegui ouvir colando a orelha na chapa de metal.

-Tem alguma coisa aqui comigo! – Ele disse, baixinho. Devia estar quase com a boca na chapa, pois era muito baixa a sua voz.

Eu não dei resposta. Peguei a lanterna e posicionei meu dedo sobre seu interruptor. Os músculos retesados. Algo estava para acontecer.

Esperei em silêncio algum sinal do Mungo. A tal “alguma coisa” poderia ser o Mungo, mas poderia ser a Mara.

-Tá aí?

-Tô.

-Não, porra, a coisa, caralho!

-Passou aqui perto. Eu fiquei quieto… Ela passou e acho que foi embora.  – Ele sussurrou de lá.

-Puta merda, Cabelinho. Será que era a Mara?

-Não sei. Passou alguma coisa aqui, com certeza. Senti o ventinho.

-Ventinho?

-É… Opa!

-Que foi?

-Shhhh! – Foi o que eu ouvi do outro lado.

Então, tudo se fez silêncio novamente. Passaram-se um dois minutos. Nada.

-Cabelinho? – Eu sussurrei. Mas não obtive resposta. Insisti. -Cabelinhooo?

Foi em vão. Nada de resposta.

Então eu peguei o cabo da lanterna e dei três batidinhas na chapa, enquanto chamava meu amigo: -Porra Cabelinhooo! Responde!

O que eu ouvi do outro lado foi o grito aterrador do monstro, seguido de uma pancada surda na chapa que me jogou longe.  Era o Mungo, em toda sua fúria.

Na queda, a lanterna caiu da minha mão e rolou no escuro.

Senti o trompaço do bicho atravessando o aço gelado da caixa. Uma pisada poderosa atingiu o chão onde eu estava caído de costas, tateando desesperadamente em busca da lanterna.

Senti mais uma vez aquela mão horrível e forte me agarrar pela perna e me levantar no ar. O som que saía daquele bicho parecia uma turbina de avião. E senti o hálito desgraçado daquela criatura me atingir como uma lufada de vento apodrecido.

A mão me esmagava a perna e eu somente consegui gritar por socorro.  Após ser sacolejado no ar como um bebê faz com seus brinquedos, percebi que não duraria inteiro até o terceiro sacolejo seguido.

“Agora fodeu! Morri!” – Foi o que eu pensei no desespero. As coisas não tinham como ficar piores.

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Opa, até que enfim a parte 29! Aliás, foi bem curtinha, não foi não, Philipe?
    Cara, posta os capítulos com mais frequência, porque essa demora é de enlouquecer! kkkkk Todo dia eu chego da faculdade e corro aqui pro Mundo Gump pra ver se tem capítulo novo. Faz isso com a gente não, cara! kkk flw

    • Pois é, cara. O lance é que eu não posso colocar aqui só “A Caixa”, porque o volume grosso dos leitores do blog não esta acompanhando, então pra eles é inútil. Isso me obriga a misturar, diversificar em posts e dar continuidade ao conto, mas como estou com tanto serviço que já tem ate fila de espera, é foda conseguir uma brecha para escrever. Como a Nivea já voltou a trabalhar, agora eu fico muito mais com o Davi, e neném já viu, é trocar fralda toda hora, é levar pra passear, colocar pra dormir, dar papinha, banho… è um trabalho que não acaba. Nem sei como estou conseguindo levar meu trabalho adiante. Se não fosse a empregada aqui de casa me dar uma força eu já tinha surtado na batatinha. Hoje ainda eu devo publicar a parte 30. Com relação ao tamanho das partes, são totalmente variáveis, “é o conto” quem decide isso, eu só relato o que acontece. O gancho surge naturalmente e eu sei que acaba a parte ali.

      • “Com relação ao tamanho das partes, são totalmente variáveis (…)”

        Me lembrei de um livro de Joe Hill, ‘A Estrada da Noite’ (ou ‘A Caixa em Forma de Coração’), onde um dos capítulos tem somente uma frase, de um linha e meia.

  2. Muito bom saber que o Cabelinho está vivo, fiquei feliz. Só que agora vai demorar mais de 1 semana para a parte 30? Nossa, esse intervalo entre as partes é torturante, kkkk, tentar postar com mais frequência Philipe.

  3. “-É você Cabelinho? – Tornei a perguntar. Se ele estava morto… Eu não conseguia entender. Tive medo que não fosse ele. E se fosse o Mungo se passando pelo meu amigo? Daquele monstro eu esperava qualquer coisa.”

    Pior qu’eu tava pensando justamente isso, na hora!

  4. Como pode? a maioria dos leitores do blog não acompanha “a caixa”? estou pasma. O conto é uma das melhores coisas que li nos últimos tempos… Se fosse um livro teria lido de uma vez só. É o tipo de livro que eu gostaria de ter escrito. Entro no blog umas 4 mil vezes por dia…
    Parabéns Philipe.

    • Pois é, Letícia, eu também fiquei espantado com isso que o Philipe disse! Eu também achava que geral entrava no Mundo Gump por causa dos contos. Claro que há muito mais coisas aqui, mas os contos prendem a gente de uma forma muito diferente, especial, sei lá kkkkk é quase um vício kkkk você começa a ler e não sossega até terminar de ler tudo!

  5. Estava revendo a foto da parte 23. Essa “CINTIA” é muito bonita! Escolheu bem?
    Cê já publicou uma foto da “MARA”?. Mão me lembro de ter visto. Se não… escolha um rosto bem marcante e bonito!
    O Anderson merece depois de tanto enpenho, não é?

  6. Boa tarde galera…tem uma semana que conheci o Mundo Gump e não consigo parar de ler o conto…até na academia eu fico lendo pelo celular…kkk mais acontece que na parte 30 tah dando erro e não carrega mais, nem sei se já tem a parte 30 mais não vejo a hora de ler…
    Philipe meus parabéns pelo site, pelo conto e ainda mais pela família…esta de parabéns muito sucesso pra ti…no futuro esse conto se tornara um Best Seller…

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