Perfumes naturais

Uma coisa boa de trabalhar em casa é poder tomar um banho na hora que lhe dá na veneta. Enquanto eu tomava banho hoje pela manhã, fora do meu horário habitual, fazia um scandisk mental, tentando achar alguma coisa interessante para postar aqui. Não sei se pelo fato de saber que em breve terei um filho chorando querendo mamar por perto, comecei a dar um enorme valor ao tempo em que eu passo sozinho, sem silêncio, concentrado 110% no que me proponho a fazer. Talvez pelo fato de saber que este período de silêncio e tranquilidade poderá escassear, as ações do “tempo zen” estão em alta por aqui.

Mas o fato é que pensei, pensei e não cheguei a uma conclusão sobre o que eu irei postar. Eu estava sem ideias até que notei que pela primeira vez, uma ideia de post não veio do cérebro, mas do nariz.

Isso aconteceu enquanto fui até o varal pendurar minha toalha e passei pela cozinha. A empregada aqui de casa estava cozinhando feijão e o perfume do feijão cozinhando me mostrou o quanto alguns perfumes naturais são poderosos em despertar sentimentos. A panela de pressão fazia aquele barulhinho permanente e característico, mas o cheiro que aquilo libertava no ar talvez fosse o melhor do mundo.

Ou o segundo melhor depois do alho refogando para fazer o arroz…

Me peguei pensando sobre toda esta coisa de perfumes naturais. É engraçado isso… Quando vemos uma novela, por exemplo, ocorre muito de trilha incidental. A tal trilha incidental é aquela musiquinha sutil que rola por trás da cena, que ajuda a “dar o clima”. Não existe cena de beijo sem ela no cinema, ou na Tv. Agora no mundo real, a trilha incidental não existe, mas em compensação temos os aromas incidentais. Talvez seja este pequeno detalhe, algo tão simplório, o fator que separa a fantasia da realidade. Se você prestar a tenção, verá que o mundo está repleto de cheiros, os mais variados. Alguns deles são extremamente poderosos e podem desencadear até comportamentos específicos nas pessoas inebriadas pelo seu poder.

Veja o caso do café sendo coado de manhã cedo…  Apenas citar este perfume sensacional do café, já nos traz a imagem da fumacinha saindo da xícara, do vento frio lá fora e do sol, ainda exitante, a surgir por entre as copas das árvores. Existem, é claro, os perfumes que combinam. Pense no pãozinho assando. Aquele cheirinho de pão fresco disputa o panteão dos melhores perfumes naturais do planeta Terra.

E falando em Terra… E a terra molhada? O que é o cheiro da terra molhada, minha gente? Aquela chuva de verão que cai no meio da tarde, e ferve no asfalto. O vapor libera da terra aromas inigualáveis. É cheiro de infância.

Aliás, cheiro de infância pra mim é cheiro de terra molhada, de lama, de areia do parquinho. Hoje, as novas gerações nascidas em higiênicos e estéreis condomínios e playgrounds não podem nem mesmo imaginar este perfume, já que infelizmente, foram isolados, privados do contato com a terra. Curioso pensar nas gerações eletrônicas, virtuais, como marcadas por gente que não se lambuzou na terra nem saltou na poça de lama da chuva. No passado, as pessoas nadavam em ribeirões, saltavam em açudes e deitavam-se na grama. Hoje não pode.

Hoje o ribeirão já não existe. Só que que está ali é um “corguim”, e o que havia no lugar do açude era uma montanha de entulho e lixo.

Mas mesmo na mudança desse mundo de matrizes rurais para a frenética realidade urbana, os perfumes naturais insistem em nos rodear. Cheiro de carro novo… Quem não gosta?  Só pode ser louco!

Abra um livro novo, cheire entre as páginas… Que prazer misterioso e oculto é este que surge até nas mais deletérias produções intelectuais? O cheiro de livro novo é alcoólico, levemente plastico, e com uns toques de amônia. Mas isso tudo misturado, funciona. É remotamente improvável, mas certamente há quem não goste. Os que não gostam do cheiro dos livros novos podem tentar outras  paragens… Quem sabe um sebo?

Sebos são tuneis interdimensionais para prazeres mais requintados. Livros velhos trazem consigo o perfume de outros tempos. São como barris de carvalho contendo as mais antigas das fórmulas.

Uma pessoa pratica e menos romântica pensaria nisso como mera inalação de ácaros, mas tudo que eu posso sentir é um túnel escuro se abrindo abaixo de mim. Caio num turbilhão de emoções e lembranças das antigas bibliotecas que frequentei e essas lembranças vem acompanhadas de livros também antigos que li, já decrépitos, quase virando pó, as folhas oxidadas amarelas e quebradiças… Prontos para a morte.

Do Tarzã às aventuras de Hucleberry Finn.

Perfumes… É incrível como sentir o cheiro de alguns perfumes antigos podem nos revelar rapidamente novas dimensões de quem fomos. Ou trazer à memória a imagem de pessoas com o qual convivemos.  Dos antigos amores aos parentes falecidos.

Os cheiros tem uma enorme capacidade de afetar nossa memória. Pegue um punhado de lápis de cera, chegue-os perto do nariz e aspire e você se vê transportado para sua infância escolar. Engraçado como um cheiro chama o outro… Cola branca, giz…

O perfume é uma arma poderosa e notamos isso quando percebemos que através dos milênios, muitas plantas evoluíram para oferecer perfumes espetaculares, esses sinais químicos que vão tão longe para atrair insetos polinizadores. Flores como a “Dama da noite”, as rosas… Jasmim. Tantos são os perfumes florais quanto as emoções que eles descarregam em nosso cérebro.
E nem todo cheiro ruim é de todo ruim.

A maresia nos remete a praias desertas, ondas quebrando nas pedras… Cheiro de esterco traz consigo fazendas, estradas de terra, propriedades rurais, mugidos distantes, pasto… E cheiro de fogão a lenha. Carne fritando, churrasco. Linguiça do churrasco do vizinho a nos atormentar.  E camarão? Cheiro de praia, de mar. De ilha.
Borracha, cheiro de peneu, de quadra, de bola nova, plástico, brinquedo de natal recém-aberto.

E chocolate? Balas, tantas coisas gostosas…

E por aqui eu fico, pensando em mais cheiros bons que em breve irei sentir. Talco de neném, shampoo Johnson e fraldas carregadas.

Como eu disse, nem todo cheiro ruim é de todo ruim.

Ou não.

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. cara isso que você descreveu é verdade, o cheiro nos faz voltar em muitas coisas do nosso passado, reviver lembranças, um perfume mesmo nos faz lembrar de uma ex namorada (que minha mulher não leia isso), o cheiro da terra molhada com certeza faz a gente voltar pros tempos de moleque, belo post parabens.

    mas que mal lhe pergunte já sabe oque é? pia pra joga videogame junto ou menina pra aprende a lhe dar com um marmanjo abrindo sua geladeira daqui uns 16 ou 17 anos??? hehe!!! abraços

      • O QUÊ?! Você não conhecia O Perfume? Foi um dos melhores livros que li em toda a minha vida. Inclusive você falando de livros e filhos me fez lembrar da minha infância. Quando eu e/ou meu irmão fazíamos algo errado, meu pai dava de castigo pra gente a tarefa de ler um livro enorme em uma semana e entregar um resumo de 10 páginas pra ele. Foi aos 12 anos que li O Perfume, e na semana seguinte li A Pérola. Estes “castigos” me fizeram ler boa literatura bem novo, e isso ajudou a formar 90% da pessoa que sou hoje. Que saudade do cheiro de livro.

  2. É, o sentido do olfato tem ligação direta com a memória… às vezes nem é bem uma memória de fatos exatos, como se fosse um filminho na cabeça, mas sim de como a gente se sentiu quando aconteceram os fatos. Um cheiro que é horrível mas eu adoro é daquela madeira que cheira igual cocô quando tá recém-cortada! Pau-Bosta é um dos nomes singelos que dão pro negócio. Acontece que quando eu era moleque, de uns cinco anos mais ou menos, a família tirou férias num hotel do Candeias que tinha acabado de ser ampliado, e uma das novas estruturas do lugar era uma escadaria lindona de degraus vazados, feitos dessa madeira. Ela saía da recepção e passava por todos os andares, até pelo meio do restaurante, rsrsrs… Na época achei nojento, tomar café da manhã de hotel, que é uma das “experiências gastronômicas” que eu sempre adorei, sentindo aquela inhaca no ar, mas hoje quando sinto o cheiro daquela desgraça não consigo deixar de pensar na praia das Toninhas em Ubatuba.
    Engraçado que essa repulsa que a gente tem pelo cheiro de merda diz-se que é uma coisa meio que aprendida, depois de muitas e muitas caretas que a gente vê o pai e a mãe fazer ao trocar nossas fraldas, e de toda aquele processo de ter que aprender a usar o troninho e tal, de ser ensinado que o cocô é sujo… Acho que li em alguns lugares como é um processo de “nojificação” diferente de outros tipos de cheiro desagradáveis, como o de carniça, por exemplo, que gera uma reação negativa instintiva, como mecanismo de defesa principalmente contra doenças contagiosas ou lugares perigosos. (Sei lá como é que eles chegaram a esses resultados, se trancaram um bebê num quarto junto com um gambá morto de seis dias pra ver em quanto tempo ele chorava e tal, mas eram umas conclusões interessantes.) Dizem até que certas mães e pais, depois do segundo ou terceiro rebento, acabam aprendendo a “desligar” a parte do cérebro responsável por sentir nojo de fralda suja. Viu, Philipe? Isso ainda pode render um experimento mnemônico de longo prazo, hahaha!
    (Tô falando do lance do cheiro de cocô, não de colocar o menino junto com uma carcaça de gambá… olha lá, hem…)

    • Taí um cheiro que é muito ruim, mas que por ser muito forte e característico, trás boas lembranças pra muita gente… é o cheiro de bosta de cavalo, ou bosta de vaca… me lembra das viagens que eu fazia pra Lambari-MG…

  3. O que voce falou é realmente uma coisa muito exata. Um Cheiro pode te levar pra qualquer lugar, e nao adianta negar, é impressionante. Eu procurei uma massinha daquelas de modelar, e me vi na primeira série… é demais.!

  4. Me amarro no cheiro do mato, lembro das minha épocas de pic-esconde e saía do meio do mato cheio de mordida de mosquito. Cheiro de terra molhada me lembra minha infância brincando de queimado e pic-parede na chuva. Cheiro de lona de piscina e etc…

  5.  Só não concordo por você ter falado que na vida real não existe trilha incidental. É só parar e ouvir: o som baixinho do computador funcionando, passarinhos fazendo estardalhaço de manhã, os carros na avenida, pessoas falando dentro de casa e nas casas vizinhas, trabalhando, o som baixinho do mar quando vamos à praia, a chuva… A vida é cheia de trilhas incidentais e podem ser tão pdoerosas quanto os aromas que você descreveu. 

  6. Meu primeiro videogame (um Super Game, o Atari da CCE) tinha um cheiro muito característico toda vez que eu tirava da caixa pra jogar (minha mãe me obrigava a guardar o videogame na caixa toda vez que eu terminava de jogar, pra não ficar espalhado pela sala).

    Outro dia na casa da minha irmã, eu peguei um dos brinquedos da minha sobrinha de 2 anos e tinha o mesmo cheiro (acho que deve ser algum plástico específico). Nossa, foi uma viagem no tempo!

    Outros cheiros viajantes: Grama recém cortada; cera de passar em sinteco; e como o @DanXP:disqus disse, cheiro de lona de piscina. Pra mim, mais precisamente cheiro da piscina de plástico que ficava guardada dobrada num canto do quintal, e sempre que a gente ia montar pra encher, ao desdobrar saia um cheiro de lona que pegou sol… não sei explicar, mas era um cheiro desses característicos…

    Lembrei também que todos os meus playmobil tinham um cheiro característico.

    Ficará rico o cara que inventar a “máquina de fazer cheiro”!

  7. Amei o post! Sou altamente influenciável por cheiros. Fiquei super feliz aqui em saber que vcs terão um menino. Já escolheram o nome? Não vejo a hora de ler muitos posts sobre essa nova experiência em sua vida, que certamente trará muitos epsódios “gumpescos”  pra vc contar pra gente aqui no Mundo Gump. Aliás, fica a dica, conte um pouquinho mais pra gente, como está sendo essa espera, como sua esposa está sentindo as mudanças e como vcs estão se preparando e claaaaaro como está sendo a reação das pessoas da família e amigos que seeempre tem aquela “dica infalível” pra cuidar do neném e da gravidez, rsrsr.

    Bjos.
    Juju

    • Já escolhemos o nome sim, será Davi. No caso, eu ja estava esperando que fosse menino, porque o meu filho foi previsto por pessoas com capacidades premonitórias em duas situações. Sendo que na mais impressionante, a pessoa disse que seria menino e disse ainda que ele ia se parecer muito comigo. Na época, aquilo soava completamente impossível, pois eu ja tinha feito até cirurgia, ja tinha feito tratamento, a Nivea tinha tomado remédio, estávamos na fila da inseminação e tudo mais. A pessoa inclusive me disse com todas as letras: Vai demorar, não vai ser agora, e não vai ser de nenhum método artificial…
      E o pior é que foi assim mesmo, então quando vi que a Nivea tava gravida, eu lembrei na hora o que a dona me disse, e concluí que poderia ser como ela falou. Esperei um menino e não deu outra. O troço mais curioso sobre ele é que fizemos as contas e descobrimos que ele foi concebido no momento de um eclipse, o último do ano passado. Meus amigos me zoam dizendo que pra ser filho meu tem que ter alguma papagaiada, tem que ser feito no eclipse, tem que ter sido previsto… O moleque é gump desde que era um sptz!
      Até agora está indo tudo super bem, eu já tô numa ansiedade do caralho pra ver meu bacuri aqui do lado de fora, mas ainda vai demorar. Um monte de gente deu dicas sobre gravidez, etc, mas a Nivea é meio nerd (ela nega, mas é) e já virou PHD em gravidez. Nem sei quantos livros dessa porra ela ja leu e agora está planejando como será a festa de um ano dele. A Nivea tá levando a sério a paradinha lá.

      • Hhuahua, muito bom! Agora vamos ficar aqui na espera de um mini Philipe, rsrsr. Muita saúde pro Davi e pra mamãe viu?!
        Estou anciosa tb pra ler sobre O parto, rsrs! Já está se preparando pra ficar la sala de operação, ou o parto vais ser gumpesco tb, estilo natural, em casa, como o maridão “puxando” o bebê, rsrs???
        Bjos
        Juju

        • A Nivea tem hérnia de disco, não pode ter normal, só via cesariana, então vai ser no hospital mesmo. Vou estar lá com ela sim. Espero não desmaiar igual o meu avô quando foi a vez dele.

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