Uma das coisas mais horrorosas que já ocorreu no mundo foi a escravidão. O escravagismo foi uma forma do ser humano explorar seu semelhante das mais variadas formasmaneiras, e a base do escravagismo estava na conveniência de não considerar o escravo como um ser humano, mas sim como um objeto utilizável, a princípio como mercadoria e concomitantemente, como força de trabalho.
O escravagismo, você sabe que foi (e ainda é) uma grande merda na nossa civilização, mas ela trouxe ao mundos merdas igualmente vergonhosas e uma delas se chama “drapetomania”.
Em 1851, o proeminente médico americano Samuel Adolphus Cartwright observou escravos negros que fugiram do cativeiro e percebeu que ali estava uma doença!
“ Drapetomania, ou a doença que faz os negros fugirem ” foi o título de seu trabalho, explicando que um escravo normal jamais iria querer a liberdade. E se escapassem, só poderiam estar doentes, na visão de Cartwright.
Se um escravo se torna “mal-humorado e insatisfeito sem motivo”, ele pode ter contraído a drapetomania e isso indicaria que ele está prestes a fugir. Cartwright recomendou a solução: “tirar o diabo deles” até que se tornassem submissos novamente, o estado ao qual um escravo “normal” deveria pertencer.
Um remédio alternativo era tornar a fuga impossível. Como? Amputando o dedão do pé de ambos os pés do escravo. Daí a cura da “doença”.
Olhando para isso de onde estamos hoje, que é tecnicamente “o futuro”, podemos ver facilmente que algo totalmente canhestro estava ocorrendo. Em vez de tratar os escravos negros como pessoas, Cartwright assumiu que o lugar de um escravo era permanecer escravo. Ele usou a Bíblia como evidência, tomando seções falando sobre a fidelidade de um servo ao senhor afim de justificar suas afirmações de que os escravos deveriam ser tratados como pouco mais que crianças. Crianças a serem chicoteadas. Esse ponto de vista o levou a fazer algumas contribuições suspeitas e pseudocientíficas ao racismo científico. Ele até acreditava que a preguiça do escravo era também um sintoma patológico.
Dysaesthesia aethiopica, ou “malandro”, como era chamado pelos proprietários de escravos, explicava a aparente falta de vontade de trabalhar demonstrada pelos escravos. Essa doença mental era única, porém, na medida em que apresentava sintomas físicos no corpo. Um nível diminuído de sensibilidade da pele e lesões em todo o corpo estavam presentes em todos os casos de “malandragem”. Cartwright ignorou a possibilidade de que “expulsar o diabo deles na chibata” tivesse causado isso e surgiu com uma cura engenhosa para a doença:
“ A melhor forma de estimular a pele é, primeiro, lavar bem o paciente com água morna e sabão; depois, untá-lo todo com óleo e colocar o óleo com uma larga tira de couro; em seguida, colocar o paciente em algum tipo de trabalho árduo ao sol. ”
Ou seja, o remédio era meter porrada e botar o cara pra trabalhar duro.
A associação médica de Louisiana considerou seu caso razoável e suas descobertas foram publicadas na revisão de Debow e amplamente divulgadas. O sul dos Estados Unidos concordou com suas “descobertas” e os escravos obviamente sentiram os resultados no lombo. No norte dos Estados Unidos, suas “descobertas” foram ridicularizadas. Frederick Law Olmsted até publicou um artigo apontando evidências de que escravos brancos também haviam escapado do cativeiro, sugerindo em tom de brincadeira que a drapetomania era uma doença branca européia que os comerciantes haviam introduzido na África.
A razão para a opinião dividida entre os Estados Unidos foi um produto da época. Os estados unidos do sul queriam que a escravidão continuasse e ajudasse a alimentar sua próspera indústria de algodão. Os Estados Unidos do norte se beneficiaram menos com a continuação da escravidão e alegaram que isso era prejudicial à humanidade e isso resultou na guerra civil. Naquela época, como agora, as pessoas realizavam uma ciência pobre e tendenciosa para criar evidências falsas afim de apoiar seus pontos de vista convenientemente imbecis, e ainda se escoravam maliciosamente na Bíblia para manter suas prerrogativas.
Que bom que isso é coisa que ficou no passado e nunca mais ocorreu. (contém ironia)
Sinistro como o ser humano consegue ser podre em todos os períodos da nossa história