Olhando para a foto acima sem saber de quem se trata a mulher de roupa listrada diante da forca onde o direito à própria vida será tirado dela, é possível até sentir algum remorso. Mas isso vai até a página dois, como se diz. Porque essa dona é Elisabeth Volkenrath, um monstro nazista.
No vasto e sombrio panorama do Holocausto, as figuras femininas que atuaram como supervisoras nos campos de concentração nazistas representam um capítulo particularmente perturbador. Entre elas, Elisabeth Volkenrath se destaca como uma das mais notórias, cuja ascensão no sistema de terror do Terceiro Reich ilustra a banalidade do mal descrita por Hannah Arendt. Nascida em uma família humilde na Alemanha, Volkenrath transformou-se em uma das responsáveis pela morte de milhares de prisioneiros em Auschwitz e Bergen-Belsen.
Os Primeiros Anos: De uma Vida Simples à Escolha pelo Horror
Elisabeth Mühlau, como era conhecida antes do casamento, nasceu em 5 de setembro de 1919, em Schönau an der Katzbach, uma pequena localidade na Silésia (atual Polônia). Filha de Josef Mühlau, um trabalhador florestal, e de sua esposa, ela era a sexta dos seis filhos da família de origens modestas. Treinada como cabeleireira, Volkenrath não possuía qualificação formal superior, o que a classificava como uma ungelernte Hilfskraft (trabalhadora não qualificada) no jargão nazista.
Em um contexto de crise econômica pós-Primeira Guerra Mundial e ascensão do nazismo, muitas mulheres jovens como ela foram atraídas pelo serviço em campos de concentração, que prometia estabilidade e um senso de poder em uma sociedade patriarcal. Em outubro de 1941, aos 22 anos, Volkenrath se voluntariou para trabalhar em Ravensbrück, o principal campo de concentração para mulheres na Alemanha. Lá, sob a tutela da sádica supervisora Dorothea Binz, ela iniciou sua formação como Aufseherin (guarda feminina), aprendendo as rotinas brutais de vigilância e punição.
A Transferência para Auschwitz: Ascensão no Inferno de Birkenau
Poucos meses após sua chegada a Ravensbrück, em março de 1942, Volkenrath foi transferida para o recém-criado setor feminino do campo de Auschwitz-Birkenau, na Polônia ocupada. Esse movimento marcou o início de sua transformação em uma figura central no extermínio em massa. Inicialmente designada para supervisionar a oficina de costura em Auschwitz I (o campo principal), ela rapidamente se adaptou ao ambiente de horror sistemático.
Em Auschwitz, Volkenrath não era uma mera observadora: ela participava ativamente das Selektionen – as seleções diárias de prisioneiros para as câmaras de gás. Sob o comando de médicos SS como Josef Mengele, prisioneiros considerados “inúteis” para o trabalho forçado eram separados de suas famílias e enviados diretamente para a morte. Volkenrath, com sua presença fria e eficiente, ajudava a coordenar esses processos, garantindo que o fluxo de vítimas para os crematórios nunca parasse. Em dezembro de 1942, após uma breve licença por doença, ela assumiu o cargo na agência de correios de Birkenau, onde controlava a comunicação dos prisioneiros – uma posição que lhe permitia interceptar mensagens de esperança ou resistência.
Sua promoção veio em novembro de 1944, quando foi elevada a Oberaufseherin (supervisora-chefe) de todos os setores femininos em Auschwitz. Nesse posto, ela supervisionava centenas de guardas e milhares de prisioneiras, incluindo judeus, poloneses, ciganos e prisioneiros de guerra soviéticos. Relatos de sobreviventes, como o da húngara Cibi Meller (narrado no romance Three Sisters, de Heather Morris, baseado em fatos reais), descrevem Volkenrath como uma figura de autoridade implacável. Meller, que trabalhou sob suas ordens na agência de correios, destacou como Volkenrath tinha “tanto sangue nas mãos quanto qualquer oficial em Birkenau”, mesmo em tarefas administrativas aparentemente “inofensivas”.
Foi em Auschwitz que Elisabeth Mühlau encontrou seu futuro marido: o SS-Rottenführer Heinz Volkenrath, um oficial que atuava como Blockführer (chefe de bloco) desde 1941. O casal se casou em 1943, em uma cerimônia que contrastava grotescamente com o sofrimento ao redor. Essa união fortaleceu sua lealdade ao regime, mas também a expôs a acusações de favoritismo e crueldade seletiva.
De Auschwitz a Bergen-Belsen: O Fim da Linha
Com o avanço soviético no leste da Europa, Auschwitz foi evacuado em janeiro de 1945. Volkenrath, junto com milhares de prisioneiros em uma das Marchas mortais, foi transferida para Bergen-Belsen, no norte da Alemanha. Lá, ela continuou como supervisora, agora lidando com o caos de um campo superlotado e faminto. Bergen-Belsen, famoso por abrigar Anne Frank, havia se tornado um depósito de doentes e moribundos, com epidemias de tifo dizimando os internos. Volkenrath era responsável por kommandos de trabalho externo, garantindo que os prisioneiros exaustos cumprissem suas tarefas sem fugas – uma tarefa que envolvia chicotadas, fome forçada e execuções sumárias.
A libertação de Bergen-Belsen pelas forças britânicas em 15 de abril de 1945 expôs o horror: pilhas de corpos não enterrados e sobreviventes esqueléticos. Volkenrath foi presa no local, junto com outras supervisoras como Irma Grese e Juana Bormann.
O Julgamento de Bergen-Belsen: Negação e Condenação
O destino de Volkenrath foi selado no primeiro Julgamento de Bergen-Belsen, realizado de 17 de setembro a 17 de novembro de 1945, em Lüneburg, pela corte militar britânica. Acusada de crimes de guerra, incluindo assassinatos, maus-tratos e cumplicidade em genocídio, ela se defendeu com veemência. Volkenrath negou conhecimento das gaseificações em Auschwitz, alegando que sua função era puramente administrativa e que nunca havia abusado fisicamente de prisioneiros. Junto com Grese, ela insistiu que o Bloco 25 – um pavilhão de “espera” para as câmaras de gás – era apenas um local de quarentena.
No entanto, testemunhos de sobreviventes e evidências documentais pintaram um quadro diferente. Prisioneiras descreveram sua crueldade sádica, como o uso de cães para aterrorizar internos e a seleção arbitrária para punições. O tribunal a considerou culpada em todas as acusações. Em 17 de novembro de 1945, Volkenrath, então com 26 anos, foi sentenciada à forca, ao lado de 10 outros réus, incluindo Grese (apelidada de “Anjo de Auschwitz”). A execução ocorreu em 13 de dezembro de 1945, na prisão de Hameln. Seu corpo foi inicialmente enterrado no terreno da prisão e, em 1954, exumado e transferido para o Cemitério Am Wehl, em Hameln.
Legado: Um Símbolo do Mal Cotidiano
A história de Elisabeth Volkenrath transcende o indivíduo para ilustrar como pessoas comuns podem se tornar engrenagens em uma máquina de destruição. Sua rápida ascensão – de guarda iniciante a supervisora-chefe – reflete o recrutamento nazista de mulheres para o aparato de terror, onde o sadismo era recompensado com promoções. Historiadores como Nikolaus Wachsmann, em KL: A History of the Nazi Concentration Camps, destacam como supervisoras como ela personificavam a “normalidade” do mal: não eram monstros inatos, mas indivíduos que escolheram o caminho da obediência cega.
Hoje, Volkenrath é lembrada em museus como o de Auschwitz-Birkenau e em narrativas de sobreviventes, servindo como alerta contra o fanatismo e a desumanização. Seu julgamento, um dos primeiros pós-guerra, pavimentou o caminho para os Processos de Nuremberg por crimes contra a humanidade.
Em um mundo ainda marcado por negacionismos e extremismos, a memória de figuras como Volkenrath nos obriga a questionar: como permitimos que o ordinário se torne extraordinariamente cruel? Que sua história nos impulsione a defender a dignidade humana, para que o silêncio de Auschwitz nunca mais ecoe.