O misterioso “Incidente Vela”

Era o auge da Guerra Fria. Dia 22 de setembro de 1979, quando algo absolutamente inesperado aconteceu. Um satélite norte americano tipo “Vela” enviou um alerta de explosão nuclear. Ok, explosões nucelares na década de 70 eram tipo bala perdida no Rio. Nego ficava bolado, mas no dia seguinte já esquecia a espera da próxima detonação. A escalada de testes nucleares no mundo foi uma coisa absolutamente insana a partir dos anos 50 até meados dos 80. Estados Unidos e União Soviética estouravam diversas bombas anualmente, ao ponto de que o mundo TODO tinha certeza que ia dar merda. Sabe aquela parada que todo mundo olha e tem certeza que não tem como dar certo? Pois era assim na Guerra Fria…

Vou dar uma pausa pra ilustrar essa parada aqui, pois ela é importante no emu argumento ali na frente.
Olha só esse video (estou me repetindo, eu sei. Já postei ele aqui antes, mas não importa quantas vezes eu reveja, eu me impressiono e fico boquiaberto todas as vezes, pq nego era muito sem noção na corrida atômica. Presta atenção nas datas!)

No video acima, cada explosão nuclear é marcada por um “bipe”. No inicio é meio chato, mas pula la pros anos 60 pra ver a esquizofrenia nuclear!

Então aqui está onde eu queria chegar, com tamanho volume de explosões nucleares comendo soltas desde que a Segunda Guerra acabou, era previsível que tanto Estados Unidos quanto União Soviética corressem para colocar satélites e sistemas de monitoramento global que os alertassem de explosões nucleares. Foi uma decisão acertada, na medida em que esses dispositivos de rastreamento poderiam fazer a diferença para um contra-ataque, ou ate mesmo funcionariam como o “gatilho do homem-morto”, que é basicamente o seguinte, supondo que a potencia inimiga do nada lançasse todo seu arsenal nuclear para evaporar o seu país, era preciso alguma forma de contra-atacar mesmo sabendo que a vaca já tinha ido pro brejo, e assim surgiram sistemas automatizados de contra-ataque que responderiam a sinais de satélite informando que o inimigo cruzou a fronteira da racionalidade e nós todos estamos condenados ao Armagedom.
Então, você pode imaginar que uma vez que você precisaria confiar sua vida, dos seus pais, dos seus filhos, de todo o fucking planeta terra num satélite, ele deveria ser bem feito ao ponto de dar com precisão um aviso de que “o inimigo botou pra foder”, certo? Não é uma máquina que entrega um sundae do Mc Donald´s. Estamos falando duma máquina que avisa para soltar uma porra dum foguete nuclear.

O incidente Vela

O satelite Vela

Então era dia 22 de setembro, quando o satélite Vela avisou: OOOOPS! Explodiu uma porra aqui! – Bem, não foi bem assim que ele avisou, mas beleza. Avisou.

Foi bem aqui!

O satélite informou que houve dois clarões abruptos. O satélite ficava la no espaço olhando pra Terra, em busca do clarão de uma detonação nuclear, que não é um clarãozinho simples, é um puta dum sol que brilha do nada. E alguma coisa aconteceu perto das Ilhas do Príncipe Eduardo, próximo da Antártida, porque o satélite concluiu que viu um teste nuclear.
Até aí, beleza, teste nuclear (como já vimos) era direto ali naquele tempo, mas… Esse nego não assumiu. NINGUÉM, absolutamente nenhum país do planeta Terra assumiu a autoria do teste, o que levou a um impasse. Se esse troço que explodiu foi uma bomba nuclear, alguém ta mentindo. E se não foi, então que diabos pode ter sido?

Não tardou, começaram as teorias: A teoria mais comum é que o flash de luz teve origem numa explosão resultada de um teste nuclear secreto feito pelos governos de Israel e da África do Sul. O assunto ainda é extremamente controverso e muita gente duvida. Com esses países negando (sem motivação clara para negar tstes nucleares) começaram então a supor que poderia ser um “incidente natural”. O problema é que o Vela captou dois clarões duplos. E “flashes duplos” de luz costumam ser um sinal característico de um teste de arma nuclear, mas claro, também pode ter sido um sinal eletrônico espúrio gerado por um velho detector em um satélite velho, ou talvez um meteorito atingindo o satélite Vela…

Sem testemunhas oculares, ficou difícil de descobrir a razão do mistério. Mas eram dias perigosos e ninguém gostaria de ser responsabilizado por uma cagada nuclear planetária, de modo que era preciso descobrir uma explicação, afim de evitar um evento de extinção em massa na Terra.

A verdade dos fatos é que certeza mesmo, ninguém tem do que foi isso até hoje.

Tudo começou com os satélites da Vela, uma frota de doze satélites lançados de 1963 a 1970, com o objetivo de monitorar o cumprimento do Tratado de Proibição Parcial de Testes entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética. Esse tratado permitia apenas testes nucleares subterrâneos, de modo que os satélites Vela foram construídos para detectar qualquer explosão no espaço ou na atmosfera. (Esse detalhe é interessante)

Então, em 22 de setembro de 1979, cerca de 3 horas da manhã, hora local, boom!!! O Vela 6911 captou o flash duplo de uma detonação nuclear. O evento foi registrado como “Alerta de Vela 747”. De acordo com os outros satélites em órbita, no entanto, nenhuma detonação ocorreu. Apesar disso, a rede de hidrofones do governo dos EUA detectou um eco muito claro de uma explosão. A hipótese da explosão atômica foi certamente a mais válida, especialmente em consideração ao fato de que o satélite Vela já havia sinalizado corretamente 41 testes nucleares na atmosfera, também confirmados por outras fontes.

A explosão nuclear

Quando a explosão tem início, o próprio dispositivo vai rapidamente para uma temperatura de cerca de dez milhões de graus. Os raios-X e as ondas ultravioleta emitem calor a poucos metros do dispositivo a uma temperatura de cerca de um milhão de graus, o que o torna extremamente incandescente e provoca um flash incrivelmente luminoso. Enquanto isso, dentro daquela nuvem de gás brilhante, uma onda de choque se expande, empurrada pela própria explosão. Dentro dessa onda de choque, tudo é um plasma, onde as partículas atômicas são realmente dissociadas. Plasmas são opacos, porque absorvem radiação eletromagnética em todas as frequências. À medida que essa onda de choque se expande, ela ultrapassa os primeiros poucos metros de ar ainda incandescentes e, quando o faz, ela interrompe o brilho, como se fosse uma cortina preta sobre uma lâmpada. Mas então,  a onda de choque se expande para fora de forma esférica; e à medida que o plasma se afina e diminui, ele se torna cada vez mais transparente, permitindo que a bola de fogo em expansão resplandeça com todo o seu brilho. Dessa forma, lá no alto, de onde está o vela ele vê o primeiro superbrilho, que então apaga e então brulha ainda mais forte. O que resulta num flash duplo. Quanto maior o rendimento, maior o espaço entre os flashes; variando de 30 milissegundos para os menores dispositivos a meio segundo para os maiores. Dessa forma, com o valor de brilho e distancia entre o intervalo, os satélites conseguem inclusive estimar que tipo de potência a bomba tem.

O Alerta 747 detectado indicou uma lacuna entre os flashes que sugeria um pequeno rendimento entre dois e três quilotons. Todos os doze Velas estavam equipados com detectores de raios X, mas os seis últimos, conhecidos como satélites Advanced Vela, também possuíam dispositivos “bhangmeters” para estimar potência de detonação.

Na época, o presidente  Jimmy Carter estava no cargo, e a notícia fez com que Carter escrevesse em seu diário para esse mesmo dia:

 Houve indicação de uma explosão nuclear na região da África do Sul – ou foi a África do Sul e Israel usando um navio no mar, ou nada.

Portanto, há algo estranho aqui: Obviamente, a probabilidade de uma arma nuclear ter sido detonada na atmosfera era uma violação do tratado. Outro dado curioso é que chama a atenção a velocidade com o qual os EUA acharam um potencial culpado: Israel e / ou a África do Sul seriam os responsáveis.

Imediatamente, Carter ordenou que seu consultor científico, Dr. Frank Press, reunisse um painel de especialistas externos para examinar todas as evidências. O painel foi presidido pelo Dr. Jack Ruina, ex-chefe da DARPA. O Painel Ruina emitiu seu relatório em maio de 1980. Resumindo, descobriu que os desvios entre o flash de luz registrado por Vela e os flashes de luz de detonações nucleares conhecidas eram muito significativos, e constatou a falta de dados corroborantes que devem existir para serem problemáticos. A conclusão do Painel Ruina foi que a explicação mais provável para o Incidente Vela foi “um ataque de meteoros no próprio satélite”, onde a entrada inicial do meteoro no campo de visão foi responsável pelo flash inicial, e a disseminação de detritos do impacto responsável pelo o segundo flash.

Uma explicação e tanto! Forçada? Há quem pense que sim. Alguns atribuem a um “cala boca” para o “problema”, mas também pode ser um simples caso de viés de confirmação.

A ilha

Devido ao design dos satélites e sua órbita distante de 70.000 milhas, os técnicos não receberam a localização exata dos eventos nucleares; os sensores só podiam restringir a área a um raio de 3.000 milhas. Dados disponíveis sugeriram que o incidente de Vela em 1979 ocorreu perto da Ilha Bouvet, um pedaço congelado de terra famoso como “a ilha mais isolada do mundo”. A pequena ilha era o lar de uma estação meteorológica automatizada norueguesa e, em 1964, um bote salva-vidas abandonado de origem desconhecida foi encontrado lá, cheio de suprimentos. Estranho, hein?

Mas, presumivelmente, a ilha era completamente desabitada na época do evento energético, apesar dos autômatos meteorológicos e dos enigmáticos náufragos.

Muitos sumários foram escritos por muitos especialistas da Força Aérea, dos Laboratórios Nacionais, ONGs e governo nos dois ou três anos seguintes, e foram rapidamente classificados como secretos. Com o passar dos anos, alguns deles já foram desclassificados e agora podemos lê-los. Quase todos eram ambíguos. Sobre a única coisa que eles concordaram foi que não havia provas de que uma detonação nuclear tivesse ocorrido. A maioria concluiu que ainda era a explicação mais provável. Alguns também consideraram uma variedade de eventos naturais, como um super-raio de tempestade que gerou um flash duplo. Um membro da Agência de Inteligência da Defesa dos EUA fez um relatório onde apontou que: “As chances de um meteoróide causar o sinal no Vela seriam um incidente único em cem bilhões de anos”.

Logo após o alerta, a Força Aérea enviou a aeronave WC-135B Constant Phoenix para analisar a atmosfera na região do flash. Foram realizadas 25 capturas partindo de uma base aérea secreta totalizando 230,4 horas. O que foi encontrado? Nada. Não havia produtos na atmosfera indicativos de fissão nuclear recente.

Parecia que o flash sempre permaneceria um mistério.

No entanto, em 2016, informações adicionais foram desclassificadas. Vinha dos arquivos de Gerard Smith, embaixador de Jimmy Carter na Agência Internacional de Energia Atômica. Havia muita coisa lá que, juntos, pintaram uma imagem bem clara. Depois do Alerta 747, o Departamento de Estado emitiu uma série de memorandos sobre estratégia diplomática com a África do Sul se a notícia vazasse, o que aconteceu; praticamente confirmando que o flash era de fato um assunto diplomático. Além disso, os dados hidroacústicos daquele ponto exato no oceano, a partir daquele momento exato, foram analisados pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA e considerados “exclusivos para testes nucleares em um ambiente marítimo”.

Pelo menos dois espiões, o aposentado Tyler Drumheller, da CIA, e Dieter Gerhardt, diretor aposentado da KGB, disseram que “sabiam que aquele tinha sido um teste nuclear chamado Operation Phoenix”.

Finalmente, havia uma variedade de informações de várias fontes que indicavam que o relatório de Ruina fora um cala boca para acalmar os ânimos.

Outra teoria que é popular é que esse evento foi causado por um OVNI batendo ou explodindo. O fato de que nenhuma radiação foi encontrada é freqüentemente a evidência usada para apoiar esta afirmação. Também por que os outros satélites não captaram essa explosão? Seja como for, se os outros satélites não notaram a explosão, então temos um problema que indica que o sistema Vela era falho. Era no minimo preocupante que durante um período de segurança nuclear aumentada, ninguém sabia quem detonou uma bomba onde o Oceano Atlântico e Índico se encontram.

Por que Israel e África do Sul? E como Carter sabia disso em poucas horas?  Israel queria armas nucleares, mas a comunidade internacional não queria. A África do Sul, com sua política oficial de apartheid, era um pária internacional; mas eles tinham uma coisa que todos queriam: urânio. Que melhor parceria poderia haver? Duas nações, ambas excluídas internacionalmente, com um objetivo comum e a especialização e os recursos. Sabemos que a África do Sul forneceu o urânio a Israel nos anos 60 e novamente nos anos 70. A África do Sul foi pega preparando um local para testes nucleares subterrâneos em 1977 tanto pela União Soviética quanto pelos Estados Unidos, mas foi obrigada a fechar a porta para proteger seu contrato para reatores nucleares franceses.

O mistério perdura

Uma estação de observação em Porto Rico detectou uma onda ionosférica anômala durante a manhã de 22 de setembro de 1979, que se deslocou do sudeste para o noroeste. Isso teria relação com a explosão? É possível que sim.
A República da África do Sul teve um programa de armas nucleares durante a década de 1970. No entanto, desde a queda do apartheid, a África do Sul divulgou a maior parte das informações sobre seu programa de armas nucleares e, de acordo com as inspeções internacionais, não houve menção ao incidente. Isso é bastante estranho, porque já passou muito tempo, e até agora nada de alguém assumir a paternidade dessa bomba.  Não obstante, grande parte das informações sobre o programa de armas nucleares foi tornada pública. Entre essas revelações estavam documentos indicando que sua primeira arma nuclear funcional não foi construída até novembro de 1979, dois meses após o incidente de Vela. Alguns levantaram a hipótese de que a França ou Taiwan possam ter sido responsáveis por este evento misterioso, mas as evidências para validar este cenário são escassas e circunstanciais.

Permanece incerto se o flash do Atlântico Sul, em setembro de 1979, foi uma detonação nuclear e, em caso afirmativo, a quem pertencia.

fonte fonte fonte

Receba o melhor do nosso conteúdo

Cadastre-se, é GRÁTIS!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade

Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

Artigos similares

Comentários

  1. Orraaaaa aí sim hem Philipe! Acompanho você a quase uma década, já me deliciei com quase todos os seus textos – até no Jô te acompanhei – e estava ficando inconformado pensando que tal grande escritor havia ficado deprimido. Cara, não sei qual a porcentagem correta: se um em 100 ou um em 10000 vão aproveitar tamanha densidade de informação e ciência embebecida em opinião e suspense corretos, só sei que é muuuuito bom te ver de volta. Meus sinceros parabéns, espero que tenha voltado com seu coração a mil. Live long and prosper.

  2. Realmente muito intrigante, mas acredito que nunca saberemos a verdade. Mais uma vez um texto excelente, parabéns !!!
    O vídeo no inicio do post é um documento assustador sobre a quantidade de testes feitos, eu nunca havia imaginado que tinha sido tantos

    OBS: obrigado por voltar permitir os comentários par quem não tem Facebook, sou uma destas poucas pessoas.

    • Oi Vinicius, sempre teve a opção de comentários. Antes eu estava usando o disqus, pq ele segurava os spammers melhor, mas troquei pq eu tb achava um saco ter que se cadastrar numa porra pra fazer um simples comentário.

  3. Philipe, o teu blog (site?) faz parte da minha, eu não consigo me lembrar de quantas horas passei lendo o que você escreve, mas eu lembro do primeiro texto que li aqui no Gump: um texto sobre uns ratos que depois de passarem muita fome começam a comer uns aos outros.

    Enfim, eu só quero dizer obrigado! Tudo de bom pra você e sua família!

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Advertisment

Últimos artigos