O dia em que o Milo Manara me deu autógrafo

Como eu tinha avisado antes, achei que não precisaria avisar novamente ontem que era o dia da conferência do gênio da ilustração e quadrinhos picantes, Milo Manara. Em sua vinda ao Brasil por ocasião da Rio Comic-Con ele fez uma conferência gratuita no consulado da Itália.

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Eu fui com o Eduardo, a Marcela e o Rafael (o Gus)  ao evento gratuito, que teve tradução simultânea.
Quem não foi, perdeu uma oportunidade única que certamente jamais se repetirá. Milo contou detalhes sobre sua amizade de décadas com o cineasta-gênio Frederico Fellini, contou histórias que praticamente ninguém conhece e mostrou caricaturas que o Fellini fazia dele.
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A conferência, que durou aproximadamente duas horas, estava com bastante gente, mas não lotada. Considerando que Manara tinha ido um dia antes ao Jô, eu pensei que teria gente saindo pelo ladrão. Mas felizmente a conferência não estava tão cheia. Acredito que muita gente amarelou com medo da chuva ou dos alardeados perigos do centro do Rio à noite.
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Mas quem foi se esbaldou com as histórias do mestre, e o melhor de tudo, uma verdadeira viagem pela história da arte. Com uma paciência que beira o patológico, Milo Manara explicou detalhadamente seu processo de trabalho em dezenas de ilustrações.

O mais legal é que ele mostrou uma série de ilustrações que fez recentemente, onde ele retrata a relação entre artistas e suas musas. Em alguns casos suas obras são releituras de obras clássicas, em outras criações de sua mente. Milo contou em detalhes essas relações das musas do passado com os artistas, deu informações que ninguém fazia ideia sobre pessoas que viveram na Europa medieval. Foi uma aula de história da arte absolutamente sensacional, que não tem preço.

O estilo de Manara favorece linhas mas simples e limpas para mulheres – que são muito voluptuosas, diga-se de passagem – e reservam traços mais complexos para seus monstros ou outros elementos sobrenaturais. Como o seu compatriota Tinto Brass, tem uma evidente fixação por mulheres com bumbuns firmes e bonitos, quadris largos e semblante angelical.
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Muitos de seus quadrinhos contêm temas como bondage, sadismo, e voyeurismo, coisas sobrenaturais, e a tensão sexual sob diversos aspectos da sociedade italiana. Os seus trabalhos são bem esclarecidos e explícitos, mas o humor geral é mais divertido que misogênico. O talento de Manara criou ao longo do tempo um clima de assombro e êxtase, e onde quer que esteja é celebrado e homenageado por fãs, e, devido a muitas de suas incursões aos quadrinhos mais “tradicionais”, também é extremamente reverenciado pela mídia popular ou especializada.
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Curiosamente, Manara é menos popular na Itália que na França, onde é considerado um dos quadrinistas mais importantes do mundo.

Engraçado que enquanto Milo contava suas histórias sobre como gerou algumas magníficas ilustrações, eu me peguei pensando em como este cara me influenciou. Em plena adolescência, eu me lembro de ter tomado contato com a obra do Milo num centro cultural chamado Além da Imaginação. Embora não vá negar que suas mulheres peladas me atraíssem bastante, reconheço que foi o traço limpo e a atenção quase obsessiva pelos detalhes que me encantou no trabalho do Milo. Virei fã e tão logo soube que quadrinhos dele saíam na revista Heavy Metal, dei um jeito de assinar.

Eu fui assinante da Heavy Metal por alguns anos, e minha pilha de revistas é enorme. Nesta época, meu horizonte artístico era guiado por dois pontos cardeais que idealizavam a perfeição: eu queria ser um cruzamento de Milo Manara com o Frank Frazetta. EU estudava as aquarelas deste cara, com os olhos pregados na revista, tentando entender como ele pintava. Não havia internet como hoje, com video e tudo mais. Naquele tempo, a internet era uma carroça  que servia apenas para falar no mIRC em 14400kbps e olhe lá.

Inspirado no trabalho do Milo Manara, do Paolo Eleuteri Serpieri, Guido Crepax, e dos demais quadrinistas que habitavam o universo da Heavy Metal, eu comecei a fazer os primeiros quadrinhos pornôs.

Nunca falei deles aqui ano blog. Pretendo contar em detalhes (com imagens talvez) algum dia. Mas resumindo, eu ganhei alguma grana fazendo quadrinhos de sacanagem no qual eu era o protagonista de histórias “zéfirianas” na escola. As mulheres? Eram as meninas mais desejadas do colégio.

Era um esquema perigoso, que poderia gerar muitos problemas, com a direção, coordenação e o que seria pior – namorados. Por isso, comprar uma revistinha de putaria minha era tarefa difícil no qual o amigo se comprometia a assinar um termo em que afirmava que ELE me encomendara a revista.   O sistema nunca vazou, nunca foi descoberto e as garotas do colégio até hoje nem imaginam que foram imortalizadas em obras de putaria lúgubre como “Recreio recreio”, “Biblioteca Ginecológica I II e III”, “Philipe no país das maravilhas” e tantas outras.

O dinheiro que eu conseguia com os quadrinhos de putaria, eram revertidos para comprar material de arte. Tinta de nanquim, canetas, lápis de cor, aquarelas, pepéis, pincéis, etc. Foi uma época boa que não volta mais.
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Ao fim do evento, já bastante cansado, o gênio da ilustração autografou livros da plateia, que formou uma longa fila. Milo Manara esbanjou humildade e simpatia com o pessoal e com uma paciência que eu nunca vi igual, ilustrou muitos dos autógrafos que deu.
Pra quem é fã como eu sou, ter uma obra assinada pelo Milo Manara é algo impensável, é como ganhar um prêmio.

Que o diga a nossa amiga Marcela, que além de bonita, é nerd e ilustradora e pra completar, não obstante a ganhar um autógrafo, ainda ganhou um desenho do mestre.
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Milo veio ao Rio à convite da organização do festival Comic-Con. Após quase 20 anos sem organizar eventos deste estilo, o Rio Comicon chega como uma versão própria da onda de mais de 40 edições de conferências internacionais dedicadas aos romances gráficos desde os anos 70, como o Comics (de Londres), o Napoli Comicon e o mundialmente conhecido Comic-Con (San Diego, EUA.)

O artista, de 60 anos e grande homenageado do festival, conta com uma exposição própria na qual teve a colaboração do cineasta Federico Fellini, a história em quadrinhos “Viagem à Tulum”, baseado em um relato original do diretor italiano, inspirado em uma viagem a essa região mexicana.

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Pra não dizer que não acontece gumpice comigo, aconteceu: Após o Milo dar um autógrafo na minha Heavy Metal, bem ao lado da bunda da Gullivera, eu pedi a ele para autografar uma folha pro meu irmão André, que está na Espanha. O Milo Manara, que é famoso por não errar, começou a fazer um desenho. E errou… Ele traçou uma linha meio torta e ficou parado quase uns vinte segundos olhando pra linha.  Então eu disse:

– Errou? Agora se vira nos 30, Milo!

Um monte de gente riu. Então ele virou o papel de um lado, de outro… Aí pediu desculpas e disse que tinha errado, estava cansado e que não ia conseguir mais fazer desenhos. Justo na minha vez.

Bom, pelo menos eu consegui um autógrafo na revista. Eu ia mandar a minha pro André, mas o Rafael (Gus) numa atitude de desprendimento e prova suprema de amizade como não existe mais no planeta desde Sam e Frodo, resolveu mandar “O Click” novinho dele autografado pelo mestre para o meu irmão como presente pelos seus 30 anos.

Falando um pouco do evento que trouxe o artista que vive em Verona ao Brasil, o Rio Comiccon  está rolando na antiga estação de trens da Leopoldina, construída em 1926. O festival contará com a presença da igualmente polêmica desenhista americana Melinda Gebbie.

Com o objetivo de promover a arte gráfica nacional, os organizadores incluíram 12 artistas brasileiros em sua mostra principal, para “destacar autores e produções nacionais, e abrir espaço para a cultura pop”, explicaram em seu comunicado. Entre os brasileiros convidados estão os ilustradores Angeli e Laerte, que publicam no jornal Folha de S.Paulo.

No fim da noite, felizes com nossos autógrafos do mestre, fomos caminhando até um restaurante nas proximidades, onde comemos umas batatas e uma cebola gigante, bebemos uns chopps e contamos piadas. Foi ótimo.

Pra quem curte o trabalho do Milo Manara, aqui está o link para o site oficial dele.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. A palestra foi ótima mesmo!!!!! \o/
    Com certeza um evento inesquecível. E muito bem coberto pelo Philipe aqui no MundoGump. =)

    PS: Feliz Aniversário André!!!! Espero que curta sue presente!!

  2. Caramba! Sou apaixonado por quadrinhos, ainda mais a Heavy Metal, e em especial Milo Manara, Frank Frazetta, Richard Corben e Tanino Liberatore. Adorei o seu post, o qual eu li com muita emoção! Abraços e continue sempre com o seu fantástico blog.

  3. Noooossa, espero que nao aconteca nada nos correios, estou louco pelo meu presente hehehe, caramba menino esse presente seu nao tem preco, a atitude tem muito mais valor que o autografo do mestre (e olha q um autografo do milo nao tem preco hehe) que bom que tenho um amigo assim :D.
    Muito bacana o post, a palestra deve ter sido otima, o milo tem uma cara de ser muito gente boa. E ele que mora num barco ne? Pouco estilo e bobagem!!!
    Otimo post
    Andre

  4. Cara eu adoro o Manara, mas voce estrago seu realato com a historias das suas putarias. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk comecei a rir imaginando as cenas, e pior imaginando como deveria ser sua mente e o que voce fazia depois da criação artística.kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Agora fiquei curiosa, poste algo pelo menos um “coelhinho fru fru”
    he he he

  5. Ah, Heavy Metal… Uma das poucas coisas boas que aconteceu nos quadrinhos dos anos 90 por aqui. Pena ter durado tão pouco. Fui completar minha coleção da mensal uns 4 anos atrás, um cara na faculdade tava vendendo a coleção dele pra pagar despesas, coitado. Consegui a número 4. Só não tenho os especiais da Druuna Morbius Gravis I e a edição só com artistas brasileiros… Depois que faliu no Brasil, cheguei a comprar alguns números da americana mas era caro pra cacete, coisa de vinte a trinta reais.
    E o Manara, que engraçado, uns meses atrás teve o post da Angelina Jolie maquiada de homem, e eu tinha a impressão que já tinha visto aquela cara em algum lugar. Fui lembrar quando vi o primeiro post sobre o cara: no especial do Sandman – Noites Sem Fim, o retrado que ele faz do(a) Desejo na história que ele ilustrou para aquele volume. Só faltaram os olhos dourados.
    A HM brasileira de qualquer jeito fechou com chave de ouro, uma das últimas edições (se não for a última) trouxe Para Ver as Estrelas do Manara, coisa linda de história.

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