Humor, este ingrato indispensável

Etimologicamente, o Humor surge como um termo da Medicina. A palavra vem do Latim umor (líquido corpóreo), relacionado com umere “estar úmido”. Na medicina antiga e medieval, as doenças, principalmente as emocionais, eram atribuídas a um desequilíbrio dos líquidos do corpo. Essa crença levou primeiramente ao sentido de “humor” como estado de espírito (bom humor/mau humor), e mais recentemente (séc. XVIII) ao sentido relacionado a algo cômico ou engraçado. É cognato em várias línguas.

Não sei porque diabos resolvi falar de humor no fim de um ano tão sem graça, tão maldito quanto foi 2014. Sério mesmo que é difícil caçar alguma coisa boa para falar deste ano, de modo que isso é uma coisa que realmente – ahá! – afeta meu Humor.

Volta e meia quando um amigo manda aquela piadinha sem graça, tipo a clássica piada do pavê ( que com sorte você não ouviu neste natal) o povo já sacaneia logo que o cara merece o cargo na Praça é nossa. Se a rata for online então, não tem erro:

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Me impressiona o grande volume de pessoas que não gosta do humorístico “A Praça é Nossa”.

Por mais que o programa do Carlos Alberto de Nóbrega  tenha ao longo dos anos virado um sinônimo para humor sem graça, não posso negar seus méritos. Primeiro que escrever humor é foda. É difícil pra caramba. Num palco, na frente da câmera ou na tela do cinema, aquele texto pode parecer fácil, fluido, simples… Mas não se engane. O texto de humor é um diamante, que começa como uma pedra escrota e feia e vai sendo lapidado, burilado com cuidado e precisão em busca do timing. Fazer rir não é divertido, é trabalho duro. Malhação neural da melhor qualidade. Parece que é fácil, e isso é completo mérito do autor, que quanto mais hábil, mais conseguirá fazer o texto parecer natural.

Este é um ponto da questão, mas existem outros, ainda mais complicados. Tem a ver com a palavra fórmula. O humor é uma coisa naturalmente mutante. O que era engraçado ontem, hoje já não é mais. O que é engraçado hoje poderá ser detestável e condenável amanhã. Exemplos? Claro:

Não obstante, temos que lembrar que já foi engraçado ver cristãos sendo esquartejados por feras selvagens no meio do Coliseu.

Hoje, com o politicamente correto, se você coloca um troço desses no ar ta arriscado (garantido, aliás) tomar um processo pelo lugar onde o sol nunca brilha.

Se já é difícil e mutante, pense no mérito de uma fórmula que consegue estar na Tv desde o longínquo ano de 1956! A praça é nossa começou com o pai do Carlos Alberto de Nóbrega, com um programa na Tv paulista. O programa passou pela Record, Band e até pela Globo, e era chamado “A praça da Alegria”. Muitas pessoas de idade se referem á praça é nossa como “A praça da Alegria” ainda hoje. Minha falecida avó Cida, sempre errava o nome do programa.

58 anos de programa de humor na Tv. Isso é uma vida inteira, cara. É muito difícil. Não sei quantos programas existem mantendo a mesma formulação todos este tempo na televisão brasileira.

É curioso escrever sobre isso, porque ganhei de natal dos meus amigos Elaine e Bruno um livro que conta a biografia do Bussunda. Comecei a ler interessado na personalidade do Bussunda, mas me espantei ao ver que o livro escrito pelo Guilherme Fiuza é bem mais que isso. Ele conta a gênese do grupo, a história pregressa de cada um dos membros do Casseta Popular e Planeta Diário, e suas relações internas, externas e pregressas ao grupo. Lembro que com 15 anos, eu gostava dos caras como se eles fossem meus amigos de sala. Não perdia um programa nas terças feiras. Mas após o livro (que ainda não acabei, porquê estou lendo três livros ao meso tempo, mas já recomendo) passei a admirá-los mais, porque é na adversidade que você conhece as pessoas e na história do grupo o que não faltou foi adversidade.
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O livro mostra detalhes interessantes de certos aspectos e meandros da criação do humor que eu não esperava achar numa biografia. E isso é, de longe, o melhor da obra. Ali está em detalhes a gênese do Tv pirata, e por que o Boni resolveu lançar o Doris para Maiores (lembra?) no lugar do Casseta & Planeta urgente… Ou o ciúme do Chico Anysio, ou quando a Globo se desesperou com a surra de audiência que a Rede Manchete deu nela com Pantanal – provocando um barata voa de humor que foi o catalisador dos amigos do Bussunda entrarem diante das câmeras.

Uma coisa que fica clara na leitura deste livro é que o humor tem o macro timing e o micro timing. O micro timing é o timing da piada. É o que todos já conhecemos pela palavra gringa. Mas o macro timing reflete uma necessidade permanente de renovação dos produtos na televisão. Programas eternos na Tv são algo praticamente impossível. Fica visível que programas de humor nascem com uma certa expectativa de vida. Expectativa que pode ser curta, média ou curtíssima (como aquele programa do Marcelo Adnet) dependendo dos números da audiência e também do rumo definido pelos responsáveis pelo canal. [wp_ad_camp_5]
O livro me leva a pensar que em humor quase nada dura. E o que dura logo é considerado obsoleto. Este é certamente o caso de “A praça é nossa”.
A necessidade de mutação permanente foi se construindo atrelada às mudanças e exigências do período histórico. Chaplin sentiu isso na pele quando os filmes passaram de mudos a falados. Outra grande mudança se deu quando o rádio perdeu espaço para os primeiros televisores, grandes móveis de formato encaixotado com telas escuras, nas quais um botão magico desenhava um pequeno ponto no centro da tela, uma espécie de big bang, que ia crescendo e se expandindo silenciosamente até tomar conta de toda a superfície catódica. A tv era grande e sóbria, com sua caixa imitando madeira e não raro tinha um pedestal de rodinhas, que não serviam para nada, já que “na tv não se mexe”. Era um monolito… As pessoas se aglomerariam para ver o que a caixa mágica quisesse passar. Com o tempo, a caixa mágica foi gradualmente perdendo sua majestade, outros canais surgiam, programação à cores, tela plana, tv à cabo, segmentação. E quando tudo já parecia uma merda para o humorista da Tv, surgiu a internet, os videogames se popularizavam, e a disputa ferrenha pela atenção estava ainda pior.
Fórmulas surgiram e outras foram reinventadas, como o teatro televisionado do “Sai de baixo”, algo que se fazia nos primórdios da Tv, mais por questões orçamentárias que estéticas propriamente. Também se buscou copiar o que havia fora. Chaves e Chapolim comprados pelo Sílvio Santos da Televisa deitaram e rolaram por três décadas, e na busca por novidades veio o humor Stand up, (algo que não exatamente era uma novidade, já que o Costinha fez isso desde os anos 60, seguido de Jô Soares e Chico Anysio) mas que pelo menos inovava porque diferente dos shows dos baluartes do Humor, deixava qualquer um tentar dar sua “cassetada”. Falando em cassetada, o humor se misturava a pegadinhas, com João Kleber, Superpop, Sílvio Santos e até na gringa, com o JackAss e muito, muito antes dele, o Candid Camera. Daí para o Pânico foi um pulo.
A popularização dos humoristas de stand up comedy e a febre do stand up vendido como “uma novidade contagiante” fez desconhecidos como o Gentili e o Rafinha Bastos ficaram famosos. Pequenos grupos como Olivias e Barbichas também ganhavam atenção. A Globo tentou manter um esquema de grande plataforma de humor, quase sempre baseado em bordão, que tinha uma fórmula mais clássica, como o programa do Carlos Alberto de Nóbrega. Era o Zorra total, que viu surgir e morrer muitos personagens.

O humor nunca teve vida fácil, e ela ficaria mais difícil com a melhoria na qualidade e velocidade das conexões que desembocariam na possibilidade de “democratização” do humor (as aspas são propositais) com vloggers de humor, Porta dos fundos, suas imitações e tudo mais.

Afundando devagar, o Zorra Total também ganhava o status de humor sem graça. As pessoas não paravam para pensar que talvez a fórmula clássica, que já aparecia no “Balança mas não cai” quando eu ainda usava fraldas estivesse se esgotado. Recentemente, o Zorra saiu do ar. Surgiam as discussões sobre o humor, o que pode, até onde vai. A velha briga do humor versus o politicamente correto. Processos, brigas, disse-me-disse.
Um amigo meu certa vez me confessou que “O humor ficou um saco […] Tudo começa a fazer água e afunda”.

Imediatamente, dei um tapa na mesa, tomei um gole e falei: “Porra queria o que? O humor é folgado! Tá pensando que é quem, o Sarney?”

Para acabar, um programa de Tv só precisa existir. São poucos que conseguem durabilidade, como o Videoshow e o Fantástico, seja porque se vão se reinventando através dos tempos, seja porque são estruturais do canal, como o programa Sílvio Santos e seu carnê do Bau, TeleSena e Jequiti.
Aliás, dizem que o segredo da longevidade do A praça é nossa é justamente o Sílvio Santos e sua gratidão. Conta a lenda que o pai do Carlos Alberto de Nóbrega teve a ideia do Bau da felicidade, que poderia deixá-lo milionário, mas vendo-se incapaz de levar o projeto adiante, o passou ao Senor Abravanel, aquele genial ex-camelô, que com isso, fez seu império. Sílvio deu a Praça da alegria e depois A Praça é Nossa em modo vitalício como homenagem a aquele homem que permitiu que o SBT existisse. Não sei se é verdade, mas gostaria que fosse.

Acho estranho quando as pessoas falam de “crise no humor” como se já tivesse existido um período de tranquilidade nesse meio. Crise no humor não é novidade. Se hoje vivemos a crise em tudo, por que o humor estaria de fora?

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Zorra – lixo, algo que deveria ser banido através de medida do governo, fantástico – lixo, só fica ensinando velho aposentado a fazer o que não deve, vídeo show – já deveria ter acabado na época do Falabella, A praça é nossa – de vez em quando é bom, merece continuar no ar. Adnet – barata tonta, Danilo Gentili – péssimo entrevistador, piadas de garoto de 13 anos, Rafinha Bastos – Sem graça demais! as entrevistas são horríveis e sempre tem uma piadinha sobre como ele é bom em alguma coisa, Bussunda, salvava a pátria do Casseta e planeta.

  2. Philipe, parabéns pelo teu trabalho. Desde 2007 lhe confiro ao menos um pageview por dia… É engraçado você tocar neste assunto, dos conteúdos que vem e vão, isso me fez pensar em muitas coisas que já fui fã, e hoje não sou mais. O conteúdo que você gera, “por enquanto” tem minha fidelização.
    Um abraço, e novamente parabéns.

  3. PRA MIM OS PROGRAMAS DE HUMOR SÃO MUITO POBRES DE CONTEÚDO. CARECEMOS DE PROPOSTAS INTELIGENTES O CQC É UMA BOA ALTERNATIVA DIANTE DESSE QUADRO. KKKKKKKKKKK

  4. O humor televisivo é muito ruim .
    O Zorra era “tão bom ” que eu nem sabia que tinha acabado .
    Tem os filmes nacionais de comédia que um ou outro se salvam . Eu até assisto desde que não tenham certos atores tipo Leandro Hassum. putz .

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