Edison não inventou a lâmpada

Na jornada da humanidade, desde seu despertar primitivo e ao longo de sua caminhada civilizatória, criamos leis, códigos e formulações mais diversas. Mas poucas são as frases mais lapidares para sintetizar nossa permanente condição que a famosa frase atribuída a Sócrates:

Só sei que nada sei

Durante séculos essa frase vem sendo repetida e analisada, colocada ao avesso, e verificada com lupa em cada uma de suas possíveis matizes. No entanto, É irresistível encontrar nessa frase um retrato de nossa condição de mulas ignorantes acerca de simplesmente tudo.

Nem conhecemos a nós mesmos, o que dirá o extrínseco universo que nos cerca!

Nossa conjuntura é, sempre foi e não duvido que sempre será de acreditar que sabemos cada vez mais coisas que na verdade mesmo, não são nada daquilo. Nosso conhecimento não raro é composto de um sem numero de generalizações, falácias, imprecisões e simplificações em níveis tão distintos que compõe em conjunto uma plataforma de “verdades” que é em grande parte uma fantasia na forma de construção cultural.

Hoje filósofos e pesquisadores de diversas áreas debruçam-se sobre a questão da verdade, tentando determinar se a verdade realmente existe ou não.

Com o tempo, aprendi – muito em grande parte devo ao trabalho permanente de pesquisar sobre tudo para esse blog -que um volume substancial de tudo que que me ensinaram como verdade na escola eram mentiras, imprecisões, generalizações, erros de interpretação e claro as análises tendenciosas de sempre.

À medida que eu me embrenhei em diversos assuntos, fui percebendo que, como Sócrates já tinha sacado milhares de anos antes de eu nascer, eu não estava sabendo. Eu estava apenas mudando meu padrão de ignorância.

É difícil saber o que é uma verdade no mundo real. As pessoas tendem a associar a realidade com a verdade, como se essas duas coisas andassem juntas, mas isso é uma deformidade de visão de mundo historicamente construída. Basta abrir qualquer jornal para percebermos que jornalistas podem apresentar boas notícias como sendo péssimas, e pior, podem fazer o oposto.
As publicações em diversas áreas são um arcabouço infinito de construções míticas. Um bom exemplo desse manancial infinito de mitos e lendas reside naquela área da livraria que o chão se mostra mais gasto: O das publicações empresariais, onde “como ficar rico” disputa com “Vencer” e auto-ajuda empresarial se espalha colorindo as prateleiras de todos os tons imagináveis.

Basta entrar numa livraria para perceber como esse segmento, terra fértil para o florescimento dos “Gurus”, dos “jedis do comércio” ou dos “Ninjas da publicidade” fornecem projeteis psíquicos para coachs e consultores de imagem os derramarem num mundo sedento por informação e motivação.

Nessa seara, um livro pode chamar atenção: Sair na frente para vencer.

Belo título, realmente. Na capa, corredores estilizados se preparam diante da interminável espera do disparo.  Num mundo onde ninguém sabe ao certo de onde as ideias vêm, nem como funciona o processo criativo, onde um guru pode defender que a criatividade é um dom, um coach sugere que seja uma arte e um vendedor de auto-ajuda decreta que é uma habilidade ao alcance de quem comprar seu livro, sair na frente pode parecer um caminho seguro para o sucesso no campo na inovação.

É curioso que o símbolo da inovação seja uma lâmpada acesa, quando na verdade a história da invenção da lâmpada incandescente é um belo exemplo de mentira que permeia nossa cultura edificada em falácias.

Mas desculpe. Sair na frente para vencer é bom como título, no entanto, no mundo real, é mito. Sair na frente para vencer é uma noção romântica do mundo, uma ideia completamente edulcorada que se vende para os trouxas que precisam se motivar a qualquer custo, porque o guru ofereceu a eles a “Terra prometida”. A  crença de que chegar primeiro é o caminho a ser seguido no campo da inovação está baseada fundamentalmente naquele conjunto de ignorâncias que nos são ensinadas e que se tornam com o tempo uma cristalização mental do que deveria ser o “sucesso”: – Chegar na frente.

É bem raro, que num exame rápido sobre a história das grandes invenções, encontremos ou lembrarmos dos primeiros proponentes de qualquer categoria, porque eles normalmente fracassam em tornar suas ideias viáveis comercialmente.  Muitas vezes – Ahá! aqui está a logica do título do post – achamos que sabemos quem foi o primeiro, mas ele (ou ela) é tão somente aquele que fez mais barulho a respeito. Ou seja, aquele que foi mais sagaz na autopromoção e se autoproclamou como sendo o primeiro.  Você ficaria realmente enojado se fosse à fundo nas histórias da maioria das invenções.  Foi o caso da lâmpada elétrica.

Ao contrário da opinião popular, (eu mesmo pensava nisso até me decepcionar com a verdade) não foi Thomas Edison quem inventou a lâmpada elétrica. 

Na verdade, seu pedido de patente original, de 1880 foi recusado em 1883 porque adivinha só? Ele era CHUPADO de conceitos existentes anteriormente! Isso significa que Edison tentou registrar um invento cujos componentes base já estavam presentes na ideia de alguém para quem uma patente similar já havia sido submetida, aprovada e garantida anteriormente.  Mesmo que essa decisão de que havia conceitos de Edison que conflitavam com inventos anteriores tenha sido derrubada depois, fica a certeza que o vislumbre de algo parecido com o conceito de uma lâmpada elétrica foi a grande ideia de outra pessoa, sepultada num limbo histórico.

Na verdade existem VINTE E DOIS INVENTORES com aparatos elétricos que detém o crédito da invenção da lâmpada incandescente. Cada um desses vinte e dois inventores trabalhou em sua ideia por ANOS, alguns por DÉCADAS, antes de Thomas Alva Edison sequer pensar em entrar nesse ramo de negócios. Um dos mais notáveis foi o inglês Joseph Swan , com quem mais tarde Edson se uniria comercialmente, fundando em 1883 a Edison & Swan Electric Light Company.
A “Ediswan” vendia lâmpadas com um filamento de celulose inventado por Swan em 1881. Thomas continuou a vender filamentos de bambu ate 1892, quando uma nova fusão corporativa criou a General Electric , que adotaria o filamento de celulose. Espertão, Edison adquiriu de dois outros caras de Toronto  ( O eletricista Henry Woodward e seu sócio inventor Mathew Evans) o direito das patentes incandescentes para todo o território dos Estados Unidos e Canadá. Depois Edison aperfeiçoaria essas patentes na tentativa de fazer com que as lâmpadas durassem mais. Mas é importante notar que até mesmo o processo do filamento da lâmpada de Edison tinha uma tecnologia inventada por outro cara. Esse cara era Lewis Latimer. Um cara que eu aposto dois reais, você nunca sequer ouviu falar em toda sua vida. Mas Mundo Gump é cultura e você vai saber agora quem era esse cara.

O Negro por trás da Invenção da lâmpada

Lewis Howard Latimer era filho de escravos fugidos e nasceu em 4 de setembro de 1848. Com apenas 16 anos alistou-se na Marinha e serviu à bordo do USS Massasoit. Depois de dar baixa com Honra, foi contratado pela empresa de patentes de Boston, a Cosby and Gould, que estava procurando um estagiário para ajudar no serviço. Enquanto trabalhava lá, Latimer gastava todo seu tempo livre estudando por conta própria dos desenhos de projetos, e acabou convencendo seu relutante patrão a ser um desenhista profissional. Em pouco tempo o rapaz já era o principal desenhista da empresa. Latimer, era um autodidata e pesquisador inveterado, e sabia muito mais que leis de comércio e desenho. Ele era engenheiro, escritor, poeta, perito testemunhal, violinista e inventor. Na realidade Lewis Latimer era o que podemos chamar de Homem da renascença.

Uma de suas maiores invenções foi um processo que permitiu a fabricação de filamentos de carbono para as lâmpadas elétricas. Criar um filamento que pudesse durar mais que oito minutos, eis o problema que atormentava Thomas Edison e seus concorrentes, entre eles Hiram Maxim e sua United States Electric Lighting Company. O processo inventado por Latimer resolveu finalmente o problema que parecia insolúvel, embora ele no inicio, não o tivesse desenvolvido para a empresa de Edison.

Em 13 de setembro de 1881, enquanto trabalhava para a Hiram Maxim – E não para o Edison – Latimer recebeu sua patente para produzir “incandescência numa faixa contínua de carbono, envolvida em arames metálicos”. Seis dias antes da publicação da patente desse filamento – Que incluía um material pouco ortodoxo, o papelão em vez do mais tradicional “papel higiênico” – Latimer entrou com uma patente em seu nome para um processo de produção semelhante.

A patente dessa vez saiu com o nome do empregador de Latimer, a United States Electric Lighting Company, de Maxim, em 17 de janeiro de 1882. É justamente essa passagem que corrobora minha percepção histórica de que nem sempre quem larga primeiro ganha. Os filamentos de longa duração de Latimer apareceram pela primeira vez nas lâmpadas de Hiram e Maxim e foram popularizadas depois por Edison, considerado o maior inventor dos Estados Unidos. De fato, não estou fazendo pouco caso dos talentos de Thomas Edison. Se ele tinha um talento irrefutável era o de ser hábil em juntar coisas existentes, além de comprar e vender coisas, enquanto Latimer  tinha uma postura mais diletante (não no sentido pejorativo). Com o tempo, Latimer acabou se ligando a Edison, o que o tornou o único negro da história no “grupo dos pioneiros” de Thomas Edison.  Esse grupo era um conjunto de cientistas que trabalhavam em diversas empresas de propriedade de Edison, “contribuindo” para muitas de suas invenções de ponta.

Além de ser um mestre em juntar pessoas (e suas ideias) Thomas Edison era um mestre em publicidade e promoção. Raposa astuta, Edison convenceu Latimer a promover seu sistema de iluminação (chamado não por acaso de “Sistema de iluminação Thomas Edison”) com um livro. O Livro se chamaria por sugestão de Edison de “Incandescent Electric Lighting: A pretical description of the Edison System”.

Notou a genialidade perversa do maluco? Gênio! O título dava a entender que Latimer tinha criado o filamento PARA Edison, quando na verdade ele nem sequer trabalhava para Thomas Edison quando recebeu a publicação da patente. Ao se apossar metafisicamente da ideia alheia, Edison converteu o gênio e real inventor da tecnologia que viabilizou a lâmpada incandescente numa mera e pálida nota de rodapé.

E o mundo engoliu isso aqui como a verdade

Antes de ir para a Thomas Alva Edison Electric Light Company, Alexander Graham Bell encomendou a Latimer os desenhos do projeto de seu telefone. Na verdade, Latimer registrou o pedido de patente para os desenhos de telefone de Bell, literalmente MINUTOS antes que concorrentes fizessem a mesma coisa, o que resultou na concessão em nome de Bell para a atente do telefone em 7 de março de 1876. Além da lâmpada elétrica e do telefone, Latimer aperfeiçoou os banheiros dos trens de passageiros e desenhou cabides para chapéus e casacos. Também inventou um aparato para refrigeração, desodorização e desinfecção de ambientes fechados, e por ironia fina do destino, a firma que lhe contratou como estagiário no inicio de carreira agora prestava serviços para ele como advogados.

Como a maioria dos grandes inovadores, Edison “se apoiou nas costas de gigantes”. Mas apesar das várias melhorias feitas em uma já existente lâmpada de filamento incandescente, a genialidade que devemos creditar a Edison não é por ele ter criado a lâmpada mas sim por ele ter conseguido montar um conjunto díspares de elementos de iluminação: Circuito paralelo, dínamo confiável, rede subterrânea de condutores, dispositivos para manter a voltagem constante, fusíveis de segurança, materiais isolantes, bocais de lâmpadas, tomadas de liga-desliga, e finalmente uma lâmpada que durava.

Edison registrou 1.093 patentes, de acordo com o Parque Histórico Thomas Edison, nos EUA, tornando-o um recordista de patentes… Que eram em ampla maioria, ideias de outros caras. Esse numero de patentes só foi possível graças à suas fábricas de invenção, que dividiram o processo de inovação em pequenas tarefas que foram realizadas por uma legião de trabalhadores. Por exemplo, Edison teve a ideia de uma câmera de imagem em movimento, ou cinetoscópio, em uma palestra do fotógrafo Edward Muybridge, mas, em seguida, deixou a maior parte da experimentação e prototipagem para seu assistente William Dickson e outros colaboradores. Por ter várias patentes e invenções em desenvolvimento em paralelo, Edison, por sua vez, garantiu que seus assistentes tivessem uma situação financeira estável para continuarem a executar experimentos e incorporar mais projetos.
O historiador de economia Nathan Rosenberg diz que nossa insistência em ter ideias erradas sobre o processo de inovação se deve não apenas à nossa necessidade de ouvir histórias fáceis, mas também, “de forma muito atual, à necessidade de empresários em deter, sem complicações a propriedade de ideias frente às cortes de justiça e opinião pública”.

De volta ao problema das simplificações históricas, isso constrói uma ideia equivocada sobre como inovar, como gerenciar inovações. O futuro pertence aos que tornam ideias viáveis e não aos que de fato criam. Mas apesar disso, me questiono sempre a razão pelas quais as pessoas precisam muito mais de ícones e símbolos, como a ideia fantasiosa de gênios que inventam tudo, do que de verdades.  E falando em verdades, a frase escrita lá em cima, que em parte gerou esse post enorme (que não sei se alguém vai ter saco de ler) também é mais uma dessas ignorâncias travestidas de conhecimento. Ela não é do Sócrates, e nem mesmo do Platão.   Nos tempos antigos e modernos, “Só sei que nada sei”  não ocorre tal como ela é em nenhuma das obras de Platão. Dois proeminentes acadêmicos estudiosos de Platão argumentaram recentemente que a frase não deve ser atribuída ao Sócrates de Platão.

No entanto, Platão relata, em sua Apologia de Sócrates, que:

[aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber.]

A imprecisão da paráfrase como só sei que nada sei’ deriva do fato de o autor não estar a dizer que ele nada sabe, mas sim que não pode saber nada com absoluta certeza, mas pode se sentir confiante acerca de certas coisas.

fonte

 

|

 

 

Receba o melhor do nosso conteúdo

Cadastre-se, é GRÁTIS!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade

Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

Artigos similares

Comentários

  1. Achei seu site por acaso, também fico atrás das verdades sobre os inventores, como o caso do Telsa, nunca ouvi falar dele na escola, apesar de sua enorme importância para a civilização, parabéns pelo site, e obrigado pelos conteúdos disponibilizados.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Advertisment

Últimos artigos