Um dia na escola

CENA 1- Externa dia

Plano geral de uma escola. As crianças entram fazendo aquela algazarra em meio uniformes e merendeiras para todos os lados.
A câmera mostra o esquadrão de vendedores na porta da escola. Vende-se de tudo. Sacolés, balas, chicletes, brinquedos, milho, pipoca, algodão doce, e todo e qualquer tipo de coisa que chame a atenção de uma criança.
Corta para o sinal que esguela aos quatro ventos o início da aula.
Plano geral do pátio. Está vazio. Todos já entraram em suas salas.
Entra um garotinho atrasado. A câmera acompanha sua corrida desesperada enquanto cruza o pátio carregando uma mochila gigante que é quase do tamanho dele.

CENA 2 – Interna dia

Plano da sala de aula. A professora, uma mulher de mais ou menos sessenta anos, usa óculos e está passando deveres no quadro. A turma no mais profundo silêncio copia o dever do quadro.
É uma turma da quarta série.
A porta abre-se e entra o garotinho ofegante.

PROFESSORA- Atrasado de novo, Frederico?
FREDERICO- Desculpa, professora. É que eu fui comprar a ficha da meren…
PROFESSORA– (interrompe)…Senta lá, Frederico. Vai pro seu lugar que depois agente vai conversar. (com um sorriso satânico)… Na hora do recreio.
FREDERICO- Na hora do recreio, tia?
PROFESSORA- (perdendo as estribeiras) Vaaaaaai sentaaaaar, Fredericooooo!

O garoto vai pro seu lugar resmungando. A turma em silêncio. A professora se prostra diante da turma e  inicia um monólogo moralista:

PROFESSORA- No meu tempo, não tinha esse negócio de comprar ficha de merenda não… Agora está aí, essa pouca vergonha horrível! Tudo se compra, tudo é comércio… Isso atrapalha a aula, gente. Como é que vocês querem prestar atenção mastigando chiclete? Márcio! Cospe já esse chiclete! Anda, Garoto. Vocês não sabem que eu não quero chiclete na minha aula? Já não falei mais de mil vezes? Fica esse negócio de compra aqui, compra ali, pede dinheiro pra isso, pede dinheiro pra aquilo, é boneco, figurinha, revistinha, card, joguinho, pirulito, bala de chiclete, celular, grupo de teatro, e ainda tem esses malditos desenhos japoneses. É picachu, cavaleiros do zodíaco, Dragon ball, digimón, iu-gui-o, samurai X, sei lá mais o que…

A professora é interrompida por um súbito barulho na porta.

PROFESSORA- Pois não? Pode entrar.

Surge a cabeça de um senhor de barbas brancas e óculos de sol Ray-Ban.

HOMEM DE ÓCULOS- Dá licença, professora?
PROFESSORA- Sim, claro. Pode falar. O senhor quer falar com algum aluno?
HOMEM DE ÓCULOS – Sim senhora. Quero sim.
PROFESSORA- E com qual deles quer falar?

A câmera dá uma panorâmica pela turma. Deve haver ali uns trinta alunos.Todos em silêncio olhando para o homem gordinho de óculos. Pinta de Ernest Hemingway.

HOMEM DE ÓCULOS- Com todos eles, se não for incômodo.
PROFESSORA- O senhor não é mais um daqueles homens da feira do livro, é?
HOMEM DE ÓCULOS- Não, não senhora.
PROFESSORA- Nem da cooperativa de teatro, né?
HOMEM DE ÓCULOS- Não senhora. Nada disso.
PROFESSORA- Então faça o favor. A turma é toda sua.

O homem enfim bota mais de meio corpo para dentro da sala e logo se vê que ele está puxando por uma coleira algo que a princípio parece ser um cachorrinho.

HOMEM DE ÓCULOS – Obrigado, professora. Vem, Réx… Entra.

A turma entra em pânico. A gritaria é geral. Surge numa coleira um dinossauro que deve ter mais ou menos um metro e sessenta de altura. Do tamanho de um avestruz.

PROFESSORA- (Desesperada se escondendo atrás de uma cadeira) Que isso! Tira esse bicho daqui! Tira isso… Ai, meu Deus!
HOMEM DE ÓCULOS- (Impassível) Olá crianças! Ponham um dinossauro em suas vidas!

A turma está fora de controle. Todos correm para o fundo da sala, desesperados. As crianças se acotovelam para ficar o mais possível distante daquele bicho.

Close no dinossauro. Ele parece não estar entendendo nada. Seus movimentos lembram um avestruz. Olha as coisas ao redor com certa curiosidade.Olhando de lado, como as galinhas.

HOMEM DE ÓCULOS- (em bom estilo vendedor) A Kling corporation traz para vocês mais uma novidade na engenharia genética. Os dinomonsters!
Sim, crianças! Eles são bonitos. Eles são fofinhos. Eles são amigos. Sim, eles são de verdade! Eles serão seus amigos por muitos e muitos anos!

Corta para a cara das crianças. Todas em total perplexidade.As bocas aberta e olhos esbugalhados. As meninas limpam as lágrimas na camisa da escola.

HOMEM DE ÓCULOS- (continuando de forma automática como um vendedor de facas GINSU) Peça para o seu papai mais esta incrível novidade! Todos eles são de verdade e ainda vem com uma linda coleira de brinde.
Já sei, já sei. Vocês devem estar querendo saber como eles são feitos, né? Pois eles são feitos por um incrível método de processamento de DNA pré-histórico e reconstrução matemática usando o que há de mais moderno na tecnologia de fabricação de animais transgênicos.
Os dinomonsters podem molhar que não estragam, não precisam de pilhas e ainda por cima, vem em três modelos diferentes para você colecionar. Não perca tempo, peça já o seu.
Eles tem certificado de garantia de vinte anos contra degeneração genética e você ainda pode escolher a dieta do seu dinomonster! Este aqui é carnívoro, mas temos modelos herbívoros também.

A turma num espanto só. A cada mexida do bicho, a turma se aperta mais no fundo da sala.
Close no dinossauro magricela que está tentando comer um lápis.
O vendedor puxa o bicho pela coleira e ele solta um grunhido arrepiante. O vendedor aproveita e continua:

HOMEM DE ÓCULOS- E o som, minha gente! O som… É perfeito. Após décadas de pesquisas nos nossos laboratórios os dinos possuem um ruído tão perfeito que qualquer um invejará o seu! Garantia ecológica… Em poucos dias, todas as crianças terão seu próprio dinomonster! Ele é a companhia ideal para crianças. Por que esperar agora e pagar um preço alto depois? Por que ter um peixe, um cão um gato? Peixinho, papagaio, periquito, isso aí já era.
Veja só a qualidade!

O homem puxa o dinossauro magricela verde que novamente está tentando comer o lápis.

HOMEM DE ÓCULOS- …Veja este lindo espécime! O magricelossauros. Ele é feito de sapo com cobra, cachorro de corrida, dois terços do DNA de um dragão de Komodo, lagartixa e um leve toque de tartaruga para dar cor. (close no bicho com o lápis na boca)
Ou então este, um modelo mais caro, mas muuuuito melhor.

O homem puxa a outra coleira e outro dinossauro entra na sala. A turma se assusta novamente. É um Dino gordo enorme. Ele é quase do tamanho é de um fusca.
Close na cara das crianças. Ainda estupefatas.

HOMEM DE ÓCULOS- Este é meu xodó… O tenontossaurus gordurus. Uma perfeita mistura de hipopótamo com leão marinho e um pouco de camelo. Para a pele, temos tecido de porco e rã….

Enquanto fala, o homem vai empurrando o dinossauro para fora da sala. O bicho entope na porta, mas depois de umas ombradas, ele sai.

HOMEM DE ÓCULOS- …Claro que sempre há aquele menino ou menina que não se contenta em ter o que todos os seus amiguinhos têm…
Afinal ninguém é igual a ninguém! Para alunos extraordinários existe a linha “Special” (falado em inglês com sotaque e tudo), que apesar de ser um pouco mais caro, é mais exclusiva e melhor. Muito melhor! Só um minutinho.

O sujeito sai da sala.
(o homem agora está fazendo força e puxando uma coleira que é uma corrente de ferro grossa).

A cara das crianças revela o desespero da antecipação. A professora está com os olhos arregalados.

HOMEM DE ÓCULOS- (gemendo) Ung, que peso! Mas aqui está ele.

Entra uma cabeça de tiranossauro pela porta adentro. Babando e grunhindo. Então o bicho solta aquele urro característico.

Close no susto na cara das crianças tampando desesperadamente os ouvidos. Começa um verdadeiro pânico. Parece que as crianças sabem que vão morrer.

O bichão enfia uns três metros de cabeça e espcoço pra dentro da sala. O resto do corpo fica do lado de fora.

HOMEM DE ÓCULOS- O tiranossaurus misturadus poliesculhambóticus é o mais complicado. Crocodilo, baleia assassina, galo de briga, elefante africano, dragão de Komodo, sapo boi, jararaca, e outros bichinhos mais para dar detalhes. Tem um bom temperamento e é indicado para quem tem crianças… Er… Bem, crianças pequenas, vocês sabem. Ele adora brincar. Uma gracinha!

O homem fala isso tentando segurar o monstro cheio de dentes que tenta entrar pela sala adentro.

O monstro tenta cheirar os alunos, dilatando e contraindo as enormes narinas, causando um certo pânico na sala. As crianças se apertam umas contra as outras.

HOMEM DE ÓCULOS-Ainda temos muitos outros dinos no nosso catálogo! E nos próximos meses, novos modelos deverão ser lançados.
Até hoje nós estamos tendo uma procura e venda incrível. Se algum destes modelos aqui interessar a algum de vocês, não esqueçam, podem ligar para a nossa central de atendimento ou procurar nosso estande de venda no pátio principal e vocês receberão um incrível desconto!

Peça pro papai. peça pra mamãe. Lembre-se se seus pais amam vocês, eles vão te dar Dinomosnters!

O homem agradece a atenção e sai com o dinossauro magricela com cara de retardado e que tem um caderno na boca.

Ele e as criaturas se retiram. O silêncio volta a sala de aula. As crianças pálidas entreolham-se. A professora se levanta de trás da cadeira toda descabelada tenta se arrumar. Se dá ares. Ela está trêmula. Fica quieta. Olhando para as crianças.
A porta se abre novamente com um rugido lá de fora. Todos se assustam. É o vendedor:

HOMEM DE ÓCULOS- Crianças, esqueci de dizer uma coisa. Não se esqueçam do nosso Slogan: DINOMONSTERS! TEMOS QUE COLECIONAR TODOS! Obrigado.

Ele fecha a porta.

Fade out.

Enquanto sobem os créditos, surgem as vozes das crianças em off:

– Eu vou querer.
– Eu também! Eu quero o Dino.
– Eu vou querer o magricelus.
– Não, eu é que quero esse.
– Ele comeu meu caderno. Que bonitinho!
– Eu quero o gordurus!
– Ele parece mesmo com você.
– Vou pedir pro meu pai…

FIM

O Kelson deu a dica e eu me lembrei. Adaptei essa ideia de dinossauros de engenharia genética de uma historinha da Heavy Metal que eu assinava entre o fim dos anos 80 e o início dos anos 90. Se não me falha a memória, a história era um tipo de paródia non sense com o livro que mais tarde deu origem a Jurassic park. Naquela época da escola, muitas histórias em quadrinhos eu adaptei para o universo urbano em que eu vivia. Mas as melhores eram as aventuras da Drunna, que faziam um enorme sucesso com meus colegas de turma (por que será?).

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Primeirão!!
    Clap! Clap! Muito bom! :ohhyeahh:
    Fiquei imaginando a cara das crianças! Pelo jeito que começou, eu esperava um outro tom de história, mas ficou ótimo. Consegui visualizar o “filme” todo.

  2. Realistico.

    Mostrou bem como que usam a propaganda para manipular o povo, principalmente para atingir as crianças.

    [quote]”Peça pro papai. peça pra mamãe. Lembre-se se seus pais amam vocês, eles vão te dar Dinomosnters!”

    “DINOMONSTERS! TEMOS QUE COLECIONAR TODOS!”[/quote]

    Fico muito bom o texto, mas para a história em si, o final não me agradou muito.

  3. rsrsr.
    Mto bom, mto criatvo.

    é uma ideia bem realista desses vendedores. eles devem fazer curso de “Como vender sua mãe em 3 dias”, “Aprenda a manipular as pessoas” e por ai vai……

    A propósito, Philipe, quero aproveitar a você esse espaço maravilhoso para oferecer minha linha de Shampoos para caspa.
    Remove com TODA A CASPA, em 3 dias, deixando seus cabelos com brilho, e fortalecendo desde a raiz.

  4. [quote comment=”40252″]Aloco… ta tomando muita coca cola eim Phelipe hehehe[/quote]

    Eu tô a mais de um ano sem beber o líquido sagrado! Acredita?
    Agora só tomo pepsi, mineirinho e soda limonada.

    • mistura braba einn,so não mistura coca e mentus,senão tu constroi uma bomba nuclear com um fosforo,um clipe de papel e 100 toneladas de scarraronucudofitilenofiliafobiusonocaralhadoteusustaumamerdus

  5. será q isso é um roteiro piloto para um futuro flme :love: :love:
    maneiroooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  6. HHhauhauhauhauahuah muito bom!!
    No começo achava que era uma daquelas histórias suas com várias partes. Imaginei que as crianças começariam a comprar e o mundo vira um caos total. XD

  7. [quote comment=”40322″]Ficou uma coisa tipo Harry Potter pitoresco.
    Fiquei imaginando vendo uma coisa dessas no Youtube. Divertido.[/quote]

    Pior que essa aí eu fiz na escola, no segundo ano. Eu achei ela aqui no meio de uns guardados. è uma das legpítimas redações gump. Eu adicionei umas novidades como o yu gui o e o celular. O post é do tempo do tamagoshi e dos cavaleiros do zodíaco. Acho que é de antes do pokemón;

  8. [quote comment=”40425″]Mto bom,
    Mais pelo menos tirou boa nota com esse texto?[/quote]

    Não, essas redações que eu fazia não eram específicamente para a escola. Era escrita por prazer mesmo. Naquela época não havia blogs ainda, mas eu já era blogueiro. Escrevia todo dia num caderno e este caderno depois rodava pela sala de mão em mão. Era uma tradição.

  9. [quote comment=”40439″][quote comment=”40425″]Mto bom,
    Mais pelo menos tirou boa nota com esse texto?[/quote]

    Não, essas redações que eu fazia não eram específicamente para a escola. Era escrita por prazer mesmo. Naquela época não havia blogs ainda, mas eu já era blogueiro. Escrevia todo dia num caderno e este caderno depois rodava pela sala de mão em mão. Era uma tradição.[/quote]

    Nossa, muito bom. Parabéns mesmo Philipe. (quem me dera eu escrever assim desse jeito :*( )

  10. [quote comment=”40305″][quote comment=”40252″]Aloco… ta tomando muita coca cola eim Phelipe hehehe[/quote]

    Eu tô a mais de um ano sem beber o líquido sagrado! Acredita?
    Agora só tomo pepsi, mineirinho e soda limonada.[/quote]

    Ah… ta explicado. Deve ser abstinencia msm então =p

  11. [quote comment=”41425″]Isso saiu na Heavy Metal Brazil, em uma das primeira edições, vc só adaptou.[/quote]

    Você tem razão. EU nem me lembrava mais disso. Adaptei essa idéia de dinossauros de engenharia genética de uma historinha da Heavy Metal gringa, que eu assinava entre o fim dos anos 80 e o início dos anos 90. Se não me falha a memória, a história era um tipo de paródia non sense com o livro homônimo que mais tarde deu origem a Jurassic Park. Naquela época da escola, muitas histórias em quadrinhos eu adaptei para o universo urbano em que eu vivia. Mas as melhores eram as aventuras da Drunna, que faziam um enorme sucesso com meus colegas de turma (por que será?).
    Obrigado por lembrar isso, Kelson. Coloquei lá no post o aviso final de que é uma história adaptada.

  12. Cara muito criativo, tenho só 12 anos tô na 7ª Série e já fiz um livro de 5 páginas sendo q grandes e muitas poesias grandes. Nem vendo só mostro e conquisto as minas! x_x Tipo bota umas coisas bizarras do tipo http://www.issoebizarro.com ! Flw, abraços lesk’

  13. Cara, vou usar tua ideia do caderno passar na mão de todo mundo na sala. Mas qual era o nome do seu caderno, minha prima me deu uma ideia de botar o nome de “bunda de piranha” (soh minha prima mesmo), pq todo mundo vai passar a mão. Mas me manda uma ideia aí, vlw?

  14. Também escrevo contos, a obra q eu fiz que eu mais gosto é “O Cemitério Maldito”, teve uma continuação mas não ficou tão boa assim, vou fazer a terceira parte assim q bater a inspiração

  15. Philipe visita meu blog,eu sei que ta uma merda mas visita por favor?vou postar umas fotos e talvez te de inspiração,tipo fazer escultura do thanator,banshee,avatar,RDA   gunship

  16. PhilipeJan 15, 2012 06:24 AMMuito maneiro mesmo. Deu vontade de fazer um desses! Parabéns pelo blog, Ana!

    Ana EgerJan 15, 2012 05:04 PMse puder fazer faça eu ficaria muito feliz,mais aceito não como resposta, valeu por visitar meu blog,ADORO seu blog bjs

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