Sem noção

Sexta feira, fim do expediente. Um dia estressante.
Hoje eu malandramente previ o megaengarrafamento da perimetral e voltei do Rio de barca.

Eu gosto de andar de barca porque é mil vezes melhor que voltar num ônibus lotado.
Enquanto no ônibus você se espreme e fica passando um monte de sujeito que claramente não toma banho nunca, ou na melhor das hipóteses, tem o desodorante vencido no fim do expediente se esfregando em você, a barca é mais relax.
As vantagens são inúmeras. A primeira delas é o ventinho. O ventinho que sopra do mar é uma beleza. A tranquilidade do atravessar da baía da Guanabara, o silêncio que faz lá no meião, a vista, as ondas e o brilho dos prédios na água oferecem uma boa distração para o passageiro que prefere não dormir.
Enquanto isso, o ônibus oferece um som ambiente de qualidade. Pagodão chulé ou músicas de novela das sete. Qualidade duvidosa.

Mas hoje eu voltava de barca e aproveitava pra ouvir um som no meu inseparável radinho, quando algo que mais pareceu uma briga me chamou a atenção. Tirei o fone do ouvido pra tentar entender e para meu mais absoluto espanto, estava ali, bem atrás de mim, um CULTO EVANGÉLICO.

PORRA!

Um culto evangélico na BARCA??? No fim do expediente? Todo mundo cansado e uma meia dúzia de crente babaca sem noção sacam um violão e vários folhetos e começam uma cantoria chata pra caramba.

Então passei meu passeio de volta para casa a refletir sobre como são imbecis esses crentes que não conseguem enxergar que o direito deles termina bem no lugar que começa o meu.
Eu não gosto. Não gosto e aliás, não apenas não gosto pura e simplesmente, como também DETESTO musiquinha de igreja. DE TODAS – inclusive as músicas da igreja católica.
Eu aceito que as pessoas se reúnam no LUGAR APROPRIADO para orar e cantar se for o caso, mas NA BARCA??? Que merda é essa?

Perguntei para uma senhora que estava ao meu lado e ela falou que é sempre, ou seja, TODO DIA que esses caras se juntam para cantar na barca.
-É justo isso? – Perguntei retóricamente para mim mesmo, mas a senhora ao meu lado vendo uma pequena chance de desenrolar um conversê que não acaba mais – Minha sina: em breve um post sobre isso – achou que eu perguntava pra ela e começou a defender os caras…

– È que eles acreditam em Deus. – Falou ela. E ante meu olhar incrédulo, continuou: – Eles cantam para louvar ao senhor.
– Mas incomoda os outros – Disse eu.
– Ora, música para Deus não incomoda ninguém. – Agora a perplexa era ela. Perplexa por encontrar uma pessoa que não compartilhe da fé dela ( ela era crente, óbvio) e perplexa por achar que existe alguém que pensa diferente dela e tenha coragem de falar isso assim: Batido.
Bom, não sei o que vai na cabeça dessa gente, mas a julgar pelo modo como eles votam, só posso chegar a conclusão que são meio tapadinhos mesmo.

Os caras fazem uma porra duma cantoria chata feito o catiço porque ignoram completamente que alguém pode não gostar daquilo. Pior, alguém pode não acreditar naquele Deus.

Mas eu dei trela pra velhinha:
– Mas e se eu cultuar o diabo? Eu posso chamar meus amigos da capa preta aqui pra fazermos uma missa satânica na barca? – Nisso a velha já arregalou dois olhões do tamanho de um prato:
– Claro que não! – Toda convicta.
– Mas por que não? Não tenho direito de cultuar também? Os caras estão cultuando Deus, olha lá. Por que eu não posso cultuar LÚCIFER, Mefistófeles, Asmodeus…
– Que isso menino! Tá amarrado! Tá amarrado! Não fala isso menino. Isso atrai coisa ruim. Disse ela em tom de desaprovação.

Então olha só, eu que não acredito nessas merdas não posso sequer citar a palavra “Lúcifer” ( que inclusive tá lá escrito na Bíblia e o pastor repete cem mil vezes num exorcismo) porquê incomoda os santos ouvidinhos da titia, enquanto a merda da música de igreja ( note que não é mpusica gospel não. É musica de igreja daquelas mais “Assembléia de Deus” mesmo) a viagem da barca toda eu sou obrigado a aguentar.
Pô, num ônibus… Você se chateou com a rádio do motorista? Você desce. Mas e na barca? Pra onde correr? Ou nadar?

Logo na barca, onde eu jurava que era o último reduto do silêncio relaxante da sociedade carioca, que convive com sirenes, buzinas da copa, camelôs vendendo pente, anel, cordão perfume barato, sutiã sem alça, cedê de dez, devedê de quinze, “treix bombom por um reáu”.

Perguntei a ela se os homens da barca não interrompiam os crentes cantores por incomodar visívelmente as outras pessoas. Ela me falou que os caras da barca não reclamam porque as pessoas tem – olha só: ” o direito de praticar a fé”.
Ah, putaquipariu. Me deu vontade de praticar a fé islâmica do Osama na cabeça da velha ali mesmo. PEDALA TIA!
Eu pergunto a ela o porque de louvar a Deus logo na Barca. Afinal, é um meio de transporte e não uma igreja.

O que ela me respondeu me espantou, dada a franqueza crua do argumento:
– Na barca tem mais gente que não tem religião. Essas pessoas podem ficar tocadas e se converterem.
Tenho que aceitar que nisso a velha tava certa. É uma mecanismo óbvio de arrumar fiel. Todo mundo sabe que quanto mais gente passa em frente a sua barrraquinha, maior a chance de você vender. Se isso não fosse verdade, não tinha tanto camelô.

Os crentes sacaram isso. Malandros.
Lavagem cerebral de 20 minutos. Sem ter para onde correr, ouvindo as músicas na volta do trabalho todo dia, elas começam a ser introjetadas.
Penso na novela. A Som Livre surgiu dessa fraqueza humana. A Psicologia nos mostra que uma música, por mais merda que seja, quanto mais repetida e massificada for, maior a chance das pessoas se acostumarem com ela e o cérebro meio que “vicia” na estrutura ritimada que vai sendo gravada no cérebro.
REsumindo, algo rui repetido milhões de vezes fica “bom”. Efeito Schweppes. Primeiro você estranha, depois acostuma.

( Olha só… Parece que eu acabei de explicar científicamente porquê sertanejo gosmento vende, porque o funk colou e as merdas de axé e pagode movimentam cifras milionárias e porquê praticamente todas as rádios funcionam na base do Jabá)

E se isso vira moda? A barca ainda oferece outros horários não explorados com finalidades religiosas. Com o tanto de igreja crente doida e derivativos humbandistas, candomblé, espiritismos, movimento carismático… Já imagino a barca do padre Marcelo, com uma muvuca em pé cantando e pulando a música dos bichinhos. Já pensou? Cada barca teria uma religião.

Não leva a mal não, minha tia, minha gente. Leitores crentes e religiosos do Mundo Gump. Mas religião pra mim é coisa séria. Não é política. Não é negócio. É algo íntimo. Não é dancinha coreografada nem aplausos para uma imagem ou bíblia. E muito menos, musiquinhas de rimas fracas em barcas e procissões idiotas em vias públicas.
A barca já chegava no píer depois de uma sofrida viagem. Eu virei pra coroa e falei na língua que ela entende:
– Sabe tia… Deus não deve estar satisfeito com isso. Mas o diabo está, porque pra cada dois contentes aqui tem uns cem achando os crentes uns babacas idiotas e estão achando que Deus que vocês cultuam é um otário também de não meter um raio logo aqui e acabar com essa babaquice generalizada.

A velha olhou bolada, levantou e saiu. Nem me deu tchau.

Ok, ok. Eu não falei nada disso. Adimito. Eu só pensei.
Tá, tá. A velha não existe também. Eu imaginei ela.
Mas os crentes tão lá mesmo e a música é uma bosta realmente. È só pegar a barca das seis que vc vai ouvir.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. Ótimo post amigo Gump ;)
    Eu mesmo já pensei em montar uma Flora (casa de artigos de Umbanda) em um shopping. Já pensou? Se tem loja evangélica, pq não pode ter de “macumba”? hehehe

    Falando nisso, Umbanda não tem H não. É com U mesmo.

    Abraços!

  2. Issu ai bota pra fude na velha!!!!!! Esses crente são foda mesmo,maravilha quer horar? Quer cantar? Vai pra uma igreja ou então arranja um lugar onde todo mundo goste!
    Adorei a coisa da “capa preta” kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk show de bola…

  3. Eu fico impressionado que até agora não teve nenhum fight com relação a cantoria chata na barca…

    Vou reclamar formalmente no SAC da Barcas S.A.

  4. Philipe, esse SAC da Barca e nada é a mesma coisa… já passei pelo que vc passou com a cantoria milhares de vezes, é um saco… Um total desrespeito a fé alheia, além é claro de ir contra a vontade própria do cidadão.
    Constituição Brasileira:

    Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, À LIBERDADE, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
    […]
    VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias; […].
    Aí eu penso, eles tem a liberdade de pregar então em seus templos, não na porcaria da Barca!!!!!

    Olha isso…
    “O Tribunal de Justiça do Paraná define de maneira sóbria o direito que ora é retirado da sociedade brasileira, com o seguinte acórdão:

    O direito constitucional consagrado da liberdade de consciência e exercício pleno da prática religiosa só pode sofrer restrição do Poder Público, caso os cultos, pregações ou cânticos contrariem a ordem, o sossego e a tranquilidade públicos […] (TJPR 1ª Câmara Civil – Apelação Cível n.º 24.267 – Rel. Des. Oto Sponhoz – Publicado no DOE 8 fev. 1992).”

    Ou seja, eles pertubam seu sossego, haja visto que eles não estão em seu local de culto, e indo contra o seu direito à liberdade de idéias, e de seu direito à liberdade de culto. É crime!!!!!
    As barcas tinham que ter ciência disso!

  5. Philipe, pega um carro com um puta som e coloca do lado dos caras. Aumenta o volume no máximo. Ou pega uma guitarra e um cubo e mete som neles (melhor ainda se você não toca guitarra).

    Em uma semana eles vazam da li (ou lincham você). Melhor: pega um microfone e começa a falar um dialeto estranho, muito do demônio, e diz que é islâmico e está lutando pela causa Palestina e peça a todos para orarem por Alá.

  6. Cara…me paga uma passagem ate o Rio, que além de fazer um som pra espantar os fieis, vão achar que falo a lingua de satã, visto que poucos entendem oq eu falo hehehehe

    Eu tenho a solução: Mude-se para a Diogolãndia, nova ditadura que em breve irei fundar. Um belo local onde TODOS os templos religiosos serão implodidos e vc pode cultuar a sua fé em casa, no aconchego do seu lar, sem incomodar ninguem ou ser alvo de lavagem cerebral.
    E para finalizar, vc chega cansado do trabalho e pode assistir um Big Pagode Brasil, onde centenas de pagodeiros enfrentarão a dificil luta pela sobrevivencia, principalmente no “paredão”, onde serão alvos de AK-47 WUAHAHAHHAHAHAHAHHA

    Wellcome to the paradise ^^

  7. Eu lhe entendo perfeitamente.
    A alguns anos eu peguei um velho e caquético trem de subúrbio e fui parar lá na casa do caralho, pertinho da puta que me pariu. Valeu a pena porque a xoxota que lá me esperava era magnífica!
    Mas na volta, o trem estava meio que entulhado daquelas sobras humanas que costumamos a chamar de “paulistanos trabalhadores” que, exaustos, voltavam às estrebarias…
    E não é que entrou um bando de crente maluco com violão e livros e folhetos e desandaram a cantar em louvor àquele pulha do Jesus?
    Não basta essa corja encher o saco da gente durante a semana, distribuíndo folhetos nas ruas?
    Não basta essa turba comprar nossas emissoras de TV e rádio?
    Não basta essa patuléia levar no bolso o Congresso Nacional, elegendo deputados corruptos e sanguessugas que constroem igrejas com a grana surrupiada do erário?
    Não basta essa chusma de infelizes tocarem a campaínha aqui da minha casa, de domingo, as NOVE DA MANHÃ, pra me empurrar um folhetinho (impresso numa gráfica dos EUA)?
    Não basta todas as lágrimas, todo o retrocesso social e mental e todo o sangue que foi derramado em nome de “Deus”?
    E ainda temos que engolir esses anancéfalos zurrando e ladrando seu vômito sonoro em nossas pobres e cansadas cabeças?

    Mas o brasileiro é manso. O brasileiro é muito, mas muito manso e quer mais que tudo se foda.

    Os crentes estão aí pra foderem tudo, ora! É unir o inútil ao desagradável!

    Só no Brasil.

  8. Esse é o verdadeiro Auto da Barca do Inferno. Para se manter no âmbito bíblico, digamos que se trata de uma Arca-de-Noé com enviezamento amostral: pegaram mais do que um casal de jumentos, mas uma roda toda, e ainda lhes deram um violão.

  9. I’M READY TO LOST THE CONTROL:

    POORRA! Voce, Phil, tem TODA a razão. EU acredito em Deus, EM DEUS! mas NAO acredito.

    tanto como, ODEIO, TENHO NOJO, DESPRESO, por esses crentes PANACAS DO CARALHO que ficam dizendo isso e aquilo, bla bla bla. Vao incomodar na igreja. Como voce diz, São chatos feito o Catiço. PORRA!

    Serio.
    Agora.. PORRA. TOMA NO..

    “Se VOCE fala com Deus. Voce é religioso. Se DEUS fala com voce. voce é PSICOTICO.” RAIRAI. Tem Toda.

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