Santa Rita de Cassia e eu

Foi com grande felicidade que fiquei sabendo que um dos projetos mais legais que já trabalhei foi um sucesso. Como designer eu ja fiz um monte de coisa, mas é a primeira vez que eu trabalhei numa santa morta para a Igreja Católica.

Quem foi Santa Rita de Cassia?

Santa Rita faleceu de tuberculose no dia 22 de maio de 1457, aos 76 anos, mas seu corpo permanece intacto, na Basílica de Cascia, na Itália, dentro de um sarcófago de vidro. O fato do corpo não ter entrado em decomposição faz parte de um fenômeno conhecido como “corpos incorruptos”, muito comum em Santos da Igreja Católica. Se não me engano, tem post sobre esse interessante assunto aqui no blog.

A Incorrupção é a preservação do corpo humano da deterioração que comumente afeta todo organismo poucos dias após a morte. É evidente que são excluídas as mumificações, as saponificações e outros processos químicos de preservação dos corpos dos mortos; pois seriam incorrupções artificiais. Além de Santa Rita, existe o exemplo de Santa Bernadete, Santa Catarina Labouré e São Vicente de Paulo, dentre muitos outros.

É uma praxe dos fiéis devotos de Santa Rita de Cassia pegar um avião para a Itália e viajar horas de carro até chegar no convento que leva seu nome em Cassia. Ela está na Igreja do Convento de Cássia, dentro de um relicário de cristal. Depois de tantos anos, seus membros ainda têm flexibilidade e pela expressão do rosto, parece estar dormindo.

O corpo da santa original

Salta Rita foi beatificada em 1626 pelo Papa Urbano VIII, que, em 1637, autorizou sua missa e seus ofícios. Por causa dos muitos milagres ocorridos graças à sua intercessão, recebeu na Espanha o título de “santa dos casos impossíveis”. Ela foi canonizada em 24 de Maio de 1900 por Leão XII. Em 1946, foi construída a nova basílica em Cássia, onde se encontra seu corpo incorrupto.

Evidentemente que por ser caro, muitos fiéis jamais puderam ir até lá, e se contentavam com outras replicas do corpo de Santa Rita, como a que existe em uma cidade de Minas, com a replica dela feita de gesso e madeira.

Então eu entrei em cena a convite da Igreja para usar toda a tecnologia que estivesse ao meu alcance para trazer uma replica de Santa Rita para o santuário dedicado a ela que estava sendo construído em Santa Cruz -RN. Se liga no colosso do lugar:


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Este é o “Alto de Santa Rita”, onde se localiza o complexo turístico religioso de Santa Rita de Cássia, padroeira da cidade. A estátua da santa é considerada a maior imagem católica do planeta e o complexo recebe aproximadamente 540 mil pessoas por ano.

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Meu trabalho envolveu recriar Santa Rita, de um modo não intrusivo. Ocorre que a ordem religiosa que possui o corpo de Santa Rita não deixa ninguém chegar perto. O acesso ao corpo da Santa fica limitado por uma grade de metal e assim, foi para a vala o meu plano inicial de escanear a santa, com o uso de um scanner a laser de alta precisão ou um tomógrafo, processo semelhante a outro em que trabalhei junto ao Instituto Nacional de Tecnologia e o Museu Nacional, com a ShaMun Ensu, a múmia de 3000 anos que pertenceu ao Dom Pedro II, e que está lá no Museu Nacional.

Como o acesso à santa real era completamente restrito, e nem por intermédio do Vaticano eles não liberam, o jeito foi usar outro método. Mandei meus pais irem ao vivo e à cores em Cassia, para fotografar com a maior qualidade possível o corpo de Santa Rita. Eles realmente conseguiram, e fizeram algumas fotos.

Com base nas fotos, meu parceiro e amigo de tempos imemoriais Rafael Souza começou a trabalhar na modelagem dela em 3d. O Rafael é uma das mais respeitadas cabeças do 3D nacional, com um conhecimento de anatomia de fazer inveja a qualquer um. Como eu estava operado de cama, ele foi a escolha certa para me auxiliar neste projeto. Começamos então a trabalhar a santa de dentro para fora. Ossos, músculos, tendões e pele. Sempre seguindo o mais fiel que era possível às referências obtidas pelos meus pais.

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O corpo foi sendo construído em partes. Ele foi modelado no Zbrush e íamos aprovando parte a parte com o cliente.

Após um bom tempo de trabalho, estávamos chegando na replica 3d mais fiel possível com as poucas imagens de referência que conseguimos.

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O passos seguinte foi dividir o corpo em partes para que eu imprimisse em 3d e reesculpisse em cima. Para esta etapa, foi muito importante a impressora 3d Sethi BB da Sethi. Ela tem uma área de impressão gigante, de quase meio metro cúbico! Desse modo, eu poderia fazer a santa tranquilamente sem ter que emendar depois, que poderia causar alterações no grau de detalhamento que queríamos.

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A cabeça de Santa Rita foi separada em quatro partes. Concha frontal, concha traseira, dentes e língua. Essa separação se deu por um motivo bem racional: a otimização do tempo. Ocorre que imprimir alguma coisa em 3d é um processo bem demorado e quanto maior a resolução, menor a altura da camada de plastico (poliácido lático) sendo depositado pelo bico da impressora e mais tempo ela leva para imprimir uma certa altura.

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Uma cabeça inteira em altíssima resolução não faria sentido uma vez que com o hábito com o qual ela está no sarcófago, só se vê o rosto. Por uma questão anatômica eu decidi fazer a cabeça completa e não só o que aparece.  Assim, separamos o crânio em metade frontal e metade traseira para que a parte de trás eu pudesse imprimir com menor resolução. Já a frente foi impressa em 0.01mm de altura de camada e a máquina ficou quase uma semana inteira imprimindo.

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Uma das mãos sendo impressa em 3d

Quando as duas metades ficaram prontas eu comecei a trabalhar duro em cima dos modelos. Juntá-los e aplicar um acabamento era o objetivo, mas isso envolveu muito mais trabalho do que pode parecer.

Lixa, fillers, mais lixa, gel, primer, e finalmente ela estava pronta para a pintura.  Eu mesmo fabriquei as tintas usadas e pintei com dois aerógrafos. O processo de pintura foi bastante tortuoso, pois eu queria replicar a tonalidade de pele precisa da santa verdadeira, e isso envolveu antes de tudo trabalhar nas fotos que eu tinha, porque cada uma estava com um balanço de branco específico. E isso muda simplesmente tudo quando se trata de uma referência precisa de cor.

Após um trabalhão danado, que fez com que eu postasse bem menos do que eu gostaria aqui no Mundo Gump, finalmente ela estava pintada.

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Enquanto eu trabalhava nas partes visíveis, o meu amigo Adriano Nóbrega preparava o corpo de espuma, as roupas e até o sarcófago, que teria que ser igual ao de cristal lá da Itália:

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O grande dia

Então ontem finalmente foi o grande dia. O santuário estava lotado. Centenas de ônibus de todo o Brasil despejavam rios de romeiros e religiosos, devotos e visitantes para acompanhar os festejos.

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Diante de uma multidão estupefata, a réplica do corpo de Santa Rita adentrou o santuário.

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Enfim, um trabalho enorme, com final feliz e que teve repercussão até no exterior, e que me deixou muito honrado por saber que a Igreja Católica apostou em mim, e agradeço principalmente o Adriano Nóbrega e o padre Vicente Neto da Silva que encararam esse incrível desafio.

Tá vendo? Quando tem pouco post, é porque estou enfiado até o pescoço em projetos assim.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Parabéns Philipe, acompanho o mundo gump desde sempre e sempre acho os seus trabalhos impressionantes pela qualidade e realismo que apresentam!

    Abraço e sucesso!

  2. Parabéns Phillipe, trabalho fantástico! Fico imaginando a reação dos fiéis ao ver a santa, deve ser surpreendente (e um pouco assustador hehe) ver uma réplica tão bem feita.

  3. Parabéns pelo trabalho, independente do credo de cada um não tem como não elogiar a qualidade e dedicação neste projeto.

    Agora entrando um pouco em outro assunto que você tocou, sobre ter poucos posts. Uma coisa que percebi é que as vezes passamos períodos sem sermos atualizados e de repente aparecem 2, 3, as vezes 4 posts seguidos no mesmo dia.
    Talvez só o fato de quando você já tiver esse conteúdo pronto ir liberando somente um post por dia talvez já nos tire essa ideia de “abandono” do site (apesar de sabermos, como você mesmo disse, que isso ocorre devido ao trabalho que é o que realmente lhe traz o sustento ou até mesmo a problemas de saúde, etc.)

    Abraço. E que mais projetos assim continuem vindo.

    • POis é, eu tento compensar. Tem dias em que eu preciso de respostas dos cliente e eles demoram a responder. São os dias felizes do Mundo Gump pq eu sento aqui e faço um monte de post, mas eu não agendo, porque acho que o certo é ter um monte de post ao dia mesmo, mas tem dias que não consigo tempo. Agendar seria uma possibilidade, embora eu precisasse do mesmo modo sentar um dia inteiro para só criar post para ficar agendado.

      • Uma dúvida Philipe, como você faz a curadoria dos assuntos dos posts? Eles são espontâneos ou as pessoas te enviam assuntos e você decide sobre isso?

        • Completamente aleatório isso. as vezes pessoas me mandam ideias, eu tenho uma pasta LOTADA dessas sugestões e eventualmente escolho uma para fazer post sobre. Mas em 99,9% dos casos eu tenho a ideia sobre o que vou postar quando abro o blog e aí começo. Não gosto de trabalhar com posts agendados que sinto que me tira a emoção do negócio, apesar de ser o que um blogueiro profissional DEVE fazer. Não tem uma regra sobre o que vou postar, isso é na verdade um erro, mas esse blog é assim desde o início, é reflexo do meu jeito tumultuado de ser.

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