Riollywood

Se eu quisesse estabelecer um paralelo entre a indústria cinematográfica norte-americana e o artesanato cinematográfico nacional, eu poderia enumerar milhares de diferenças, mas talvez apenas uma diferença pudesse ser tão dramática ao ponto de justificar a discrepância existente entre uma indústria e um artesanato.

Investimento.

Enquanto o cinema norte-americano é custeado por investidores privados que usam a maquina cinematográfica de Hollywood como um produto de alta rentabilidade, que precisa dar lucro para existir, e que o lucro obtido com um filme financia o subsequente, o cinema brasileiro é diferente.

Aqui alguém escreve um roteiro, mostra para um diretor, que encampa o projeto com uma produtora. Eles inscrevem o projeto do filme numa lei federal e com base num amparo governamental que se justifica com a máxima de que “cinema também é cultura”, o pessoal do filme tenta captar recursos para viabilizar a produção com empresas que terão o desconto de IR proporcional ao capital repassado para a produção do filme.

A grande diferença entre os dois sistemas é bem simples de entender. Enquanto no primeiro o filme tem um “dono”, que exige, obriga e pressiona para o filme se reverter em um investimento, isso é, algo que dá lucro, no Brasil a realização do filme é o fim que justifica sua existência. Então nos EUA cinema tem que reverter em grana. No Brasil, não precisa. O lucro eventual é uma consequência não obrigatória, e o faturamento está embutido – mesmo que na ampla maioria dos casos – veladamente nos valores definidos e apresentados para o governo que -com o NOSSO dinheiro – financiará o filme, pagando o salários de todos os envolvidos. Para quem coloca a cota de patrocínio, grandes empresas como Vale, MRS, Petrobrás, e etc, este tipo de “obra de apoio a cultura” é na verdade um jeito de pagar menos imposto, trocando uma grana que ia para o cofre do governo por uma propagandinha institucional que vem a calhar, sobretudo em filmes com boa divulgação (Globofilmes). Mas exigir bom desempenho de bilheteria, quem exige? Ninguém.

Bom desempenho de bilheteria é algo difícil de se obter no Brasil, porque como sabemos, o segredo fundamental da indústria cinematográfica não está apenas na produção e sim na distribuição da obra nas salas de exibição. Ocorre que as salas no brasil são praticamente um quintal da MPA (Motion Pictures Association) órgão que representa os filmes da terra do Tio Sam.

A briga por espaço é desigual por que o dono da sala de exibição não é maluco pra rasgar dinheiro. Ele é capitalista e quer ganhar dindim. Se filmes americanos são o que dão dindim, como que pode o cara tirar um desses para colocar um filme nacional que mais parece uma novela e dá menor retorno?

Outra questão é a cultura do filme americano. Através de décadas o brasileiro está acostumado a ver filmes gringos na telona e rejeita filmes nacionais. Existem mais explicações para isso do que funções para o Bombril. Mas acho que as razões principais sejam que:

1- Por ser um produto praticamente artesanal com verba curta, roteiro pensado sobre uma ótica do que “dá pra fazer com pouca grana”.

2- O cinema nacional ainda amargura os reflexos de um passado em que “cinema nacional” era sinônimo direto de pornochanchada, que por sua vez eram filmecos vagabundos imitando os filmes eróticos leves italianos.

3- A falta de profissionalismo, o karma nacional, onde muitos aventureiros ignoram a necessidade técnica crendo que tudo aquilo, aquele monte de teorias é baboseira. Mais vale acender um baseado meter o filme na maquina e cair matando com atores meia boca saídos de cursinhos de teatro no fundo da igreja (quando muito!). Basicamente o problema é que muitos beberam na fonte de uns poucos maluquetes e acabaram marcando o fazer cinematográfico nacional por conceitos como “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, nada no bolso, nada de qualidade, nada de instrumentação, planejamento, profissionalismo e investimento.

4- Embrafilme. Amigos do rei ganham acesso a montes de dinheiro que produzem filmes sem sentido, com gosto duvidoso, com temáticas excessivamente tolhidas e pensado para grupos ínfimos de intelectuais pseudonerds.

Quando o filme Dona Flor e Seus dois Maridos surgiu, tornando-se um ícone de sucesso para cinema nacional, – 99% disso quase certamente responsabilidade de uma entressafra nas produções americanas somado com o teor de sacanagem embutido na história de Jorge Amado, muita gente se escandalizou ao ver um filme dar lucro daquele jeito. Até então cinema era grana distribuída praticamente a fundo perdido.

A coisa realmente mudou de figura após a “Era Collor” que funcionou no mercado produtor de midia cinematográfica nacional como o asteroide que matou os dinossauros, abrindo campo para a evolução dos mamíferos.

E os mamíferos que surgiram após o apocalíptico governo do PRN, foram produções mais baratas, porém com temática melhor, um olhar que parou de ignorar o fator “espectador” de até então. As novas leis de incentivo melhoraram o panorama, mesmo que para uma parcela pequena de pessoas que puderam produzir mais e melhor. As inovações tecnológicas que surgiam em paralelo começaram a dar uma melhor qualidade técnica e por um preço relativamente baixo ao cinema nacional.

Surgiu a Globofilmes e seus produtos que parecem novelas feitas em película e um ou outro produto mais inovador. Mas grana, bufunfa, dindim, faz-me rir, isso não… Nada de grana.

Muitos podem pensar que isso é assim mesmo, que cinema só dá dinheiro nos EUA, que são uma potência e que controlam com mão de ferro seu segmento que é dominador, escravocrata e qualquer outro adjetivo no estilo “imperialista”.

Sejam eles imperialistas sem coração ou não, o fato inegável é que até os EUA são escravos de uma única coisa. Uma coisa acima de tudo: Money. Se o filme não faz sucesso em Hollywood, ferrou. Tem que dar lucro. E o Oscar é justamente um prêmio para incentivar a indústria lá. Para fazer a grana fluir e crescer.

Muita gente do setor cinematográfico nacional reclama da falta de investimento, da falta de bons roteiros, da falta de atores de cinema, da falta de público e de produções que sustentem uma estrutura mínima que seja, num nível mais profissional. Só que isso NUNCA vai acontecer enquanto o cinema daqui não der LUCRO.

A lógica é simples: Quer dindim? Então GERE dindim!

E isso pode mudar em pouco tempo. Até então não havia no país uma coisa que é única: Alguém com grana sobrando e maluco o suficiente para apostar nesse segmento que tá com o filme queimado desde o governo Médici.

Ao que parece, o maluco apareceu. Ele não veio de fora. Sempre esteve aqui e em termos de “maluquice” esse aí é nota DEZ. O nome dele é Eike Batista. O ex-marido da Luma de Oliveira, e ninguém menos que o cara mais rico do Brasil.

Eike é famoso por ter ideias mirabolantes e investir nelas com a força e coragem que não se vê aqui abaixo da linha do Equador. Graças a venda de parte da mineradora MMX para a gigante multinacional Anglo American por US$ 5,5 bilhões, Eike Batista, de 51 anos, se espantou ao constatar que havia chegado ao pódium da riqueza nacional. Ele possui US$ 16,6 bilhões – e do total do negócio com a Anglo American, nada menos que US$ 3,3 bilhões irão diretamente para o seu bolso. “Sou o homem mais rico do Brasil”, afirmou, segundo reportagem da revista Exame.

Sendo o mais rico empresário aqui e o 26º homem mais rico do mundo pelo ranking da Forbes, Eike, um cara que corre de lancha, investe em ramos curiosos, como energia, petróleo, mineração, restaurantes, entretenimento e agora, cinema, não tem medo de errar como seus pares no país. Ele pensa grande, assume riscos e não se conforma com negativas. Outra característica sua é ser “gente boa” com seus executivos.

Entenda “gente boa” como bom pagador. A MMX, vendida para a Anglo, deverá render um montante de US$ 440 milhões para ser dividido entre 27 funcionários.

Nada mal trabalhar para este cara, hein?

No mercado de audiovisual, seu projeto é de destinar US$ 200 milhões para investir (com retorno e lucro, obviamente) no cinema nacional. “Quem sabe não criaremos uma Riollywood”, disse Eike à revista Exame. O maior plano do empresário é ser o homem mais rico do mundo em cinco anos.

Eu sei que isso parece maluquice, mas a julgar que o patrimônio de Eike Batista saiu de um patamar calculado em US$ 1,6 bilhão até 2005, e desde então, aumentou esse montante em mais US$ 15 bilhões em dois anos, dá pra acreditar.

Será que isso é uma tendência de que o cinema nacional vai mudar? Eike promete que não poupará investimentos e vai se dedicar a alavancar de vez uma indústria de cinema nacional que gere retorno. No mercado dos efeitos especiais onde eu estou enterrado até o pescoço, este tipo de notícia é um alento. Todo investimento privado no ramo cinematográfico precisa ser comemorado como gol de virada no fim da copa do Mundo, porque empresário querendo ganhar dinheiro é coisa bem comum, mas querendo – e tendo grana própria – pra investir, aí é coisa rara, muito rara.

Outro sujeito rico que já pensou seriamente em fazer filmes para ganhar grana foi o Carlos Massa, o Ratinho. Ratinho acredita que se imitar o Mazzaropi poderia ajudar o cinema e obter um aumento substancial em seu patrimônio recheado. Ele havia sido desanimado por alguns analistas de investimento, mas talvez com o aporte de Eike para o mercado de audiovisual nacional, a coisa mude de figura e outros investidores descubram que é possível fazer grana com isso e que o cinema rentável pode ir além do Didi Mocó e Xuxa por aqui.

Acredito que parte dessa virada de postura com o cinema se deva ao sucesso de Cidade de deus, Central do Brasil e até Tropa de Elite, este último que só não foi maior porque a pirataria é um problema sério do nosso país.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. [quote comment=””]Ei PKD, eu te mandei um email acho que uma semana atrás sobre efeitos especiais, dá uma olhada aí pra gente trocar mais idéias.[/quote]

    Vou ver sim, cara. Meu email está acumulado com mais de 2000 mensagens desde o ano novo. Tá dando pau direto no servidor de emails e muitas mensagens estão chegando com atraso. Assim que der eu respondo.

  2. Brasileiro tem inveja d quem ganha dinheiro.

    Pode ter certeza de que se for feita uma continuação do Tropa de Elite (que deu dinheiro), vão criticar porque é feito “só pra ganhar dinheiro”.

    Como se ganhar dinheiro fosse algo ruim que apenas pessoas com mal-caráter querem…

  3. Li essa reportagem sobre o Eike… esse aí merece e tomara que faça o mercando andar de vez!!!

    Fugindo um pouco do cinema, o comentário o Ewaldy me lembrou o negócio sobre as ongs (meu caso): poxa, praticamente todas as ongs vivem do governo ou desses incentivos fiscais!

    Sei que é projeto social e tal, mas veja a fundação Mozilla (na qual eu me inspirei para tocar o meu negócio): os caras vivem com a publicidade gerada pelo browser (aquela caixinha de buscas lá no canto superior direito é comprada por algum player) e entrou tanto dinheiro que eles criaram uma empresa para arrumar mais dinheiro e investir em novos projetos como o deles.

    Porque diabos o cinema, a animação, os quadrinhos nacionais não podem visar serem rentáveis?!? Tá legal, arte pela arte é importante, mas como fazer o ciclo funcionar?!?! O EUA, Japão, Coréia e me arrisco a dizer que até a Índia sabem como fazer as cifras jorrarem….

    Vamos ver se agora aprendemos de vez ou encontramos o Titanic…

    Um grande abraço,

    .faso

  4. E com essa de que “cinema é cultura”, no Brasil se faz cada filme bobo que não serve nem para ser jogado na lata do lixo.
    Os caras querem fazer um filme “cabeça” para uma gente que, 99,9%, sabe-se há muito, despreza totalmente cultura e não chega nem perto de livro.
    Querem copiar o cinema francês, que sempre mostra um bonitão envolvido com uma garota desenrolada, ou é um barbado, entra e sai de apartamento, abre e fecha porta, alguém dá um tiro em alguém no final e só.
    Ninguém aguenta a mistura do friozinho e silencio do cinema com um film desse, e ainda pagar para ver uma m. dessa.
    Filmes bons como O Cangaceiro, Bicho de Sete Cabeças ou Tropa de Elite são raros, não sei como conseguiram fazer.
    Não é que os filmes americanos sejam impecáveis, perfeitos, maravilhosos, os filmes brasileiros é que são muito, muito, muito ruins.
    O brasileiro ainda não se descobriu. Não descobriu o “time” certo da coisa.

  5. [quote comment=””][…] Original post by Philipe […][/quote]

    Amigos !!! temos os melhores artistas do mundo! taí as novelas para provarem isto ,, agora q vamos ter investimento … amigões é porrada nos vermes americanos!!!

    tudo q fazemos somos melhores !!! porque somos Brasileiros !!!

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