Reflexões

Hoje eu tava no ônibus e nos poucos minutos que antecederam meus sonhos sacolejantes comecei a refletir sobre alguns aspectos da minha vida. A conclusão foi uma só.
Virei um refém da realidade. Tudo bem que existem pessoas em situação pior do que eu, mas vejo que estou vivendo a vida que “eles” querem.
Quem são “eles”? Não sei. Queria saber. Eu acordo porque tenho que ir trabalhar. Tenho uma hora para aparecer. Tenho uma hora para sair. Tenho uma hora pra almoçar. Tenho coisas para entregar. Tenho contas para pagar. Pagar como “eles” querem. Almoçar quando “eles” querem. Chegar e sair quando “eles” querem.
Não sou livre como já fui. Teve uma época em que se eu resolvesse ver filmes até a Globo sair do ar eu veria. Ia acordar uma da tarde, almoçar quatro, jantar as três da manhã do dia seguinte e dane-se.
Eu detesto a rotina de pegar o mesmo ônibus. Hoje na ida pro trabalho me peguei pensando se não seria uma ideia interessante pegar um outro ônibus, um errado de propósito pra ver outras paisagens, novos lugares, descobrir um açougue novo em Copacabana, ou um sebo escondido numa viela de rua sem nome no centro.
Eu estou de saco cheio da mesma paisagem. Queria ver mendigos diferentes. Enjoei de ver os mesmos.

Tem um mendigo ali perto do INT, que é perto da Praça Mauá, que é perto do porto do Rio, que é perto da zona do baixo meretrício, que é perto da banquinha do jogo do bicho, que fica na porta do puteiro – onde você ao levar duas garotas, o quarto é grátis. Não que eu frequente este tipo de lugar. Tem uma placa lá escrito isso.
Mas voltando ao mendigo, o interessante desse mendigo é que eu nunca sei a qual casta de mendicância ele pertence. Talvez a mais de uma. Não sei se é dos “bêbados até cair” ou dos “leprosos das marquises fedorentas”, mas sei que não é das “mães nordestinas com bebês pendurados em tetas flácidas”.
Se bem que, considerando que o dedo do pé dele pode-se ver nítidamente o osso brilhando sob uma camada cremosa de pús, deve ser da categoria dos leprosos.
Esse mendigo passa o dia ali ao lado daquele barzinho xexelento onde umas putas tão feias que parecem uma cruza de Vovó Mafalda com Papai Papudo sentam-se nos colos de chineses e coreanos. (eventualmente de uns nórdicos que não sei de onde são) Como eu passo lá TODO dia, porque “eles” querem, e eu sou um refém da realidade crua, tenho que assitir certos espetáculos. Sem poder vaiar ou aplaudir.

Um deles é esse do mendigo leproso. Ele fica ali com aquele pé nauseabundo bem do lado de onde o cara que tá comendo uma macarronada suspeita e que em vinte minutos depois vai comer uma mulher do colo dele também suspeita -com peitas- caídas, até que o cara resolva ficar com tamanho nojo do pé do mendigo que pague algum trocado pro roto cambaelante purulento sair da reta.

Curioso como os nórdicos pagam logo. Os Coreanos pagam logo, mas os Chineses…
O embaixador da China que me desculpe, mas eles são meio suínos. Sempre que eu vejo um chinês ele tá com duas meninas novas no colo. E tá rindo. Acho que são mais burros e as mulheres metem caipirinha neles. Eles ficam doidões, não comem elas e tem que pagar a hora do mesmo jeito. O Chinês é resistente ao ataque visual do mendigo.

Mas o nojo mesmo é ver esses caras rindo. Parece um Tião Macalé. No primeiro impacto você acha que é tudo dente de ouro. Mas ao passar em direção ao seu almoço, vê que aquele amarelo é um sebo mesmo. Parece uma boca de cavalo. De todo o tempo que estou passando ali na frente daquele bar que mais parece saído de uma cena de “Os Sete Gatinhos”, “Rio Babilônia” ou “Espelho de Carne” eu só vi china com boca nojenta. Isso até que tem suas vantagens pois eu gasto menos de almoço, uma vez que com nojo não rola comer nada. Sobretudo comida que tenha alguma coisa de cor amarela. E se não é o China sorridente, eu acabo refém dos meus próprios olhos.

Eles se descontrolam e correm sedentos de algum impacto. Vão direto para aquele brilhante ponto verde, varejeiro, a passear no pão-doce-couve-flor que a ferida no pé do mendigo parece. Todo sorvete tem a cereja que merece. Nossa, que poético.

Eu vejo isso todo dia e sou obrigado por contrato a criar o belo. “Eles” querem que eu seja um designer da beleza. Da estética, dos conceitos… Da usabilidade.
Mas eu tenho que ser violentado visualmente. Tenho que pegar um ônibus lotado pra voltar para casa todo dia, numa roleta-russa social. Eu tenho que trafegar por vias fumacentas e perder meu olhar no horizonte da baía da Guanabara, com a mente vazia.
Eu penso isso tudo e durmo o sono sacolejante na lotação, muitas vezes em pé.
Refém da realidade.

Receba o melhor do nosso conteúdo

Cadastre-se, é GRÁTIS!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade

Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

Artigos similares

Comentários

  1. Peraí, vc trabalha alí naquele prédio do lado do lugar onde tira passaporte? Pq eu fiz meu curso de 3D lá (até hoje não recebi meu diploma, só pra constar)! E vou te dizer, como meu curso na faculdade é uma via crucis, eu tenho que pegar todos os ônibus possíveis pro Rio então deixei de ter frescuras, mas se o lugar que vc tá falando é o que eu to pensando… vc realmente é guerreiro!
    Fiquei indo lá todos os sábados (de 8 da madrugada até 5 da tarde) durante um mês, e como aquilo demorou pra passar! Eu tb almoçava pouquíssimo, e com o passar dos sábados nem almoçava mais! Mesmo pq pra chegar em qualquer lugar com uma comida melhorzinha vc TEM que passar na porta do tal boteco e das “boites” com bandeiras nórdicas na entrada… acho que é homenagem à maior clientela!
    O ponto positivo é que dentro do prédio era maneiro, então se for o memso prédio, vc devia começar a considerar levar uma merendeira…
    Estou torcendo pra que com o tempo vc comece a ficar anestesiado e não enxergue mais o mendigo, ou que seja transferido pra uma filial em Icaraí!

  2. Cara, este blog está demais!!!
    Muito bom, tenho lido todos os posts, estou gostando muito mesmo, só poderia ser obra sua cara!
    Um abraço,
    Diego Lacerda.

  3. pão-doce-couve-flor…depois desse adjetivo não vou olhar mais para aqueles pãezinhos com creme em cima com os mesmo olhos….tinha mesmo que se referir a FERIDINHA dele falando do pãozinho? :S…hehehehe…muito legal o desabafo, também uso o ônibus como momento de reflexão.Procuro saber quem são ELES que diarimente fazem meus horários, e minha rotina. beijos

  4. É exatamente neste lugar que eu trabalho, hehe. Eu e o Diego, que escreveu também aí também. Mas o Diego vazou e agora eu fiquei aqui sozinho.
    Só que o meu prédio é (ainda bem)bem melhor que o que você fez o curso de 3d. Provavelmente estudou 3d na 3Dtec. Eu sou parceiro da 3Dtec. Se quiser agito a entrega do teu diploma pra vc. Me dê um toque em pvt que eu resolvo isso rapidaço. Se vc quiser é só ligar para 2123-1150.
    Chegar aqui é um saco. Sair daqui é um saco ainda maior, mas aqui dentro, no prédio que eu trabalho, que é aquele novo, modernoso e estiloso onde ficam as máquinas de prototipagem é bem style. Meu sonho é que isso fosse em icaraí.

  5. King Kling,
    Não resisti ao seu comentario sobre entrar, sair e ficar, no seu cafofo styloso e lembrei de uma comparação que fizeram com a minha Barra da Tijuca. Disseram que aqui é um cú. Entrar e sair é uma merda mas estar dentro até que é bem gostosinho…
    Desculpe a sacanagem chula mas não resisti… Pode apagar assim que ler, se lhe apetecer. Hehehe

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Advertisment

Últimos artigos