Filosofando sobre o Pan do Rio


Hoje eu precisei cobrar um cliente caloteiro lá na Barra. No caminho pela linha amarela eu comecei a ver uma série de novidades. Uma das que mais me chamou a atenção são umas faixas coloridas que ficam esvoaçando ao vento em praticamente todos os postes da linha amarela. O que me chamou a atenção foi o extremo mau gosto daquela merda lá.
Não é possível que alguém em sã consciência ache que aquelas fitas coloridas penduradas em postes sejam uma coisa legal. Dá uma impressão horrível de sujeira. Parece aqueles restos de bandeirolas de copa do mundo perdida, que ninguém tira e vai ficando, se incorpora a paisagem como as demais agressões visuais a que estamos acostumados, como os mendigos, flanelinhas, as crianças malabaristas de limões nos sinais e cães doentes com pelotas infectas cor de rosa revirando a lixeira da lanchonete bem no momento em que comemos uma coxinha.
Outra coisa que aquelas bandeirolas feias me lembraram é que alguém ganhou uma bela grana pra vender quilômetros daquilo ali, para ser amarrado nos postes.

Agora tem uma faixa exclusiva para ônibus, taxis e veículos oficiais do panamericano. Que legal. Eu fiquei entusiasmado ao perceber que os motoristas mal educados do Rio estão respeitando a seletiva do Pan. Só depois percebi que isso se devia ao esquema de multas a quem andasse por ali.

Eu acho legal esta iniciativa do Pan. Tudo bem que foi a maior suruba financeira de obra superfaturada, coisas deixadas para cima da hora apara serem pagas em caráter emergencial -sem licitação, e coisa e tal. Coisas do Brasil. Quem não sabe que é assim? O Brasil sempre foi o paraíso das empreiteiras. desde a dinastia Kubitscheck que os empreiteiros fazem a festa, deitam a rolam. Pelo menos, no caso do pan, o legado são alguns equipamentos esportivos importantes, que permitirão ao Rio pleitear as olimpíadas, atrair turistas, incentivar o esporte.
Apesar dos políticos e sua demagogia escrota, eu acho mesmo que o esporte funciona como uma eficiente forma de dar vazão à energia dos jovens, e isso os afasta do crime. Mas não é só isso.
O esporte permite um caminho seguro ao sucesso.
Hoje, como um pobre consegue obter sucesso na vida? ( Sucesso é vencer na vida sem roubar. Sem desonestidade. Mas vamos ao senso comum, onde dinheiro=sucesso)

1- Tráfico. Ser bem sucedido no tráfico é algo relativamente simples. Basta não morrer entre os nove e os trinta anos. Se o cara não morre nesta faixa, ele pode se considerar um traficante de enorme sucesso. O problema é que é mais fácil ganhar na loteria que se “aposentar” no tráfico.

2- Loteria. Bem, isso é algo muito mais difícil. Depende da sorte, mas isso eu vou relevar, porque tudo na vida depende deste fator, em maior ou menor grau. E digo mais: Como quantificar a sorte? Ganhar na loteria pode ser um puta azar. Sobretudo se você é deficiente físico mão aberta e casado com uma cabeleireira loura-oxigenada espertinha que conheceu logo após ganhar a bolada. Mas tem casos onde o pobre ganha sozinho na loto. Fatura uma bolada. Aos olhos de seus pares (e do resto do país), obteve os píncaros do sucesso.

3- Pagode. Pagode é um dos caminhos do sucesso. O problema é que “boi que chega primeiro, bebe água limpa” e a febre do pagode passou. ( eu me refiro ao pagode, mas pode juntar tudo que é som de periferia nessa panela. Forró pé de mesa, funk, samba, rap e o escambau a 4)
Não acabou, mas diminuiu a intensidade. Hoje tem muito menos casas noturnas interessadas em fazer noitadas de pagode do que tinha no ano 2000. E graças ao boom daquele período, tem milhares de carinhas cantando aquelas musicas meladas e fazendo até coreografia juntinhos tentando disputar um lugar ao sol. Este tipo de gênero musical nunca vai morrer. È como o samba. Tem momentos em que a coisa vira moda e explode. Só toca aquilo. Só passa aquilo na TV. Depois vai diminuindo, mas não some.
É como a seca no Pantanal. Tá tudo muito bem, o rio cheio de vida. Vem o verão e seca a porra toda. A maioria dos jacarés morre. Mas sempre tem um ou outro que fica ali, meio vivo-meio morto. E então volta o período de abundância. Os jacarés que sobrevivem na lama enchem a pança quando vem a maré. Os que morrem, bem… Morrem.

4- Educação. Acredite se quiser: É possível um pobre sair da miséria estudando. Eu sei que não é fácil. Mas pera aí. Nada na vida é fácil! E se o cara é pobre, ele descobre isso nos primeiros dez minutos da vida. Sair da miséria através deste caminho pressupõe interesse e dedicação. Investimento de tempo. Leitura. O cara vai ter que competir numa disputa acirrada cheia de caras com grana, que estudam em caros colégios, e depois, nos melhores cursinhos, com os melhores professores. Ele, por sua vez, terá que encarar um sistema educacional ineficiente, com professores procastinadores, infelizes. Vai enfrentar a pressão dos amigos e será afetado inequívocamente, mesmo que por osmose por um ambiente marcado pela violência (nos grandes centros) e pela falta de investimento público. Vencer na vida via educação é tarefa para poucos. Muito poucos. Eu considero sucesso na vida se o cara estudar em escola pública a vida toda e chegar no vestibular. Tiro o meu chapéu. O cara que sai incólume da escola pública no Brasil merece medalha. Medalha não, troféu! Como pobre, ele enfrentará jornada dupla. Se for mulher, tripla ou até quádrupla se for mãe. E se ainda assim, se ele conseguir se formar, será um dos melhores. Porque a dificuldade forja o caráter. E sendo dos melhores, o sucesso é uma consequência óbvia.

5- Esporte. O Brasil não investe no esporte. Nunca investiu mais que umas migalhas. Tipo aquele farelo de biscoito que a gente dá pra um passarinho não morrer. O esportista no Brasil não é considerado profissional. O Brasileiro mediano considera “trabalho” algo chato. Se não é chato, não é trabalho. Não pode ser. Se não tem pressão, se não tem chefe, se não tem estresse nem gravata num calor de 45 graus, não pode ser trabalho.
O mais trágico disso, é que do mesmo jeito que nós os freelancers, os esportistas se fodem para fazer algo legal e são vistos como hedonistas preguiçosos. Sujeitos dignos de um futuro “Domenico Demasiano“. Não tem muitos trabalhos tão estressantes quanto é o do esportista no Brasil. Ter, até tem. Mas pagam BEM mais.
O esportista que vive do esporte, passa a vida num miserê de dar dó. A maciça maioria deles precisa de dois, três empregos para se manter na vida. E treinam quando dá.

Eu me emociono ao ver caras que correm num sol escaldante, sem apoio, sem investimento, sem patrocínio, sem absolutamente nenhuma ajuda, ganhar dos gringos ricos, com análises biomecânicas em softwares 3d, e lá em cima, no pódio. Num lugar onde todos olham para ele, no ápice, no clímax de sua existência, onde eles teriam todos os motivos para mandar o Brasil tomar bem no olho do cu, eles cobrem-se com a bandeira nacional, beijam a bandeira. É um momento simbólico. Beijam a pátria que lhes vira as costas quando eles mais precisam. Esta é a suprema lição do esporte.
O Brasil tem uma forte vocação para o esporte. Sempre teve. Mas investe pouco.
Este Pan cheio de dinheiro é meio que uma catarse, um até compreensível mea-culpa de um estado negligente para com o esporte. O triste é que dá pra ver claramente que atrás deste investimento está um interesse político-econômico.
Então investe-se em obras, em ícones, investe-se num legado que fique bem visível e permita a formação de uma nova geração de esportistas. Eu espero que as obras apareçam como um dos elementos necessários para o sucesso olímpico e paraolímpico do país. Mas só as obras não serão suficientes. Sem uma política de profissionalização, de organização e suporte financeiro para os atletas, a cena do sujeito que corre no meio do canavial descalço vai continuar.

O esporte não pode ser uma alternativa para o tráfico. Os políticos adoram arrotar que é. O esporte não deveria ser uma alternativa, uma vez que o esporte é uma atividade lícita que honra o país e o crime é a mais brutal faceta da incompetência deste estado.
Outra coisa é a educação. Esporte deve ser uma atividade intimamente ligada à uma educação de boa qualidade.
Hoje deu no rádio que o sindicato dos professores farão um protesto durante o Pan pelo fato de ter sido investido tamanha obscenidade financeira em esportes e a educação estar naquela merda que está, com decretação de “aprovação automática” via canetada para melhorar as estatísticas.
Eu reconheço o fracasso educacional brasileiro. Sei que a educação poderia melhorar muito neste país. Mas fazer protestozinho durante o Pan… Pegar carona durante o Pan… Sinceramente, acho besteira fazer isso. Primeiro que não vai mudar merda absolutamente nenhuma além de deixar as pessoas constrangidas. Roupa suja se lava em casa, eu sei. Mas não na frente da visita.
è muita inocência achar que fazer campanha e protesto durante um evento deste porte irá sensibilizar algum político. Políticos são seres filhos da puta por natureza. Eles não se sensibilizam a não ser que seja às vésperas de uma eleição.
Pelo amor de Deus, que coisa mais ridícula estes policiais fazerem greve e protesto durante o Pan. E se não tivesse Pan? Ficaria na mesma merda? A greve deveria ser uma ação justificada por uma classe para obter uma reparação financeira por perdas sucessivas ocorridas num determinado período. Não um show pirotécnico, literalmente “para inglês ver”.
Eu acho que a polícia devia ganhar substancialmente mais. Deviam ter uniformes sensacionais, carrões alucinantes. Treinamento de primeira. O filtro para entrar na polícia devia ser mais difícil que entrar no vestibular para Medicina. O policial deveria ter nível superior completo. O professores deviam ganhar mais. Os políticos deviam ganhar menos. Deviam ser menos. Não há necessidade de tanto político. Afinal, “menos é mais”.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Falou tudo. Os goverdores do Brasil são assim, alguém se esforçou a vida toda sozinho consegue vencer uma corrida: Viva, Ele é brasileiro, um orgulho a nação. Na hora que ele precisou de patrocínio era um pobre coitado sonhando demais para o governo.
    Quanto as greves, começo a acreditar que os políticos têm colapsos de surdez voluntários.

    Adoro seu blog =]

  2. Cara vc falou tudo, está na cara pra quem quiser ver, é uma verdadeira ferida exposta !
    O Pan está servindo de canal de escoamento de dinheiro para esses fdp´s, muita compra de voto vai rolar com nosso dinheiro nas próximas eleições, fora o que sobra para a gorda poupança desses ladrões, depois que deixam a cena do crime como sempre impunes.

  3. Simplesmente genial.
    Fiquei sabendo do seu blog pelo blog do depósito do calvin. Adorei!
    Muito bom mesmo!
    Adorei seus posts(esse que tô comentando fico excelente!)… não li todos dessa página, mas li mais do que eu esperava.
    Parabéns!

  4. é exatamente esse pensamento que eu tenho sobre esse assunto, mas não sabia me expressar em palavras. esse texto foi simplesmente perfeito.

  5. grande parcela de culpa esta na passividade do povo q assiste td isso calado, se bem q boa parte assiste sem nem entender do q se trata…afinal, para os politicos, qto mais gente alienada melhor, pq os alienados sao mais faceis de manipular…eh so dar uma esmola…
    abrçs!

  6. Cara, EU ESTUDEI A VIDA TODA EM ESCOLA PÚBLICA. Entrei pra uma federal de ensino médio e técnico debaixo do mau tempo, numa prova fodasticamente difícil, sem cursinho e com a minha mãe tendo que ralar num salãozinho de beleza pra me ver formado. Foi sem cursinho também QUE PASSEI NO VESTIBULAR. Me fodi de verde -e-amarelo pra ganhar a porra do diploma, num ambiente doméstico hostil à profissão FUNDAMENTALMENTE IMPORTANTE E RIDICULAMENTE MAL-ASSALARIADA de professor de História.
    ME FORMEI. E qual foi o meu troféu??? Nem sequer trabalho na área em que me formei. Ganho menos que o salário mínimo e faço bicos de músico pra aumentar a renda.
    VIM AQUI RECLAMAR O MEU TROFÉU DO ITEM 04. Acho que fiz por merecer.

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