O experimento Carlson – Parte 21

Finalmente, a mulher de cabelos verdes acordou num susto. Carlson a havia colocado numa das camas do alojamento. Morten se assustou com o susto dela e arregalou os olhos.
Ela olhou estarrecida para ele.

-Quem é você?
-Eu ia justamente te perguntar a mesma coisa.

Houve um momento de silêncio quase constrangedor. Então Morten resolveu se apresentar.
– Sou Morten Carlson. – Ele disse.
-Sede. – Ela disse.
-Sede?

-Estou com sede!
Carlson se levantou da beira da cama, foi até um aparador e pegou uma garrafa e estendeu a ela. -Bebe devagar!

A mulher deu vários goles até secar a garrafa. Secou os lábios com o braço. Ela apontou em sua direção os olhos profundamente azuis: – Morten Carson? O explorador perdido?
-Perdido?
-Você é Morten Carlson mesmo? No duro? Sério mesmo?
-Sou, quer dizer, era. Hoje já não sei. Mas e você?
-Sou Petra Welch… – Ela disse relutante. E retomando o fôlego completou: – O senhor está desaparecido há mais de trinta anos!
-Quê? – Carson se espantou. – Peraí, senhor não. Não sou tão velho assim.
-Acharam que você estava morto, como a maioria dos exploradores que foram enviados para cá pra Kamatayan, acabaram quase todos mortos.

O silêncio constrangedor voltou com força.

-Kamatayan?

-É o nome que deram pra esse planeta.

-Que nome escroto hein?
-Significa “Morte” na língua filipina.
-Ah. Apropriado.

Petra não tirava os olhos dele. Parecia admirada e espantada.
-…Olha pra você, é incrível. Não mudou praticamente nada. Lembro da sua foto no corredor dos heróis exploradores perdidos lá do Buraco e de um video de treinamento… É você mesmo, cara! Olha aí! Que incrível!
-Você chegou aqui no planeta quando?
-Eu cheguei… Espera… Cadê meu traje? Você tirou meu traje? Você tirou minha roupa? Que roupa é essa?
-Bem… Você… Estava morrendo. Tirei seu traje e coloquei as roupas térmicas aqui da base chinesa. Você tá aí desmaiada há mais de oito horas! Quer comer alguma coisa?
-Tem comida de verdade aqui?
-Sim! Um monte de macarrão com queijo.

Minutos depois, Morten e Petra comiam o macarrão liofilizado chinês enquanto discutiam sobre o planeta.

Petra já havia contado a Morten que até aquela data, mais de oito exploradores foram enviados para o planeta misterioso, mas a grande maioria perecera.
Morten se espantou com o numero. Queria saber o que havia ocorrido na Terra desde que partira.
-Houve uma guerra. Uma guerra que durou quase dez anos. – Ela disse. Tomou um gole de água e continuou. – Os chineses contra o mundo…
Enquanto Petra contava, Carlson começou mentalmente a juntar as peças.
-…O buraco foi destruído e quase todos os cientistas, mortos. Os chineses tomaram a montanha e roubaram toda a tecnologia. Levou mais de seis anos para entenderem os processos de transmissão.
-Mas e você? Como você veio?
-Sou o penúltimo explorador.
-Mas então, pera… Você não veio do buraco.
-Não. Vim da ilha.
-Ilha?

-É uma longa história. Alguns cientistas conseguiram escapar após a invasão da Guerra. Antes que o buraco fosse destruído. Uma versão rudimentar e limitada do transmissor foi montado numa ilha. Mais da metade das pessoas da Terra morreram.
– O que? – Carlson levou as mãos à cabeça.

-O mundo que você conheceu já não existe mais, Morten.
-Morreram na Guerra? Eu cresci achando que seria contra os russos.
-Não sobrou ninguém lá.
-Foi uma guerra nuclear?

Petra deu uma garfada no macarrão com queijo chinês. Respirou fundo. Olhou para o teto.
Carson estava aflito. A mulher demorava muito mastigando. Finalmente ela engoliu o macarrão e retomou.

-Vamos começar do início. Pra você entender.
-OK!
-Alguma coisa estranha aconteceu no núcleo da Terra. Isso bagunçou um monte de coisas. Quando isso aconteceu, foi tipo uma grande explosão dentro do planeta, que fez com que todos os vulcões entrassem em erupção na superfície. Vulcões extintos explodiram por todo o planeta.
-Puta que pariu.
-Espera que não chegou na pior parte. Quando isso aconteceu, alguns países foram mais afetados que outros. Alguns países simplesmente explodiram, e os Estados Unidos foi um deles. Um vulcão gigantesco no meio do país estourou.
A comunicação foi pelos ares imediatamente. A desorganização foi geral. Nos primeiros quatro anos da crise global, cerca de quatro bilhões de pessoas morreram.
Após o caos planetário, começou a pior parte da tragédia. Faltou comida para quem sobreviveu. A “Explosão Interior” como foi chamada, afetou também o campo geomagnético do planeta. Houve maremotos e tsunamis por todo o mundo. Durante os primeiros anos, após a E.I. houve terremotos diários. As cidades foram reduzidas a pó. A espécie humana regrediu brutalmente, porque a infraestrutura planetária foi terrivelmente comprometida.
-Mas e a guerra?
-Os países que se salvaram começaram uma gradual tentativa de ajuda, de coleta de sobreviventes e refugiados e criação de zonas de recuperação. A guerra se iniciou por alimentos. Quando os vulcões entraram em erupção, houve um longo inverno. Quase um inverno nuclear. Esse inverno ainda está rolando. Morreu quase tudo que era verde.
Os países mais ricos começaram a construir grandes estufas para plantio, mas logo isso se mostrou problemático, pois as estufas congelavam em regiões acima do trópico de câncer. Algo mudou nas correntes marinhas e a Terra começou a esfriar rapidamente. A crosta rachou e subiu uma cordilheira no meio do Atlântico.
Antes que eu fosse transmitida, discutia-se se haveria condições da vida humana na Terra na próxima década. Os abrigos subterrâneos estavam sendo feitos na América do sul. O manto de gelo se expandia a cada dia. Houve um brutal recuo do mar. Só havia uma chance mínima de sobrevivência na altura do Equador…
-Ok, OK. Espere um minuto. Eu não entendo uma coisa.

-O que?

– Olha ao seu redor. Olhe essa base. Essa estrutura de abrigo, é dos chineses. Eles não fizeram ela aqui, eles a mandaram pra cá com tudo isso que você viu. O volume de energia….

Petra Interrompeu Carlson: – Ah, sim, eu vou chegar nisso. Você é muito ansioso! Após a primeira guerra, a guerra da comida, houve outra. A guerra da energia. Essa foi a pior de todas. Os chineses espionavam todos os países, e ninguém sabe bem como, mas ele sabiam o que acontecia no buraco, apesar de todo o sigilo das operações.
Com a explosão interior, a maioria dos projetos de pesquisas tecnológicas foi interrompido. O Buraco ficou mais de um ano sem dar continuidade aos trabalhos. Com o país em frangalhos, sendo atacado e invadido, não demorou a chegarem ao buraco.
Os chineses não só conseguiram roubar os reatores de transmissão, como os ampliaram. Eles construíram grandes reatores de transmissão, muito mais poderosos. O plano, eu acredito, era preparar esse planeta para virem pra cá.
-Virem pra cá, você diz no sentido de…

-Sim.

-Todos?

-Sim, todos eles. Os outros ficarão para morrer na Terra. Aliás, que já é uma bola de gelo moribunda. Pelo menos é o que dizem lá na Ilha.

-Mas… É estranho. Eu encontrei um chinês morto. O Ramsés.
-Chinês ou egípicio? – Ela riu.

-Eu dei esse nome porque ele estava mumificado.
-Certo, continue.
-Como é possível? Pelo estado do corpo, ele estava aqui há muito tempo antes de mim. Não faz sentido.
Petra riu.

-No seu tempo as pessoas achavam ainda que a transmissão era linear. Mas não é. Nunca foi.

-Não entendi, desculpe.
-Ao emitir um explorador, acreditavam que estavam num mesmo quadrante temporal. Por exemplo, se esse carinha aqui é enviado (Petra brinca com os talheres) e depois esse outro carinha aqui é enviado. Qual chega primeiro aqui?

-O garfo.
-Pois é. Só que não!

-Hã?

-Não se sabe como, mas o tempo não é linear. Algo afeta a linha do tempo quando há uma transmissão. Nesse caso aqui, podem chegar o garfo e faca juntos, ou o garfo só aparecer quando a faca já está velhinha, ou mesmo depois que a faca já morreu há mil anos aqui nessa merda de planeta. Levou muito tempo para que os cientistas do buraco conseguissem entender que isso ocorria. Foi só muito depois da sua transmissão… Por isso você foi considerado desaparecido, pensavam que tivesse morrido. Tu tá lá na Galeria de Heróis. Aliás, estava quando ela existia.
-Eu quase morri diversas vezes.
-Eu imagino. Também passei por situações de agonia pura aqui.
-O lance que você perguntou do meu transmissor, possivelmente ele se danificou.
-Olha, vem cá. – Ela disse, puxando Morten pela mão.
Eles foram até o laboratório onde ela mostrou com o dedo no mapa, o local onde chegou.

-Minha missão era seguir para o oeste do ponto de entrada, registrando tudo que pudesse. Meu plano de curso é percorrer cerca de 500 km a pé até o meu ponto de extração.
-Ponto de extração?
-Claro, ué.
-A gente não fica aqui pra sempre?
-Ah meu Deus, tu é muito velho! …Desculpa! – Petra riu. – Olha aqui. – Ela disse, levantando o cabelo. Na nuca dela havia uma cicatriz. – Tá vendo aí uma cicatriz?
-Tô.
-Tem um implante aí. Esse implante dispara um pulso e vai me levar de volta para a ilha quando eu chegar no ponto e extração. É assim que viajamos agora. Os exploradores vem e vão. Não tem isso de ficar pra sempre. Era para estar muito mais avançado se não fosse a explosão e as guerras. Aliás, cadê o pessoal aqui?
-Eu não sei. Eu encontrei essa base abandonada. Há uma parte dela trancada. Não consegui abrir nem desmontando o painel. Você sabe ler chinês?

-Claro que não.
-Merda. Bom, eles estão mortos ou fugiram. Sem comida não foi, pois eles tem suprimentos aqui. – Disse Morten. Ele pensou em falar sobre a estranha mulher oriental, mas preferiu não falar, pois pensava que poderia parecer maluco para Petra.
-Eu preciso de um banho. – Ela disse.
Morten mostrou o banheiro e pegou toalhas para ela no painel da parede do alojamento.
Ela saiu e Morten ficou ali parado, contemplando o mapa. “Ponto de extração” – Pensou. Talvez fosse interessante voltar para casa, mas como seria a casa agora? Gelo e escombros? Todas as pessoas que ele conhecera a essa altura, já estariam mortas.
Pensou em Petra. Relembrou a mulher de cabelos verdes brincando com os talheres. Petra era uma mulher bonita e jovem com cerca de 28 anos de idade. Corpo perfeito, embora um pouco baixinha. Ela devia medir 1,56m.

Seus pensamentos foram interrompidos por um baque seco. Algo atingiu a base chinesa num enorme estampido que ecoou por todos os compartimentos. A base eu um solavanco e Calson caiu da cadeira.

Petra saiu enrolada na toalha, toda molhada aos berros: – Que merda foi essa?

Carlson correu ate a janela e não viu nada diferente. lá fora estava escuro e um clarão iluminou tudo. Pareceu-lhe uma tempestade de areia, mas logo Carlson percebeu: Era uma chuva de meteoros. Explosões de todos os tamanhos estouravam ao longe.
Petra e Carson se esgueiraram para debaixo de uma das camas.
O chão sacudia como em um terremoto.
-Puta que pariu!
Após intermináveis minutos que pareceram horas, houve uma chuva de pedras de todos os tamanhos, até que finalmente, o som dos impactos cessou.

Petra contou a Carlson que estava acostumada com os meteoros. Ela havia seguido à risca seu planejamento de jornada, quando uma dessas chuva de meteoros atingiu o planeta. Ela precisou se abrigar. E depois foi perseguida por coisas parecendo aranhas cheias de perninhas.

-Já fui apresentado a essa desgraça também – disse Morten.

As criaturas a impeliram para uma fuga pelo deserto. Petra se perdeu e vagou sem rumo, pois alguma alteração geomagnética deixou sua bússola eletrônica maluca.
Morten perguntou o que os outros exploradores que conseguiram retornar levaram de informações sobre o planeta misterioso.

Petra contou que boa parte do planeta já era conhecido e que pouco antes da grande explosão interior, havia um esforço gigante, de vários países para construir o mecanismo que permitisse aos humanos colonizar definitivamente o planeta. Com a Terra em risco de extinção em massa, mais do que nunca era preciso sair de lá.
Os dois saíram do abrigo da beliche e foram até o laboratório. Petra ainda estava molhada, enrolada precariamente na toalha.

-Eu estive… Numa cidade perdida. Uma cidade alienígena. Aqui. – Disse Morten, mostrando no mapa.

Não houve a reação que ele esperava.
Petra pareceu não se importar. Ela disse que a cidade perdida já era conhecida e seu objetivo era justamente chegar nela. Carlson se espantou ao ouvir da moça de cabelos verdes que eles sabiam que o planeta misterioso já havia sido habitado por criaturas inteligentes.
-… Cerca de sete civilizações diferentes, é o que sabemos até o momento, mas que nenhum ser inteligente foi descoberto. – Ela disse.
Morten se espantou.
-Sete? E pra onde eles foram?
– Ninguém sabe. – Ela disse. – Estamos aqui para descobrir se de fato foram mesmo ou estão em algum lugar, escondidos.
Morten lembrou da esfera cromada. Pensou se deveria ou não falar dela com a moça.
-Precisamos ir até essa cidade perdida. – Ela disse.
Morten engoliu em seco.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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