O experimento Carlson – Parte 16

Conforme eles avançavam, destruindo grandes construções em seu caminho, derrubando colunas e monólitos de rocha escura que apontavam aos céus, Morten Carlson conseguiu contar.

Eram quatro grandes baratões de maior porte, e uns sete ou oito monstros menores. Conforme eles vinham levantavam uma grande nuvem de poeira que era puxada pelos ventos que sopravam do deserto.

Morten começou a buscar forças de onde já nem imaginava para galgar a íngreme depressão do meteoro e proteger-se da manada. Finalmente arrastou sua combalida figura, mancando tanto que já imaginava ter produzido alguma lesão séria na perna. Abrigou-se a cerca de vinte metros da cratera . O som ia ficando maior e mais aterrador conforme os bichões esquisitos se chocavam e se batiam contra as maciças paredes de pedra, que desabavam com os encontrões levantando enormes nuvens de poeira no ar.

Carlson percebeu que as destruições que viu não eram produtos de meteoros, mas muito do que havia sido reduzido a escombros escuros e afiados eram produto das migrações das manadas de baratões que invadiam a cidade perdida periodicamente. Estava claro que os bichos migravam pelo mundo, sempre parado em lugares específicos em busca de água.
O ruído que mais pareceu uma explosão atraiu sua atenção. Eram eles caindo no buraco. Uma luta ferrenha de verdadeiras montanhas de pedra que eram aqueles “cascos” que revestiam os corpos dos bichos.

Os monstros se agruparam ao redor do poço e esticavam suas probóscides pelo buraco, tentando beber a água do fundo.

Morten então buscou uma forma de chegar ao poço, mas agora tentar uma abordagem direta era suicídio. Um bicho daquele que caísse em cima dele, seriam mais de cem toneladas esmagando-o na hora.

A sede era absurda e atrapalhava sua capacidade de concentração. Ele estava tonto, ofegante. Sabia que não tardaria a desfalecer. As dores estavam corroendo seu corpo.

Talvez justamente por não estar raciocinando bem, Morten Carlson resolveu por em curso um plano que se estivesse em sã consciência jamais arriscaria: Ia tentar descer pelos baratões no buraco.

Nenhum dos exaustivos treinamentos na base havia preparado seu espírito para a loucura e desolação daquele planeta maldito.

Carlson escalou com grande dificuldade um monte de detritos perto do buraco onde os monstros menores tentavam loucamente se reagrupar e achar uma brecha entre os grandões para esticar suas “mangueiras de carne”, como tentáculos gosmentos que serpenteavam em frenesi, dignos de um pesadelo de H.P. Lovecraft.

Morten saltou para o casco de um dos menores baratões. Usou toda suas últimas forças e se agarrou ao casco do bicho que se debatia loucamente. Sua perna foi quase esmagada num dos choques, por sorte ele se mexeu e tirou a perna da reta. Com a injeção de adrenalina, ele ganhou algum ânimo.  Saltou desse baratão menor para um médio, que já estava bem posicionado e não se mexia tanto. Dali, Carlson conseguiu se apoiar melhor e escalar para a parte da frente do bicho, de onde podia visualizar melhor o buraco. Os monstros haviam alargado um pouco o espaço escuro que dava acesso a água lá em baixo.  O peso concentrado das enormes criaturas que se espremiam contra o solo projetando aquelas minhoconas no buraco estava forçando o espaço da abertura. Era possível ouvir a rocha fragmentando sob eles.
Carlson contou até três, prendeu a respiração e mirando o ainda estreito buraco escuro la em baixo, saltou.

Voou no vazio e passou reto em meio aos monstros. Agarrou-se como pôde num dos probóscides dos baratões e desceu agarrado com aquela coisa gosmenta e fedida. Ela se bateu contra um monte daquelas línguas compridas e então ele soltou e caiu de cabeça na água, com violência, mas não se machucou. A água era gélida.

O rio subterrâneo passava com pressão. Ele teve que nadar um pouco até se encontrar contra umas pedras na escuridão. Ali Morten conseguiu apoiar os pés e se ergueu.  Tateando, percebeu que era como um tipo de praia subterrânea, cheia de pedras afiadas.

Meteu a cara na água e bebeu a melhor água de sua vida inteira.
Carlson só parou de beber porque escutou um barulho bem alto ecoar na caverna. Uma rocha do teto estava se desprendendo e bateu na água com enorme violência, jogando uma onda sobre ele que o colou na parede gelada.

Carlson viu aquelas enormes línguas compridas, com cerca de doze metros de comprimento balançando como serpentes enormes, descendo pela fenda la em cima. A luz do sol entrava pelo buraco, mas iluminava pouco. Seus olhos ainda não haviam se habituado a pouca luz e tudo estava muito escuro.
Carlson mergulhou novamente na água e bebeu. Ele riu e comemorou sua vitória. Quando finalmente matou sua sede, ele subiu nas pedras e foi para perto do paredão. Ali tentou ativar as luzes do traje. Elas acenderam, mas o traje acusava baixa energia.

Com a luz do traje, e com seus olhos mais habituados ao ambiente escuro, Morten percebeu que o rio subterrâneo se dividia em três grandes tuneis num tipo de entroncamento a poucos metros de onde ele havia descido.
Carlson olhou para cima. Sabia que com o vão de quase dez metros até o teto da caverna, seria impossível voltar para a cidade perdida, o que o obrigaria a seguir um dos túneis. Mas qual deles?

Um dos túneis era muito maior que os outros. Ouviu um barulho “esquisito”. O som esta vindo dele, juntamente com uma lufada de ar fétida que lembrava o vento num túnel quando a locomotiva o atravessa e empurra o ar com pressão.

Algo estava chegando e Carlson começou a pensar que foi uma má ideia descer para o subsolo, apesar da sede.

Morten tratou de desativar as luzes do traje. Se escondeu atrás de pedras grandes no canto e ficou esperando.

Ele não conseguia pensar em nada além de um palavrão.

“Puta que pariu!” – Murmurou.

O vento e o barulho estava aumentando. Fosse o que fosse que estava vindo, era enorme.

Então, aterrorizado Carlson viu surgir uma criatura horrível parecendo um misto de lagosta com lacraia sair do túnel. Aquele bicho tinha mais pernas do que ele podia contar e levantando-se na escuridão,  agarrou uma das probóscides dos baratões lá de cima e começou a puxar. Um guincho horrível veio la de cima e o que pareceu ser um terremoto fez com que a abóbada da caverna estremecesse. Caiu um monte de pedras. Eram os baratões entrando em pânico enquanto a monstruosidade em forma de lagosta puxava um deles, que se debatia. Era um dos menores. O bicho soltava um ruído estranho, e tentava se debater com aquele monte de perninhas, mas era inútil.

A criatura foi tragada pela fenda, que se partiu e aumentou o buraco. Quando ele bateu na água foi como uma explosão. A criatura do túnel, batizada de “monstrengo” se enrolou loucamente no baratão. Voava pedra, lama e água para tudo que era lado conforme os monstros lutavam.

Logo, o infeliz filhote de baratão foi subjugado pela lagosta do inferno e foi puxado de volta para a escuridão do túnel grande.

Carlson percebe que aquela pode ser a criatura do subsolo, o “comedor de baratões” que quase tivera o desprazer de conhecer nos primeiros dias no planeta desconhecido.

O monstro desapareceu e minutos depois só restava ali o som da água corrente. Muito mais luz adentrava a caverna graças a abertura causada pela luta, já permitia ver tudo mais claramente lá em baixo. Estava ficando muito, muito frio e agora todo molhado, com o traje cheio de água, Carlson percebeu que mesmo após matar a sede, não havia muita esperança para ele. A saída da fenda estava alta demais e não restaria outra alternativa senão se aventurar pelos tuneis, que poderiam estar infestados de “lacragostas do inferno”.

“Seja o que Deus quiser” – Ele falou. Sua voz ecoou nos tuneis.
Carlson seguiu pelo fluxo da água enquanto pensava: “Essa água tem que sair em algum lugar”.

O frio estava cada vez mais incômodo e com o defeito no sistema de controle de temperatura do traje, não demoraria para a hipotermia cobrar seu preço.

 

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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