O carona

Ainda chovia naquele trecho da estrada. Era noite. Os que passavam por ali, sabiam dos perigos daquela serra, sobretudo os riscos da estrada sinuosa. Mas naquela noite especificamente, o carro que cortava a estrada desviando de buracos e poças de lama, não parecia se importar com os riscos da rodovia. Talvez porque em seu interior, Beatriz Hiesel estivesse mais atenta às notícias do rádio, que falava sobre o maníaco da estada do que aos desníveis da pista molhada.

“…O maníaco já cortou a cabeça de sete pessoas no total.” – Dizia o homem do rádio.

O programa, de entrevistas se dava com o coordenador de tráfego daquela rodovia, que numa mesa redonda debatia o caso do maníaco da estrada com o chefe dos bombeiros de Santa Bárbara e o superintendente de polícia civil.

“…Uma testemunha que não se identificou, ligou para a polícia e contou que o maníaco era um homem alto, que usava uma capa de chuva e um machado. Ele pede carona na beira da estrada, e após adentrar o veículo, obriga o motorista a ir até um lugar ermo, onde desfere golpes de machadada nas pessoas. Até o momento já somam sete corpos, todos sem a cabeça.” – Disse o homem da polícia. Quando o locutor questionou sobre as cabeças, ele mostrou-se desconfortável, mas não foi evasivo: ” Como as pessoa sabem, os assassinos seriais costumam ter métodos estranhos. Eu diria, um ‘estilo’, no ato de escolher e matar suas vítimas. Ao que tudo indica, este carrega consigo a cabeça das vítimas. Até o momento, apesar das buscas com cães e tudo, das varreduras, não achamos nenhum dos crânios do maníaco da carona. Talvez elas ainda esteja com ele.”

Enquanto os homens do radio teorizavam o que levaria um homem a sair com um machado cortando as cabeças dos motoristas, Beatriz tentava enxergar alguma coisa no meio da chuva. O toró apertava, e o limpador de pára-brisa disparado a toda velocidade tentava dar conta da água, jogando-a de um lado para o outro.

Subitamente, após  uma curva aberta, Beatriz viu alguma coisa estranha na estrada. Um carro jazia de cabeça para baixo perto do acostamento. Ela reduziu a velocidade. Sentiu o carro dela passar sobre algo quebradiço na pista. Então ela viu um corpo caído na estrada e pisou com toda força no freio.

-Oh, meu Deus! – Bia exclamou assustada ao ver o carro capotado. Não muito longe do veículo, um corpo jazia numa poça, bem no meio da estrada.

Ela encostou o carro e desceu. Correu até o veículo. Ele ainda soltava fumaça. No meio da chuva, Beatriz conseguiu ver que não havia ninguém dentro do mesmo. Ela então correu até o corpo, que estava caído na estrada. Era um rapaz jovem, de cerca de trinta anos.

-Moço? Moço??? Cê tá bem?- Ela perguntava assustada, tocando o ombro dele. O sujeito se mexeu. Olhou pra ela. Mas o cara não respondia. Apenas olhava pra ela com os olhos arregalados, a boca entreaberta de pavor. Parecia em choque.

-Moço? Está me ouvindo? Está me ouvindo, moço?  – Bia estava nervosa. O cara parecia abobado, caído no meio da pista. Ela sabia que ficar ali onde estava com ele era muito arriscado, pois estavam no meio da pista, e bem após uma curva. Se viesse um caminhão, não haveria tempo de parar sem atingir os dois.

-Vem. – Ela disse, e começou a arrastar o cara, puxando-o para o acostamento. Lentamente, o rapaz parecia voltar a si.

– Ai, ai meu ombro! – Ele gemeu.

Ao ouvir o rapaz gemer, Bia se sentiu aliviada. Tinha medo do jovem estar com algum tipo de traumatismo. Do ponto de vista das regras de trânsito, Bia sabia que tirá-lo da estrada, ainda mais daquele jeito, era a coisa mais errada que ela poderia ter feito, mas a visibilidade na Serra de Santa Bárbara era quase nula, e ela sabia que cedo ou tarde, o acidente poderia ficar ainda pior. Ela levou o jovem até o carro dela. Com cuidado, deitou-o no banco do carona. A chuva caía copiosamente e ela estava ensopada.

-O que aconteceu, moço?

-Eu… Eu não sei. O carro saiu de traseira, acho que rodou. Eu tentei frear e não… Não me lembro de mais nada, só do barulho. Ai… Ai meu ombro.

-Tá doendo aqui?

-Ahhhh!

-Ops, foi mal.

-Acho que quebrei alguma coisa. Ung…

-Peraí. Vou chamar a emergência aqui. – Ela disse, mexendo na bolsa. Pegou o celular cor de rosa com brilhinhos swarovski.

– Merda. Tá sem sinal.

-Deve ser a chuva… Que merda. Madito lugar pra quebrar.

-Tem seguro? – Ela perguntou, olhando o carro todo amassado a cerca de uns trinta metros deles.

-Tenho… Felizmente. – Disse o rapaz. – Aliás, obrigado por me ajudar, viu, moça?

-Bia.

-Ah, sim, Bia. Obrigado. Eu sou o Paulo César. Mas me chamam de PC.

-Prazer, PC. – Disse ela apertando a mão dele.

-Ai! Ai! – Ele gemeu.

-É. Isso aí está estranho. Acho melhor te levar pra ver este ombro. Ver se não tem nada quebrado. Vamos para o hospital de Santa Bárbara…  – Bia disse, prendendo o cinto de segurança nele.

Bia acelerou e voltou à pista. Os dois olharam em silêncio os restos do carro destroçado ficando para trás.

Vendo que PC não era muito de falar, Bia tentou puxar assunto: -Mas que chuva, hein?

-Pois é. E essa estradinha desgraçada não ajuda, né?

-Com certeza. Olha, vou te dizer que você deu sorte.

-Sorte? De capotar e destruir meu carro novinho?

-Sorte, PC, porque olha só como é esta serra. Se você derrapa em outro ponto, numa curva, seu carro poderia ter despencado de uma dessas ribanceiras, e você teria se espatifado lá em baixo. Já pensou?

-Cruzes. Deus me livre. Pensando por este lado, eu tive mesmo sorte. Logo depois do acidente você me salvou e tal… – Disse ele, olhando nos olhos dela.

Numa fração de segundo, Bia se tocou que ela não tinha percebido ainda o quanto ele era lindo. O rosto perfeito. Apesar de estar sujo de lama e sangue, ele era moreno e tinha penetrantes olhos verdes. Beatriz sentiu que estava começando a pintar um clima.  E deu uma espécie de vácuo entre os dois.

Sem graça, ela ligou o radio do carro. No programa, os homens ainda falavam do maníaco.

“Ele é perigoso. Se você está nas estradas perto da cidade de Santa Bárbara, não dê carona, não aceite carona, e não fale com estranhos…” – Aconselhava o policial.

Bia viu que PC olhava pra ela e sorriu.

-Tá vendo? Eles estão dizendo que você não devia me dar carona. – Ele brincou.

-Por que eu não daria?

-Ah, e se eu fosse esse doido aí?

-Você é?

-Não! -Disse ele, rindo.

– Também, se fosse, é justamente isso que diria, né?

-É verdade, hahaha. Ai, caralho! Ung, meu ombro, pô. Não dá pra rir que dóóóói!

Bia e PC começavam a se dar bem.

-E então? Posso te perguntar uma coisa? – Perguntou PC.

-Depende.- Riu Bia, com sorriso malicioso.

-Depende do que?

-Do que você vai perguntar, ué.

-Você tem namorado?

Bia começou a rir.

-Que foi?

-Nada.

-Ah, qual é, Bia? Conta aí! Tem ou não?

-Terminei uma relação de nove anos na semana passada.

-Porra! Nove anos?

-Pois é. – Ela disse.

Bia ficou meio triste. Houve um novo e súbito silêncio. Agora uma música tocava no radio.

-Você teve sorte. – Disse Pc, num rompante.

-Sorte? Sorte de que?  – Ela perguntou espantada.

-Ora, imagine que a vida é como uma estrada perigosa, cheia de curvas, perigos, buracos chuva… Estar num relacionamento sem paixão é como dirigir com pneu careca nessa estrada. Receita para se dar mal. Seu relacionamento acabou. Isso não é fracasso. Isso é sucesso. Pense que ele chegou ao fim quando devia. Afinal, como você queria conhecer pessoas novas e interessantes presa num outro relacionamento?

-É… Pensando por este lado… – Ela disse.

-Cuidado! – Gritou PC apontando para a frente. Bia olhou para a estrada e bem diante do carro estava um cachorrão enorme.

Beatriz tentou desviar do cão. Deu um golpe de direção. PC bateu de cabeça no vidro, o carro derrapou. Bia deu outro golpe de direção, o carro girou para o outro lado, indo direto em direção a uma árvore. Bia freou tudo que pôde, mas a estrada molhada fez o carro derrapar e ele foi parar no mato. O carro atingiu a árvore de quina, quebrando um dos faróis.

-Ai, ai, ai… PC gemia, segurando o ombro.

-Puta que pariu, porra, caralho! – Bia desatou a gritar, segurando o volante.

-Calma, calma, Bia. – PC tentou tranquilizar a moça.

-Calma? Você viu aquele filho da puta de cachorro do capeta lá na pista? Mas que merda, meu! Cachorro escroto filho duma puta!

-Nossa, essa foi por pouco!

Os dois saíram do carro para avaliar os danos. A chuva era torrencial.

-Tá vendo, Bia, só quebrou o farol e deu um amassado aqui, ó.

-Pois é. Consegui tirar da árvore no último segundo. Se pega de cheio, fodeu.

-Será que ele tá ligando?

Os dois voltam ao carro. Bia vira a chave no contato e o carro pega. Ela coloca na marcha ré e acelera. Mas o carro não sai do lugar.

-Parece que tá preso, PC.

-Que estranho. Vou ver. Calma aí.  – Disse ele.

PC desceu e gritou em meio a chuva, que era para Bia acelerar. Ela acelerou. Mas o som da chuva mais o motor do carro não deixaram ela ouvir quando PC gritou que era para parar. Finalmente, Bia notou PC fazendo um movimento com os braços, como um “X” no meio do ar. Ela desligou.

-Que foi?

-Atolou pra caralho! Tá maior lama aqui na frente. O carro enterrou até o pára-choque na lama, Bia.

-Ai que merda! E agora? Tem como empurrar?

-Se meu ombro estivesse bom, eu juro que tentava, Bia.

-Entra no carro, PC. Sai da chuva. Vamos pensar o que faremos! – Ela gritou. PC obedeceu de pronto, dando a volta correndo no carro e entrou.

-E agora, Bia?

-Não sei. Vou tentar ligar pra alguém… – Disse ela já com o celular rosa na mão.

-E então?

-Nada. Essa bosta de estrada não tem sinal nenhum. Você não tem celular?

-Não.

-Merda. E agora, PC?

-E agora, Bia? -PC riu, devolvendo a pergunta no mesmo tom.

Os dois discutiam sobre o que fazer quando Bia viu um vulto parado ao lado do vidro da janela. Ela se assustou e deu um grito de pavor.

-Oh, meu Deus. O que é isso? – Perguntou assustado PC.

Uma cabeçona enorme baixou ao lado da janela. Batei no vidro, mandando Bia abrir. trêmula, ela obedeceu.

Era um homem meio velho, alto. Com um olho que parecia de vidro e uma barba toda falhada. Ele vestia uma surrada capa de chuva amarela.

-“Cêis tão beim?” – Ele falou, com uma voz gutural.

Bia respirou fundo, tentando conter o medo.

-Estamos. O carro…

-“…O carro da sinhora atolô!” – O homem da capa interrompeu. Falava como um caipira.

-Pois é. Estamos vendo. Agarrou e não sai do lugar.

-“Eu vi quando a senhora desviou do cheique lá na estrada. Eu vim agradecê. De vez em quando, ele foge aí pra estrada. Esse cachorro é fogo mesmo”. – disse o homem da capa.

-Então o cachorro era seu?- Perguntou Bia, brava.

-“Era sim sinhora”.

-Eu quase matei ele.

-Eu sei… Eu vi. Foi por pouco.

-Mas eu quase morri!

-Eu sei, o cheique também, né? Sorte que ninguém si machucô. – Ele disse.

PC notou como o homem tinha todos os dentes podres. Os que não estavam podres e amarelos já faltavam. A cara tão marcada de vincos e a capa amarela faziam o sujeito parecer um velho defunto de pirata.

-“Vocêis” querem ajuda? – Perguntou o sujeito.

Bia olhou para PC. Era estranho, era assustador, e tudo indicava que era perigoso, mas ao mesmo tempo, aquela era a única chance deles.

–  O senhor pode empurrar?

– Posso, uai! Mas o namorado aí da senhora vai ter que sair e me ajudar, né?

-Sabe o que é, moço? Eu me machuquei aqui no ombro e…

– Se o senhor não sair, eu sozinho não consigo tirar o carro, moço. -Disse ele, olhando para dentro do veículo com aquele olhar estranho, que provinha do único olho que funcionava.

PC concordou e desceu do carro.

Ante os comandos do estranho da capa de chuva, Bia acelerava, ao mesmo tempo que o homem enorme apoiava os pés no capô e empurrava seu corpo contra a árvore, para desatolar o carro.

-Vai! – Ele gritou.

Bia acelerou. Mas a roda patinava na lama, espirrando lama para todo lado.

-Parô! Parôôô! – O homem gritou.

Bia desligou o carro.

-E agora? O que faremos?

-Vamo ter que calçá o carro. Ele tá muito pesado ainda.  Tem coisa aí no porta-mala, dona?

-Tem.

-O que é que tem, dona? – Perguntou o homem da capa de chuva.

-Uma mala.

-Mala?

-É. Minha mala de roupas.

-Então vai ter que tirar.- Ele disse.

-Sem chance, moço. Esquece! Essa mala que tem aí atrás é Luis Vuitton cara pra dedéu, e pode esquecer deu pegar minha cara maleta e colocar ela nessa lama aí. Prefiro esperar amanhecer.

-Bom, se a senhora não quer tirar essa mala do tal do Luís aí, tudo bem… Eu vou ajudar a senhora a desatolar, mas aí eu vou precisar de um favorzinho também, né? Uma mão lava “otra”. Sabe como que é.  – Ele disse.

Bia olhou para PC. Ele tinha os olhos arregalados, vidrados na figura estranha da estrada.

-Que favor?

-Eu preciso de… Uma carona.

Bia olhou para PC. Ele estava com os olhos esbugalhados. Parecia morto de medo. PC tentou mexer a cabeça em sinal negativo para Bia, mas o estranho olhou pra ele e PC teve que parar.

-Bom, se o senhor desatolar, então tudo bem. O senhor vai pra onde?

Eu vou aqui pro quilômetro duzentos e setenta. Aquele posto do Fagundão. A senhora sabe qual é?

-Não.

-Eu sei. – Disse PC.

– Bom, estamos combinados então, moço. Como que desatola?-Perguntou Bia.

O homem pediu que eles esperassem. Ele saiu andando e entrou num matagal. Dali a pouco, sumiu.

PC entrou no carro com Bia.

-Puta que pariu Bia… – PC disse.

-Eu sei. É ele, não é?

-Tenho certeza que é.

-Estamos fodidos, PC. E agora?

-Você é louca de topar a proposta dele, Bia.

-Mas, PC, pensa bem! A gente aqui, neste cantão de mato, longe de tudo, longe da estrada… Que impede ele de matar a gente aqui mesmo?

– É… Isso é, né? Bom, melhor fazer o que ele pediu. Ele tá voltando, olha lá.

-Ai, caralho… O que é aquilo ali na mão dele? É um machado? É um machado, porra!

-Não, acho que é um toco. É só um toco Bia. Calma.

-Ufa.

O homem voltou com vários pedaços de tronco. Ele calçou a roda com as madeiras. Mandou PC descer.

-Agora a senhora presta atenção: Quando eu falar, a senhora começa a acelerar devagar, tá “bão”? I num pára não. Vai mantendo anssim até chegar no asfalto, senão tá arriscado atolá di novo.

-Sim senhor.

-Vai!

Beatriz acelerou e lentamente o carro começou a se mover. Então, o carro deu um tipo de pulo para trás e acelerou pela grama até a pista. Os dois vieram correndo. Bia olhou os dois homens vindo na direção do carro e pensou em acelerar, fugir sozinha pela estrada, mas seria maldade deixar o jovem PC com aquela figura sinistra da estrada. Além do mais, Bia estava muito interessada no jovem rapaz para desperdiçar aquela chance.

PC entrou e sentou-se no banco da frente, onde estava. O estranho entrou pela porta de trás. Ele trazia consigo uma velha e carcomida mochila, bem cheia. Beatriz retomou a estrada e a chuva começou a amainar um pouco.

Novamente, um silêncio estranho se abateu no interior do veículo. Mas agora era um silêncio desconfortável, tenebroso.  O sujeito estranho tirou o capuz da capa de chuva. Ele usava uma bandana suja. Olhou o painel do carro. Viu o celular no painel.

-“Seu celular funciona?”  -Perguntou o velho.

Bia e PC se entreolharam assustados.

– “Não…”  Respondeu PC.

– “Deve ser a chuva” – Disse o estranho.

Bia estava nervosa. Tentou puxar a conversa do cachorro, para descontrair.

-E o cheique? Quantos anos ele tem?

-Ele tem uns três anos. – Disse o homem sorrindo.

-O senhor deve gostar muito dele, né? – Perguntou PC.

-Gosto sim senhora. Ele gosta de comer cabeça…

Bia olhou assustada para o homem do retrovisor. A tempo de vê-lo completar.

-…de galinha… Miúdos, né?

-Ah… Sim. – Riu nervosamente o PC. e emendou:  -Que sorte a gente ter desviado dele, né Bia? Afinal, Veja, se a gente arriscou a nossa vida para salvar o cãozinho deste simpático senhor… Ele pode até estar com um sentimento bom, assim, de gratidão, para com a gente, né moço?

-Hã? – O homem parecia distraído, olhando da janela. – …Ah, sim… Claro. Muito grato mesmo. Mas sabe… É normal cachorro morrer na estrada. Tem muitos animais de fazenda soltos por aí. A estrada está cheia… De perigos.” O velho solta uma gargalhada sinistra.

Beatriz olhou assustada para o PC.

-Então, moço… O que tem na mochila? – Ela perguntou.

-Nada de interessante. – Ele disse, sempre daquele jeito,  sorrindo estranhamente.

O carro sujo de lama e com algumas calotas faltando continuou a percorrer as curvas da estrada molhada pela chuva.

PC lentamente abriu a tampa do porta-luvas.

-Que foi? – Sussurrou Bia.

PC apenas olhou pra ela. Bia entendeu que era para fazer silêncio.

Ele pegou uma caneta e papel no porta-luvas

PC pegou a caneta e se virou para o estranho sujeito no banco de trás do carro.

– Moço, pode pegar o mapa que está aí atrás? Acho que caiu embaixo do banco…

– “Mapa? Que mapa? – O homem estranho se abaixou para procurar.

– Está aí em algum lugar. Ele caiu quando o carro quase pegou o cheique… – Disse PC enquanto escrevia num papelzinho alguma coisa. Ele estendeu o papel para Bia.

” Tenho certeza que ele é o maníaco da carona!!!”

Bia apenas dirigia. Ela tinha os olhos arregalados de espanto. Não disse nada. PC fez um sinal com o dedo na frente da boca, indicando silêncio. Bia assentiu com a cabeça.

-“Não tem mapa aqui…” – Disse o velho.

PC então escondeu o papel.

-Ih… Acho que deve ter caído lá na estrada quando eu saí. – Disse.

A chuva voltava com força total. Novamente um silêncio macabro se instalou no interior daquele carro.

A noite estava escura e a estrada cheia de curvas.

-Sabe, não chove assim há muito tempo. – Disse o velho.

Os dois na frente do veículo estavam em silêncio, tensos.

PC e Bia estavam quietos, mas se entreolhavam a todo momento. Sempre que o velho do olho de vidro parecia se distrair olhando pela janela, o rapaz escrevia discretamente no bloco e passava pra Bia. Então, PC distraia o velho com perguntas enquanto ela lia.

Dessa vez, no papel estava escrito:

“Precisamos parar em algum lugar. Antes que ele ataque.”

Bia notou cerca de uns três quilômetros mais à frente, as luzes de um posto de gasolina.

– O posto é este aí?  – Perguntou a jovem.

-Não, é uns quarenta quilômetros mais abaixo. – Diz o velho.

PC e Bia voltaram a se  entreolhar. Eles agora estavam bem perto do posto.  Bia deu um golpe de direção, jogando o carro dentro do posto de gasolina.

” Ei!” – Berrou o velho, que parecia  meio transtornado.

-Que foi? – Perguntou PC.

– Nada, é que o posto é outro… Eu disse.

-Mas precisamos parar aqui. Sabe como são as mulheres.  Ela está com vontade de fazer xixi. – Disse o jovem.

O velho concordou.

O carro parou e os dois desceram.

-Ei! Onde vocês vão? – Perguntou o velho num tom estranho, desconfiado.

-Pode dar uma olhada na bomba aí pra mim, moço? Já volto.  – Disse ela, apontando o banheiro feminino.

O velho concordou, resmungando. Parecia estar com pressa.

Bia e PC foram andando juntos na direção do banheiro do posto. No caminho, ao se afastarem, eles começaram a conversar.

-Caralho, Bia. É ele. Tenho certeza.

-Ele é estranho. Estou com medo dele. – Ela disse.

Sabe de uma coisa? Aposto que aquela mochila está cheia… De cabeças decepadas!

-Cruz credo! – Ela disse. – E agora?

-Acho que temos que chamar a polícia.

-Não! Não. Polícia não. – Bia disse assustada.

– Por que?

-Bem, é que… Veja, Paulo… Nós não temos certeza. E se não for ele? Já pensou no micão? Já pensou que ele pode até nos processar? Sei lá. Ele ajudou a gente, né?

-Bem, você tem razão, Bia.

-Mas precisamos nos livrar dele. O que a gente faz PC?

-Sei lá. Acho que temos que olhar naquela mochila. E pra isso, temos que tirar ele de perto do carro.

– Tá, mas como vamos fazer isso?

– Já sei. Você chama ele. Diz que eu passei mal lá no banheiro. Eu faço a cena. Vou ficar caído lá dentro. Ele vai lá me acudir e daí você olha na mochila.

-Ah, boa ideia! Ok.

Seguindo o plano de PC, Bia começou a gritar, pedindo ajuda. O velho e o frentista saíram de perto da bomba de gasolina e vieram correndo.

O frentista chegou na frente. ” Que foi, dona?”

-Meu amigo. Tá  passando mal. Está gritando no banheiro – Diz, fingindo estar aflita.

O velho e o frentista dispararam para dentro do banheiro.

Bia sorriu e correu para o carro.

A o chegar no carro, Bia viu a mochila no banco de trás. Ela pegou a mochila para olhar o que tinha dentro.

Lá no banheiro, PC estava caído no chão. O velho tentava acudí-lo.

– O que foi? O que foi? Respira garoto!

“vou buscar uma água pra ele” – Disse o frentista, saindo do banheiro.

-Não sei. Me deu uma tontura… Tudo apagou e eu caí.

O velho ajudou o rapaz a se levantar.

-E agora? Está melhor?

-Ai, ai, ai! Solta, solta meu braço, porra!  Argh! Ung, que dor. Ai! – Gemeu PC. Agora estava doendo de verdade.  – Me ajuda a ir pro carro. Vou ficar bem. Acho que foi… Sei lá… A minha pressão.

Já no banco do motorista, Bia viu do interior do carro o velho caolho da capa, que vinha amparando PC. Ela já havia pago o frentista, e estava ao volante do carro. Ela tinha um olhar estranho.

O velho entrou no carro. O rapaz também entrou, e olhou para Bia com olhar inquisidor.

Bia não disse nada ao PC. Apenas olhou pra ele e moveu a cabeça, positivamente. PC sentiu um arrepio gelado percorrer-lhe a coluna. Aquilo só podia indicar uma coisa: Beatriz tinha visto as cabeças.

– Ei, amigos! Podemos ir? Estou com um pouco de pressa… – Disse o velho.

Bia acelerou o carro e eles voltaram para a estrada.

Paulo César olhou ao redor, em busca de alguma coisa. Ele precisava ter uma ideia. Algo que distraísse o maníaco. Finalmente achou uma revista velha,  junto a porta.

– Ei tio… Quer ler uma revista? – Perguntou, já entregando a revista ao velho.

Bia, notando o plano de Pc, ligou a luz de leitura no banco de trás.

-Legal… – Disse o velho, que ficou entretido folheando a revista.

Vendo que o carona já estava distraído, PC pegou o bloquinho e a caneta. Fez uma nova mensagem:

“E agora?”

Bia apenas olhou pra ele, sem dizer nada. Ela tinha um olhar assustado. Estava tensa. Bia olhou pelo retrovisor. Mirou o velho pelo espelho.

Ele estava absorto, lendo a revista. Ela olhou para PC e deu de ombros, como quem diz: “Não sei”.

O jovem pegou o bloco e escreveu:

” Precisamos pegá-lo desprevenido.”

Bia concordou. Ela sempre olhava pelo retrovisor para se certificar que o velho não notava a conversa dos dois.  Beatriz percebeu que o velho estava lendo a revista sentado entre os dois bancos.

Bia ligou o radio. Rapidamente trocou de estação para uma que não estivesse falando do maníaco da carona. Finalmente, achou uma estação que tocava “The Carpenters”.

– Ei! Eu gosto dessa música! – Disse o velho, sem tirar os olhos da revista.

Bia sorriu para PC. Ela aumentou o volume do rádio, e agora Sally Carpenter cantava “Close to you” bem alto.

Beatriz olhou pelo retrovisor para se certificar mais uma vez que o velho não estava notando. Ela trocou um olhar com Paulo César e fez uma mímica com a boca, para que ele pudesse ler seus lábios.  PC leu e entendeu:

“Aperta o cinto!”

Imediatamente, PC entendeu o que ela queria dizer. Apressado, ele se contorceu com uma expressão de dor para alcançar o cinto, mas tentou a todo custo não gemer com a dor afim de evitar chamar a atenção do velho. Após alguns minutos, ele finalmente conseguiu colocar o cinto de segurança.

Os dois se entreolharam mais uma vez. Bia estendeu a mão. PC agarrou com força na mão da moça. Sally Carpenter cantava romanticamente ao fundo.

Ela acelerou o carro, mirando numa árvore da estrada. O carro deslizou  rapidamente pelo asfalto e colidiu violentamente com a árvore.

Tudo pareceu acontecer em câmera lenta. A lataria da frente estufou. Uma explosão de vapor e fumaça eclodiu para todos os lados quando o motor se espatifava contra o tronco. Lascas de madeira voaram em todas as direções. Num só estampido, os air bags inflaram em duas explosões brancas na frente deles.  O velho foi projetado no ar dentro do carro e explodiu através do vidro, que estilhaçou-se em pedaços quadradinhos e brilhantes para todos os lados. Lascas da árvore voaram por dentro do carro. O som era um barulho horrendo de explosão, vidro e ossos se partindo. Um segundo depois, só restava a escuridão e o seilêncio.

Não havia nenhum movimento. Tudo estava estático, imerso em completa escuridão. O tempo parecia ter parado.

Um gemido grave e fraco surgiu no interior do carro amassado.

-Uuuuung.

-Você está bem PC? – Perguntou Bia.

PC tossiu. Sentiu o gosto de sangue na boca. Cuspiu. Os airbags começavam a desinflar.

-Não. Acho que meu ombro fodeu de vez agora.

-E ele?

-Acho que deu certo com ele.

-Temos que ter certeza, PC. Tem uma lanterna aí no porta-luvas. Consegue pegar? – Ela perguntou, já saindo do carro.

PC foi tateando até achar a tal lanterna. Após encontrá-la. Tentou sair do carro. Mas a porta estava amassada e não abria, de modo que ele saiu pela janela, quase urrando de dor no ombro deslocado. Quando Paulo César finalmente conseguiu sair do carro batido, Bia já estava do lado de fora, conferindo o corpo. Ela estava exultante.

– Deu certo! – Ela disse.

O velho fora ejetado pelo vidro e bateu na árvore. Seu corpo agora estava caído com a cabeça esfacelada sobre o capô amassado. Pedaços melequentos dos miolos ainda quentes se espalhavam para todos os lados, em meio aos cacos, lascas de árvore, mato e lama.

PC pegou a lanterna e foi até o corpo do velho. Bia foi para a parte de trás do carro. Talvez para conferir o estrago.

– Cruzes, estourou a cabeça e parece que também quebrou o pescoço! – Ele disse.

PC verificou o ambiente com a lanterninha. Foi quando ele viu a mochila caída lá perto da árvore.

-Olha! A mochila. Está aqui! A mochila também voou. Veja! – Disse Paulo,  pegando a mochila.

-Quer dizer que aqui que estão as cabeças? – Ele se ajoelhou e com a lanterna enfiada na boca, abriu a mochila.

– Ei, mas… são…cocos! – PC disse assustado. – Mas como?  …Então o maníaco… Não é ele! Ué… Mas você disse que…

PC se virava, tirando a lanterna da boca. Quando viu.

– Ah, não!

“Svlapt” – Uma batida seca atingiu o rapaz.

E meio a escuridão da estrada, uma risada de mulher ecoou.

Minutos depois, numa curva distante daquela mesma estrada, Beatriz andava pelo acostamento, carregando a mala Luis Vuitton. Agora com oito cabeças.

Os carros passavam, e ela pedia carona. Quando finalmente um carro parou, ela sorriu.

Já contabilizava a nona peça de sua coleção.

FIM

 

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. desconfiei no momento em que ela se recusou a pegar a mala no carro… mas ta mto bom, bem ambientado, daria um bom curta, pq vc nao faz?

  2. Fodástico, Philipe. Desconfiei quando ela foi olhar a mochila. Saquei que você não colocou detalhes sobre ela olhando o que havia dentro, então deduzi que aquilo seria apenas para despistar.

    Quando leio alguns contos seus, não sei por que, mas me lembro do Stephen King! kkkkk
    Acho que talvez seja pelo final macabro com aquela atmosfera de medo, deixando algo no ar.

    Show! Já enviei para várias pessoas.

    • Valeu mesmo. Fico super feliz que goste. Agora me ocorreu algo engraçado. Já pensou se eu chamasse Stephen?
      Meu nome seria Stephen Kling! Hahahaha Aposto que aí meu livro venderia mais.

  3. Bacana!
    mas a ideia fica que a policia tinha a imagem do assasino como a descriçao do veio, questao é como a policia sabia que era HOMEM,?
    e no final na verdade era uma MULHER nada haver com a descriçao da policia com que base a policia falava que era um HOMEM com aquela descriçao?

  4. FODA!!!
    ANULE O COMENTARIO ANTERIOR, ENTENDI
    SO QUE FOI UM HOMEM QUE LIGOU PARA A RADIO INFORMANDO A DESCRIÇAO DO ASSASINO?OK
    TEM MAIS ALGUEM JUNTO COM A MULHER NOS ASSASINATOS PELO VISTO É UM HOMEM ?  E PORQUE ELE LIGOU INFORMANDO UMA DESCRIÇAO SEM BASE?

     

  5. Ligeira essa menina, com certeza foi ela quem fez a ligação anonima e deu características opostas as dela para despistar qualquer suspeita.
    Se fosse um filme eu ficaria puta com o final….kkkk

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