Memórias do passado

Hoje eu acordei e fiquei deitado na cama, sentindo frio. Comecei a pensar no frio e nessa coisa de acordar cedo. Imediatamente me veio a memória algumas lembranças do meu passado. Engraçado essa coisa de lembrar do passado. Eu acho que é simples lembrarmos de grandes momentos da nossa existência. Aqueles momentos em que sentimos grande felicidade, grande tristeza ou grande arrependimento. São raras as vezes em que as memórias nos trazem à baila fatos corriqueiros do dia a dia. É como se a nossa cabeça selecionasse apenas os momentos mais interessantes para guardar. Sem que percebamos, a mente da gente age como um diretor de Hollywood, que vai podando e cortando seu próprio filme até deixar apenas o que é indispensável. Lá eles fazem isso por uma questão financeira, mas na nossa cabeça, certamente que a razão é outra. Provavelmente é por uma questão de compactação de dados. Tudo que não é considerado importante vai sendo compactado numa massa amorfa de pensamentos, ideias e lembranças e varrido para debaixo do tapete da nossa consciência. Mas essas coisas não somem. Elas estão lá, no escuro sótão das memórias do passado.

Então eu resolvi lançar mão de uma “operação resgate”, para tentar obter algo meramente corriqueiro e sem importância que esteja preso no éter.

Após pensar nisso, eu fiquei ali, olhando para o teto, buscando nas profundezas das minhas memórias alguns elementos simplórios. São situações comuns, que não mereciam qualquer destaque na minha vida, mas que por alguma razão eu consegui resgatar. Obviamente que se eu consegui resgatar, é porque essas foram as que estavam na superfície, e se estavam ali tem alguma importância, por mais que eu as renegue. Foram centenas de pequenas cenas que vieram, das quais selecionarei algumas para comentar. A começar pelo frio.

1- O frio

Estava um calor do cacete naquele dia. Eu suava em bicas enquanto andava, apressado, para chegar a tempo da primeira aula. Minha camisa empapada de suor dava testemunho dos 40 graus à sombra. Ao meu redor, tudo era um deserto só e o chão escaldante emanava um bafo quente diabólico. Eu só conseguia pensar na piscina azulzinha do Caer – o clube. Pra piorar o calor, eu precisava andar depressa, o que me fazia ter mais calor, suar mais e sentir mais sede. Eu atravessava uma rua e sentia o asfalto colando na sola do meu tênis.

Aquela era uma maneira muito engenhosa de bloquear a friaca maldita que fazia em Três Rios às seis e meia da manhã. Eu imaginava o mais quente dos dias de verão na Etiópia. Eu usava a imaginação para me iludir que estava tão quente, mas tão quente que algumas raras vezes me peguei sentindo calor de fato. Quando isso acontecia, eu me surpreendia e voltava imediatamente a sentir o frio cortante me doer as juntas.

Era assim que eu criava coragem para ir pra escola. Aquele período da minha vida durou meros dois anos, mas parece ter sido uns dez. Havíamos mudado de Juiz de Fora, e iríamos para Niterói. Nesse meio tempo, morei dois anos em Três Rios. Eu morava na casa da minha avó e estudava do outro lado da cidade, o que me obrigava a sair de casa super cedo para ir pra aula. Junho era um frio desgramado, mas eu tinha que ir. Enquanto me vestia, sentia o corpo congelando. Pensar no calor escaldante do deserto era a forma efetiva de me enganar.

2- A Escola

O nome era Colégio Entre-Rios. Acho que já acabou. Acho que não existe mais. Escolas não deviam ser demolidas. Do mesmo jeito que se tomba imóveis pelo motivo do Patrimônio Histórico, eu acho que as escolas deviam ser sagradas, tombadas eternamente pelo patrimônio mnêmico. A gente passa uma enorme parte da vida na escola, e se diverte, faz amigos, sofre.

Eu acho que sofri muito na escola. Em todas asa que estudei. Curiosamente, lembrar delas é um exercício que guardadas as devidas proporções, deve se assemelhar ao que um sobrevivente do holocausto faz do campo da concentração. Todas as vezes que visitei minhas antigas escolas, eu olhei para os muros e me lembrei de quantas vezes desejei ser um passarinho para ultrapassar aquelas barreiras. Minhas escolas tinham muros altos, grossos, e com arame farpado em cima. A gente ficava encolhido no pátio, olhando as coisas ao redor sob os olhares impetuosos dos inspetores. A qualquer momento um sinal tocava e aquilo era uma mensagem clara que devíamos nos perfilar e retornar para os pequenos cláusuros onde iríamos ser torturados por alguns professores.

A grande diferença é que ali, vivíamos sob a constante vigilância das horas. Eu olhava para aquele relógio de parede antiquado e tentava usar a força mental de um cavaleiro jedi para fazer o ponteiro magro andar mais depressa.  O ponteiro não mudava de velocidade, eu me convencia que era um merda, que não era um jedi e notava que quanto mais olhasse mais lerdo ele parecia andar. Então eu fazia de tudo para não cruzar meu olhar com aquele ponteiro maldito.

A escola naquele tempo se resumia a um grande pátio, que abrigava uma quadra poliesportiva, ao lado havia um alambrado carcomido e cheio de buracos na tela. As paredes eram pintadas de azul. Não havia muito a se fazer além de jogar bola naquele local.  Havia uma passagem pela lateral do campo, mas passar por ali era tarefa para os mais corajosos, pois não raro os moleques mais velhos bicavam a bola para tentar acertar os mais novos (como eu) que passavam por ali. se estivesse segurando um salgadinho e um refrigerante, era uma explosão espetacular de merenda voando pelo ar e manchando a parede.

Passando pelo corredor que dava acesso ao pátio, dava para dar a volta pelo segundo pátio, este menor, onde ficava uma pobre quadra de vôlei.

3- O CPD

Naque ano, havia uma novidade: o CPD, ou Centro de processamento de dados. Ficava bem ali, ao lado da diretoria. Fizeram uma obra para o CPD aparecer, pois escola que ensinasse informática era a última bolacha do pacote. Colocaram tipo uma vitrine na sala. Era uma sala que tinha dois computadores. A ampla maioria daquela gente, nunca havia visto um computador na vida e não entendia muito o que eles faziam para além do que era mostrado no seriado do Batman.

As máquinas eu nunca esquecerei. Eram dois CP500 da Prológica, pretos, com tela verde embutida no gabinete. pareciam até fliperamas. Mas ao contrario do que a minha vã esperança tentava crer, não havia nenhum joguinho ali, e sim uma porra dum programa chamado Basic (a gente chamava de bêisique), ao qual a gente tinha que decorar os comandos, como “Input”, “CLS”, “Goto”, “Gosub”. Hoje parece estranho que na quinta série a gente tenha que aprender programação, mas naquele tempo, a aula de processamento de dados era bastante interessante, pois o Salsicha, o professor, iludia a gente de que sabendo aquilo poderíamos fazer nossos próprios jogos.

O meu sonho era botar a mão no CP500, mas isso nunca aconteceu. Eles eram meio que de enfeite, e a aula de Processamento de dados se dava toda na porra do caderno. Que saco!

Hoje eu acho graça, mas naquela época estava claro pra mim que aquilo era o futuro e que todos, sem exceção, aprenderiam a programar, como se aprende a escrever. E cada pessoa faria seus próprios aplicativos. Assim, se o cara quer jogar, ele abre o Basic, programa o jogo e joga. Se ele quer escrever, ele abre o Basic, cria o programa do editor de textos e escreve. Eu não conseguia imaginar um futuro diferente daquele, onde todos eram gênios e ninguém fica rico.

Havia um professor chamado Girlei, que fazia a gente fazer educação física. Eu tinha medo do Girlei, porque ele era severo, e porque ele adorava futebol. Pra piorar, o Girlei era o diretor, o que significava que ele era a última instância a se recorrer. Não tardou para que eu descobrisse uma forma eficaz de evitar a aula de educação física do Girlei. Eu ia conversar com o Seu Joel.

4-Seu Joel

Seu Joel era o dono da escola. Joel Monnerat. Grande amigo. Guardo dele memórias carinhosas. Ele gostava muito de mim e eu dele. Era como um avô. Ele parecia ter uns duzentos anos, mas não consegui encontrar nas minhas memórias o dia em que ficamos amigos. Só sei que nos tornamos tão amigos que ele me chamava até o gabinete dele para conversar. Engraçado imaginar alguém de quase cem anos, eu creio que ele devia ter por aí uns 80, pudesse gostar de conversar com um pirralho como eu, da quinta série. O mais estranho eram os assuntos. Nós conversávamos sobre geopolítica mundial. Seu Joel falava sobre a segunda guerra, contava coisas do passado e ficávamos ali teorizando sobre a possível terceira guerra, como seria as bombas atômicas chovendo entre Estados Unidos e União Soviética…Ele era muito inteligente e sabia tudo que saía nos jornais. Também, ele não assitia aula de Processamento de dados e tinha tempo de ler o jornal, hehehe.

Graças ao seu Joel eu comecei a prestar atenção ao Jornal Nacional. Seu Joel era – como eu – um ávido leitor de revistas Seleções do Reader´s Digest. Ele dizia que tinha uma boa coleção delas e chegamos a trocar algumas.

“As melhores são as do tempo da guerra” – Ele me dizia e eu prontamente concordava.

Uma coisa interessante do Seu Joel é que ele conseguia botar o dedo no olho. Aquilo me parecia a maior bizarrice. Um dia eu cheguei na porta da sala dele, e ele estava com o dedo enfiado na órbita ocular, tentando achar uma lente de contato (de vidro) que havia deslizado para a parte de trás do olho dele. A cena me deu tanto nervoso que hoje, já adulto, só de lembrar ainda me arrepia.

O legal de conversar com o Seu Joel é que ninguém tinha coragem de ir me tirar de lá. A ampla maioria das pessoas achava que eu estava lá levando esporro, pois conversar com Seu Joel era a última instância antes da expulsão. Aquela fase foi boa porque eu precisei estudar e correr atrás de algum conteúdo para entabular uma conversa de pelo menos 45 minutos, que era o quanto durava a aula de futebol do Girlei.

5- Meus amigos

Lembrar dos meus amigos de classe da quinta série é difícil. Não eram muitos, mas eles não me pareciam tão interessantes ao ponto de ficarem marcados na minha memória. Eu me lembro de alguns, mas a ampla maioria eu não lembro os nomes.

O Sapão – Nunca soube o nome desse cara. Acho que era Wellington, ou Wilson, ou Washington. O sapão era um daqueles figurantes da vida. Um cara que não fede e nem cheira e nem sei porque consegui me lembrar dele. Quer dizer, acabo de lembrar porque. O Sapão era muito pobre e um dia ele me disse todo orgulhoso que o pai dele tinha um fusca 68. Eu então, na minha mais imbecil ausência de noção disse a ele que um fusca 68 era uma merda e que o meu pai tinha um Del Rey prata, quatro portas. O sapão fez uma cara de ódio, como se eu tivesse menosprezado todas as gerações dos antepassados dele. E então respondeu: – Se você fosse rico assim, estudava no Santo Antônio. -Eu tentei argumentar, mas não adiantou, visto que naquele tempo o Colégio Entre Rios era considerado de segunda linha. Então o Sapão falou alto para a classe toda ouvir: -E eu sei que seu pai tem é uma variante bege batida! – Daí todo mundo riu e acreditou no Sapão, mas para meu desgosto, meu pai tinha mesmo um Del Rey prata.

O Marcos Paulo – O marcos Paulo era encapetado. Ponto. Isso é tudo que precisa ser dito a respeito dele. Até porque eu não sei muito mais que isso. Sei que ele era filho de mãe separada, porque minha vó havia mencionado isso com uma outra pessoa que não consigo lembrar quem era. O que eu lembro é que ela falou meio baixinho, como se fosse algo horrível. E desde então, eu comecei a olhar o Marcos Paulo, que era meu melhor amigo, como alguém que tem, sei lá, uma perna a mais. O cara não parava quieto e vivia inventando merda. Um dia ele acendeu um barbantinho cheiroso na sala, gerando um grande tumulto, mas eu já não sei se isso aconteceu na quarta ou na quinta série.

O cara que eu não lembro o nome – Sim, eu tive um amigão, mas que por alguma misteriosa razão, eu não consigo lembrar do nome dele. Eu lembro que ele era mais velho e parecia mais um galã de novela Argentina do que aluno da quinta série. O cara era alto e tinha um cabelo comprido, o must da transgressão naquele tempo. Ele também chocou a todos quando surgiu usando um brinquinho prateado. O que eu sei é que as meninas adoravam aquele cara. Idolatravam ele como se fosse, sei lá, o Tom Cruise. Ele tinha um carro. Talvez fosse por isso, já que na quinta série quem tem um carro é rei. E o carro era dele mesmo, não era de nenhum parente. Ele era meio burro, é verdade, mas as meninas só queriam saber de se agarrar com ele. Como a gente era muito amigo, e ele também detestava educação física, era comum que as meninas viessem falar comigo para tentar ficar com ele. Eu acho que agenciei por aí umas dez meninas para o meu amigo que não lembro o nome. Talvez fosse Leandro, mas não tenho certeza. O que eu me lembro claramente é que estávamos certa vez na frente da cantina, que ligava as duas quadras, quando ele me zuou dizendo que meu pinto era uma minhoquinha. Todo mundo riu, e as meninas que babavam o ovo dele também riram. Eu ri também, mas ri amarelo, pois naquela época eu me olhava no espelho pelado e também achava que meu pinto era uma minhoquinha.

Carla – Carla foi a primeira menina de quem eu gostei na escola. Ela veio transferida e entrou no meio do ano. A Carla era bonita e tinha uma boca que me atraiu no instante em que eu vi. A Carla morava com uma tia, num beco que tinha na rua quinze, perto da casa da minha vó. Graças a isso eu comecei a ir junto com ela pra escola. Eu conversava muito com ela e foi o mais perto que eu cheguei de ter uma namorada no colégio Entre Rios. Um dia eu quase consegui beijar a Carla, mas fiquei com medo. Eu era BV e acho que ela também. Então era uma relação eminentemente de carinho. Certa vez ela pegou na minha mão e eu quase desmaiei. Um dia, eu vi a Carla beijando um cara da oitava série e a decepção que se abriu na minha alma foi como se um buraco negro nascesse dentro do meu coração, tragando tudo. Eu fiquei vazio e me senti tão indigente como uma sacola do Bramil que bóia na sarjeta.

Adjane – A Adjane sentava atrás de mim na sala. Ela era uma boa aluna, CDF daquelas que só tira dez e quando tira nove e meio se martiriza. Pelo menos era assim que eu me lembrava dela. Naquele período o meu tio começou a namorar a irmã dela e graças a isso acabamos meio que aparentados. Meu tio casou com a irmã dela e o tempo passou, ela se mudou aqui pra Niterói e se não estou enganado, meu primo mora com ela. Das figuras daquele tempo é a única que eu lembro claramente, pois nos encontramos algumas vezes ao longo dos anos em festas, e etc.

6- Os professores

Naquele tempo eu tive muitos professores, sendo que da ampla maioria já não me lembro. Mas me recordo muito claramente de alguns.

Juquinha – O Juquinha era meu professore de Matemática e talvez por isso eu lembre bem dele. Eu me lembro que ele era muito bom professor. Mas embora fosse professor de Matemática, a melhor aula que ele deu foi sobre abelhas. Ele desenhou no quadro o ferrão da abelha. Juquinha era apicultor e sabia em detalhes um monte de informação interessante sobre abelhas. Eu prestei a maior atenção, porque adorava saber sobre abelhas e também porque era algo diferente de Matemática.

Salsicha – O Salsicha era o nosso professor do CPD, que dava aula de cuspe e giz de Basic. Uma coisa interessante sobre o Salsicha é que ele falava palavrão, algo suficientemente incomum e transgressor para ser guardado na memória. Eu achei sensacional, porque ele não tinha a menor didática, ele nem era um professor mesmo, era só um programador de Basic que viu na aula de CPD uma chance de ganhar um trocadinho. Talvez isso explique porque eu nunca aprendi o Basic.

Professor Gonorréia – Eu não sei o nome dele. Acho que era Paulo. Só lembro do apelido que o Marcos Paulo deu, quando ele chegou um dia com a braguilha suja de… Prefiro não pensar sobre o que era aquilo. Talvez fosse mostarda que pingou e todo mundo maldou. Ou não… O que eu lembro é que ele dava uma péssima aula de inglês e me ridicularizou na aula dele quando me perguntou qual era o antônimo de “Big” e eu disse que era “mini”.

Dona Maren Hagge – Eu não sei explicar porque eu lembro dela. A aula dela era de Geografia e era uma aula normal, sem nenhum tipo de atrativo bizarro que merecesse ficar na memória ou merecesse qualquer destaque. Dona Maren é um mistério das minhas memórias, pois eu lembro até do sobrenome dela. Eu me recordo que ela era boa professora, mas o mais interessante sobre ela é que ela era mãe do Estácio.

7- O Estácio

O Estácio era um cara que ficaria bem sentado numa Harley Davidson. Imagine um cara grande, alto forte como um touro, cheio de tatuagens. Ele tinha uma aparência ameaçadora, mas era um cara tranquilo, meio zen. O Estácio tinha um cabelão que contrastava com o início de uma calvície.  Ele tocava guitarra numa banda regional que de vez em quando fazia shows na Praça. Então ele era meio que um ídolo. Naquele tempo não havia ainda um culto a ídolos internacionais como é hoje. No máximo a fama era coisa do Michael Jackson e tal, mas o pessoal cultuava os que estavam perto, e Estácio era uma espécie de Guns n´Roses materializado numa pessoa só com o porte do Arnold Schwarzenegger.  Volta e meia ele ia na escola, para falar com a Dona Maren, e ficava com o vilão tocando ali perto da cantina. Eu sempre quis falar com ele, mas era tímido pra isso. Minha vontade era pedir um autógrafo, mas eu tinha vergonha e medo de tomar uma porrada. Então eu apenas sentava ali ao lado dele e ficava ouvindo ele tocar o violão.

8- RT

Ficar de RT era basicamente se ferrar. Quando alguém fazia uma merda qualquer, como no dia em que o Marcos Paulo acendeu o barbantinho cheiroso, pegava RT, que era “recuperação de Tempo”. Basicamente era passar a tarde toda numa espécie de detenção, fazendo dever. Uma merda. O inspetor era um coroa de bigode, chamado Seu Evilásio (ou Ivilásio, não sei). Eu peguei RT uma única vez na vida,  e nem lembro porque. Fiquei de RT com o Júnior, um moleque bagunceiro lá. Acho que foi porque me pegaram colando ou conversando na aula. O Junior passou a RT toda tentando inventar uma assinatura maneira pra ele. E eu  tentando inventar uma pra mim. lembro do Júnior dizer que o pai dele, falecido, tinha três pontinhos na assinatura e ele queria ter também. Eu inovei e fiz quatro pontinhos na minha, hehehe. Os três pontinhos era uma simbologia da Maçonaria, mas a gente ignorava isso e achava que era “style”.

9 – A biblioteca da rodoviária

Na escola não tinha biblioteca, mas havia uma biblioteca municipal na Rodoviária velha, que fica em frente à praça da Autonomia. Eu descobri a biblioteca por acaso quando precisei fazer um trabalho para a aula da Dona Maren e não tinha nos livros lá de casa o assunto. O meu vô me indicou e eu fui. Foi um grande prazer descobrir aquela biblioteca lá. O acesso se dava por uma escada que se não me engano era em caracol e que ficava lá perto da rua da frente. Me associei e descobri ali um mundo de coisas legais. Livros de todos os tipos, antigos velhos, carcomidos (novo não tinha praticamente nada)

Engraçado foi descobrir num livro do Tarzã que meu pai havia alugado aquele livro quando era moleque. Eu reconheci a assinatura dele na ficha no final do livro. Foi na biblioteca que eu aprendi a matar aula. Comecei matando as aulas de inglês e à medida em que o tempo passou me tornei um verdadeiro assassino serial de aulas, sobretudo das chatas.

10- A volta pra casa

Quando estava quase batendo meio dia, eu sentia uma fome insana. Era quando o Juquinha torturava a gente contando como  devia estar quentinho o arrozinho que a mulher dele estaria fazendo. “O Bifinho, aquele molhinho, uma coca-cola geladinha, e um pudinzinho de sobremesa”.

Eu achava graça pois a cada ítem do almoço dele o povo gritava: Hummmm… E algumas meninas morrendo de fome berravam: – Para, para!

Eu achava engraçado que quando ele falava no diminutivo aquilo estimulava a fome. Quando batia o sinal com aquela corneta que parecia avisar de um bombardeio alemão, todo mundo saía correndo em disparada e a multidão formava um gigantesco engarrafamento humano no corredor estreito que passava na frente da diretoria e desembocaria na rua.

Ao ganhar a rua eu me deparava com um clima bem diferente do das seis da manhã. Era um calor abissal que se abatia num sol inclemente. Eu andava depressa, mais pela fome do que pela vontade de chegar em casa. No caminho, passava na frente do Bramil, pela Praça da Autonomia e pelo Banco do Brasil. Esses elementos ainda estão lá, guardando em suas formas, cores e cheiros todas as lembranças da minha infância.

As memórias vão surgindo como que agarradas umas nas outras, o que me leva a pensar que meu cérebro usa algum tipo de compressor zip para guardar isso tudo ali dentro. Você dezipa as memórias guardadas e nunca sabe o que vai sair.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Eu tive aula de Basic I mas não aprendi nada. Acho que a linguagem era muito sofisticada (para a época) para crianças aprenderem. Eu me recordei da apostila e da réguinha cheia de figuras geométricas que a gente usava para os exercícios. Pode? Que coisa moderna! Computador mesmo, na prática só dava merda e eu nunca consegui fazer uma senteça que não desse erro no Dos. E eu ainda sonhava em aprender a linguagem Gobal e aprender a usar os diquetões. Mas eu nunca consegui aprender a linguagem Basic I (o II nem pensar!). Mas o professor o Marcos acho que deveria ser parecdo com o Estácio e eu fui apaixonada por ele por meses. Eu li suas memórias e me lembrei das minhas…sabe que eu estou com lágrimas nos olhos? Sério, é uma coisa meio besta, lembrar dos anos 80. Mas, que história é essa da minhoquinha? kkkk

    • Eu acho que todo mundo chora, com um relatos destes, que com certeza, nos faz lembrar dos nossos!!!
      Me lembro que meu primeiro computador, foi um tk85, era apenas uma caixinha preta que ligávamos na tv, pois a tv era a tela.
      Depois lançaram o tk 90, NOOOSA quanto diferença e evolução… a diferença apenas era que um era preto e branco e o tk90 era colorido rsrsrs.
      Lembro da GAROTA, que entrou no meio do ano, na minha 5ª série, que anos mais tarde seria minha esposa, e mãe do meu filho, e que infelizmente, anos depois me abandonaria e levaria o meu amado filho, para longe de mim…
      Quantas lembranças, muito obrigado pelo seu texto !!!

  2. Eu ri muito com a história da minhoquinha…

    Sinto te dizer, Philipe, mas vc se queimou com todos os leitores do blog com esse comentário .-.

  3. Bah, essa sensação de mudança de temperatura é bem tensa. Lembro quando cheguei aqui em Curitiba [há uns 5 meses], vindo de Sinop-MT, achei que fosse morrer congelado! kkkkk

    E relembrar essas memórias ‘simplórias’ é uma coisa muito interessante mesmo! Dá pra ficar um bom tempo se divertindo [enquanto ensaia pra levantar numa manhã congelante! kkk]

  4. temperatura intensa é aqui em manaus, com o sol torrando os neurônios… :/ eu gosto da minha cidade, mas odeio o calor…

    no ensino fundamental zuavam que só de mim…mas eu fui daquelas nerds chatas, que se tirasse um 9, ficava com ódio. com o tempo descobri que a vida tinha mais coisas a oferecer.

    eu estudava numa escola só de meninas, onde uma parte do assunto era justamente…meninos! era engraçado ver aqueles grupos olhando os meninos da escola em frente e qnd tinha feira de ciências então, parte da mulherada enlouquecia. rs

  5. nerds chatos que choram se tirarem 9
    minha namorada tirou a maior nota da sala e reclamou por que ñ era a nota maxima
    tudo bem que fui eu que respondi tudo
    ela só escreveu
    mas ela tirou a nota maxima

  6. Bacana o post… a memória é algo misterioso mesmo, basta imaginar quantos assuntos já foram estudados por nós durante a vida, alguns conhecimentos adquiridos assim logo vão pro ralo, outros se fixam e passam a fazer parte de nossa bagagem cultural…
    Faltou só vc comentar a memória mais antiga que conseguiu reter ou recuperar… a minha foi quando vi um mamão cortado pela primeira vez… morri de medo daquelas sementinhas pretas e saí gritando…rsrs… segundo minha mãe eu tinha por volta de dois anos de idade… faz tempo,viu…rsrsr
    Soçarba…

    • Sabe que eu não parei pra pensar nisso até vc escrever? Não sei qual é a minha memória mais antiga. Eu me lembro de coisas bastante antigas mesmo… EU me lembro de uma coisa que aconteceu quando eu tinha um ano de idade, que era deitar na barriga do meu pai. Lembro do padrão de um tapete que tinha na sala da minha mãe. Acho que essa é a lembrança mais antiga que eu tenho. Pelo menos é a que me ocorre agora.

  7. É Philipe, os anos 80 não voltam mais.
    Eu também relembrei meus tempos aqui em Minas Gerais.
    Cidade pequena, criançada chegando pra aula, indo embora na hora do almoço, camihando de volta pra casa com uma amiguinha por quem éramos apaixonados secretamente…
    Ahhh… bons tempos…
    Também fiquei a recordar.
    O engraçado é que também tinha esses tipos de amigos, a biblioteca municipal com o mesmo sistema de assinaturas na contracapa (meu lugar preferido, aliás) onde pegava emprestado livros da série “Para Gostar de Ler”.
    Você é demais, cara.

  8. Muito legal. Gosto muito de recordar tambem e isso me dá uma nostalgia mt grande… Saudades de amigos que nunca mais vimos, pessoas que passaram por nós e hj nem sabemos mais delas.. A vida é interessante, talvez nunca entenderemos algumas coisas pelas quais passamos. Gostaria de poder rever muita gente dessas épocas de ouro e gastar horas conversando… Acho que isso tudo serve pra aprendermos aproveitar ao máximo cada momento, pois o q passou ficará apenas na memória…

  9. Oi! Meu nome é Alice e sou noiva do Estácio, o filho da Dona Maren…rs Sabe quando a gente põe o nosso nome no Google para ver o que aparece? Acho que todo mundo faz isso, esperando um dia achar alguma coisa interessante, mesmo que ainda nem tenha chegado até nós… Pois é, foi isso que estávamos fazendo.. colocamos o nome da Maninha (a D. Maren) e ficamos estasiados com o que encontramos. O seu post sobre ela e o Estácio foi uma surpresa muito legal!! Ela está muito bem, uma senhorinha muito carinhosa… Ele está aqui, ao meu lado, tocando violão, forte como um touro e cheio de tatuagens… mas agora está bem carequinha!! rsrs Bom, um abraço pra você e muito obrigada por descrevê-los com tanto carinho.

      • Meu nome e Maren, sou sobrinha da Maren e prima do Estacio, fiquei muito feliz em ver os seus comentários e como Alice falou estava procurando meu nome na net e encontrei estes comentarios, obrigada pela carinho com minha família, eu moro em Brasília atualmente mas sempre que posso vou a Três Rios para ver todos

    • Meu nome e Maren, sou sobrinha da Maren e prima do Estacio, fiquei muito feliz em ver os seus comentários e como Alice falou estava procurando meu nome na net e encontrei estes comentarios, obrigada pela carinho com minha família, eu moro em Brasília atualmente mas sempre que posso vou a Três Rios para ver todos

    • Meu nome e Maren, sou sobrinha da Maren e prima do Estacio, fiquei muito feliz em ver os seus comentários e como Alice falou estava procurando meu nome na net e encontrei estes comentarios, obrigada pela carinho com minha família, eu moro em Brasília atualmente mas sempre que posso vou a Três Rios para ver todos

  10. saudade vda minha 5ª serie, eu tinha 10 anos e já era um pervertido (imagina hoje 4 anos dpois), era meu primeiro ano em colégio novo, no início do ano eu era quieto, sentava na frente e fazia tudo certinho, do meio do em diante, minha inocência foi deslanchando, eu tacava elástico nos outros (eu fazia isso do paredão lá trás), eu brincava de q bicho vai dar, eu falava cada coisa beeeeesta. me lembro da prof Magali (o capeta em forma d professora) além de ser uma bruxa era maluca tbm, me deixou de castigo pq eu pedi uma borracha, di ela q eu tava conversando (2 anos dpois ela cai do ônibus e kebra perna)

  11. Poxa, vc conta essas histórias tão bem, que fazem a gente se transportar pra dentro delas. Parece que estamos na sua memória. Mto bom mesmo. E o melhor é recordar a nossa própria história, me lembro que eu era a cdf que ficava puta qdo tirava 9,5 (rsrs)!!! Cara, já sou sua fã!!!
    Ahhh, fiquei sabendo de vc vendo o Jô!!! Bj.

  12. Eu estudei no Colégio Entre rios, e tenho muita tristeza quando passo na frente dele e vejo que serve de depósito para um super mercado, Fui muito feliz lá.

  13. Philipe , eu sou o cara que postou um video no You Tube de Cabo Frio na decada de 70, lembro de vc ter mencionado que ficava no apartamento do Waldir Medeiros e Dona Neusa,lembra?…
    O Waldir tá firme e forte, Dona Neusa infelismente faleceu.
    Se quiser ver fotos de Três Rios, postei varias no google earth.
    Um Abraço, Rogerio
    *Vi sua entrevista no Jô, parabens!!

  14. Quem foi aluno de Joel Monnerat jamais vai se esquecer de alguns preceitos. Que pena que o nosso Colégio Entre Rios acabou. Sou dos anos 70 e lá no Colégio minha grande amiga era…sua tia Marilene. Saudades…

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