A foto de um milhão de euros: Uma batata

O mundo da arte é curioso. Imagine só que em meio à profusão de imagens únicas, magníficas, capturas fugazes de momentos raros ou tocantes, lugares espetaculares, majestosos ou intrigantes, pessoas e suas expressões infinitas, é de uma simples batata a fotografia que valeu um milhão de euros. Uma lição de que o mundo está definitivamente surreal ou uma lição de humildade aos que não conseguem “ver” a arte numa batata?

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A foto da batata comprada por um milhão de Euros, foi feita por Kevin Abosch, o fotógrafo “mais da moda ” no mundo atual, de acordo com a Business Insider.

Ele ficou famoso ao fotografar grandes figurões do Vale do Silício como Sheryl Sandberg, Eric Schmidt, e Jack Dorsey. Alguns de seus outros retratados incluem Johnny Depp, Steven Spielberg, Dustin Hoffman, Dennis Hopper, e Malala Yousafzai.

Abosch, nascido na Irlanda, não aparece obcecado apenas com pessoas (ricas) mas ao que tudo indica, as batatas o atraem.  Ele tomou centenas de fotos do tubérculo em um fundo preto.

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“Kevin gosta de batatas porque, como as pessoas, são todas diferentes mas imediatamente identificáveis como sendo essencialmente da mesma espécie”, disse o estúdio em comunicado. “Ele já fotografou muitas batatas. Elas são um de seus temas favoritos “.

Então tá, né?

O retrato em questão, é uma impressão de 162x162cm intitulado ‘Batata numero 345 (2010)’.  O quadro estava pendurado em seu estúdio em Paris, quando foi descoberto por um de seus clientes (endinheirado).

“Não é a primeira vez que alguém quer comprar o que está na minha parede”, disse o fotógrafo de 47 anos.

“Nós tivemos dois copos de vinho e ele disse, ‘Eu realmente gosto disso.” Mais dois copos de vinho e ele disse, ‘Eu realmente quero isso.’ Assim os dois definiram o preço da obra duas semanas mais tarde.”

O preço acabou por ser  € 1.000.000, não negociáveis, que o comprador imediatamente concordou em pagar.

A fotografia é o recorde de preço para uma única imagem até hoje. A batata 245 foi consideravelmente superior ao preço normal de suas fotos, em torno de $ 150,000. O uso comercial de sua obra custa muito mais, em torno de US$ 500.000 por imagem.

Suas fotografias têm aparecido em várias revistas internacionais e capas, incluindo a Vogue. De acordo com uma edição da Vogue Itália março de 2008, “Abosch sabe o verdadeiro rosto de uma estrela.”

Abosch concorda que o verdadeiro valor da sua fotografia reside na sua capacidade de humanizar completamente até mesmo os rostos mais famosos. “Eu acho que quando as pessoas olham para um cara honesto, um cara sem máscaras, onde a cobertura de reputação é removida, há algo de muito reconfortante só em saber que você está compartilhando a experiência humana.”

Como podemos ver, além de vender fotos de batatas, o cara sabe falar bonito.

Ao vencedor, as batatas!

A questão da batata é engraçada, mas a coisa pode ser mais interessante do que parece à superfície da notícia. É fato conhecido que a arte e o mercado de arte mundial passam por um momento interessante. Ao longo de séculos, a arte foi privilégio de reis e poderosos. Durante milênios talvez, isso ficou assim. Com a passagem do tempo, a arte se tornou mais e mais popular e mais e mais acessível. Começa aí a crise da arte.

Se a arte se torna acessível a todos, como ela se estrutura diante das relações de poder? Como as roupas, os carros e as mansões, a arte também trata de dizer a todos numa sociedade, quem é quem. Daí surge a necessidade premente de separar uma arte de elite, quanto mais inacessível melhor e uma arte de massa, arte do povo.Muitas vezes chamada depreciativamente de arte decorativa.

Some-se a esta questão a problemática da uniformização artística. Em um certo momento, os trabalhos começaram a ficar muito parecidos. As ondas artísticas surgem como um advento do tempo, da evolução, mas também prestam um papel no universo comercial da arte: Estabelece o que é velho. E geralmente, o que é velho deve ser substituído, a menos que seja tão velho e tão representativo, que ao invés de se desvalorizar, comece a valorizar-se, como vinhos caros.
Em algum momento, a arte, originalmente vista enquanto manifestação do espírito humano, se torna mais que isso, se objetifica e se financifica. A arte se torna dinheiro. É dinheiro que se coloca na parede. É dinheiro que se coloca escondido no fundo do armário, por décadas,  para valorizar.
Há um documentário interessante no Netflix sobre um falsificador chamado Beltracchi. O cara é APENAS O MAIOR FALSIFICADOR DO SÉCULO. 

Beltracchi é um pulha. Um safado, um bandido, um detestável ordinário que ameaça o status quo no mercado internacional de arte. E por isso é quase impossível odiá-lo. O cara é muito gente boa e dá pra ver isso na cara dele.

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Até 2011, ninguém sabia quem era o alemão Wolfgang Beltracchi. Mas o mundo conhecia Max Ernst, Heinrich Campendok, Max Pechstein, Fernand Léger, André Derain. Pintores consagrados que Beltracchi “ressuscitou” ao pintar novas obras falsificadas destes autores. Ele mostra em detalhes o processo no documentario Beltracchi. Vale muito à pena ver, até pra entender mais ou menos o calibre de grana que essas obras de arte, que eu considero feias pra chuchu, podem atingir.
Beltracchi é um artista foda. Ele conseguia captar o estilo de qualquer pintor, e pintava aquilo que os grandes poderiam ter pintado mas não pintaram.
Com a ajuda da mulher, Helen, Beltracchi fez fortuna enganou reputadas galerias de arte, como a Christie´s ou Shoteby´s, que gastaram milhões em obras que venderam depois a preços muito mais elevados.
 

Durante 36 anos, Beltracchi falsificou obras, a maioria delas não descobertas até hoje. Para enganar o mercado da arte, Beltracchi e a mulher inventaram a história de uma colecionadora – a própria avó de Helen –  que durante o nazismo teria comprado obras ao famoso galerista alemão Alfred Flechtheim. Nunca descuidando dos detalhes, o casal falsificava até fotos da antiga casa da vovó, revelando as fotografias em papel dos anos 30 onde a mulher de Beltracchi se fazia passar pela avó, posando junto aos quadros falsificados. Beltracchi confirma ter pintado mais de 300 obras, muitas ainda pendurados nas paredes dos maiores museus do mundo. Para Beltracchi, não era apenas possível tal fraude. Era fácil.

Mas onde surge a problemática Beltracchi? Justamente na crise da arte. Chega um momento em que o mercado de arte atinge massa crítica. Diferente de fundos de investimentos em banco, certos pintores tem um limite de sua produção. Se Você comprar todos os quadros de Max Ernst, eles acabam. Não sobra mais nenhum pra ninguém. Por acontecer isso, os quadros tendem a se valorizar, com valores crescentes, como foguetes subindo em direção ao céu. Como a AMPLA maioria dos caras estão ali para especular com arte, estão cagando para se o quadro é uma tela preta sem nada pintado em cima. O que os compradores querem é: Saber a quanto venderão essa obra daqui dez anos.

E é assim que as obras de arte de gosto duvidoso vão se espalhando pelo mundo. Os artistas logo percebem essa calhordice. É o mercado. Se há demanda, haverá oferta. E é assim que potes com fezes custam milhares de dólares. (sério!)

Mas Beltracchi surge trazendo uma novidade no mercado, todos querem que isso “aconteça”. Ninguém no fundo, deseja que o quadro seja falso. O galerista quer, o especialista quer, o comprador quer, a empresa de leilões quer muito! Todos querem. É fácil nadar à favor da correnteza. Claro que o caso dele mostra que “um dia a casa cai”. Mas será que não existem dezenas de Beltracchis por aí?

O fato é que chega um ponto em que as novidades vão ser necessárias, porque haverá escassez de negócios no mercado de arte.

É inegável que há uma crise de valores e a arte não está de fora. Essa crise perpassa praticamente tudo. Do mesmo jeito que uns rabiscos aleatórios numa tela podem significar algo grandioso ou uma simples bosta feiosa, vemos pessoas na internet falando merda, fazendo imbecilidades sem conteúdo, mas como movimentam milhões de fãs, (e isso é dinheiro), graças à audiência são respeitadas e dá-se ouvidos ao que falam. Esse é o admirável mundo novo.

E a batata nisso tudo?

Acredito que o quadro da foto da batata é só um exemplo do que ocorrerá com a fotografia. Antes ingratamente relegada a um segundo plano nas artes plásticas a fotografia poderá ocupar esse valioso espaço da bolsa de arte. A fotografia passa a valer não apenas pelo que ela representa pictoricamente, mas por quem criou a foto. O fotógrafo, o nome.

A foto de uma batata fotografada por qualquer um de nós, seria só uma bosta horrível na parede. Mas como diz a Vogue: “Abosch sabe o verdadeiro rosto de uma estrela.” E se a Vogue disse só pode ser verdade, um dogma insofismável, até porque não e só uma batata. E não é só pela batata.

Parece batata, mas é dinheiro.

fonte

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Caro Philipe, nunca tenho conhecimento o suficiente pra discorrer aqui um debate sobre seus textos, mas esses reflexivos são o que eu mais gosto de ler aqui no blog. Acho incrível a forma como você consegui ir de uma simples batata, a uma discussão interessantíssima sobre o consumo e conceito de arte nos dias de hoje (nesse caso) e na grande maioria das vezes, acabo por compartilhar da sua opinião.
    Te desejo uma rápida recuperação, e muita inspiração e (vontade de escrever) pra mais textos como esse! Abraço.

        • acho o mesmo, no mundo real ha “merda” por todo o lado e escrever sobre isso faz sentido para pessoas que vivem no mundo real e que pensam sobre as coisas…
          acho que é porque as pessoas pensantes(que pensam sobre as coisas que le e veem) estão saturadas desse mundo onde oque é dito e mostrado é enlatado pré pronto
          “famosos” e outros da midia falam coisas que são controladas para não “constranger” , dizer oque pensa e a verdade seria ofensivo ao “meio”(o meio que adora e preza por mentiras bonitas)
          fico feliz hoje por qualquer pessoa poder ter seu “jornal” na internet e ser visto no mundo
          assim como qualquer mané poder ter seu canal no youtube e ser visto no mundo

          o Philipe3d devia era fazer um vídeo do youtube para cada matéria, ia agregar valor a materia, a palavra dele ia chegar a novas pessoas e ele ainda ia ganhar alguma grana, ja que muita gente esta ganhando fortunas no youtube dizendo oque pensa

          • Jonscravit, esse é um plano bom. O problema é que nem sempre eu consigo fazer os videos, pois eles tomam muito tempo, além de que a edição é por demais trabalhosa. Mas canal eu ja tenho lá.

  2. Philipe …
    Que batata cara!!!
    Conseguiu transformar em arte uma simples batata. Agora pagar esse preço é coisa de gente excêntrica,pois apesar dele chamar de arte para mim é apenas uma batata. enfim gosto não discute.
    Abraços sempre…
    Luandabela.

    • Na verdade, não é gosto. O cara compraria qualquer coisa, porque ele não compra pelo que é, e sim pelo que pode valer no futuro. Dessa forma,. como eu disse no texto o dinheiro e a especulação na arte fudeu completamente o sentido de arte.

      • Cara, eu já vou um pouquinho mais longe, não duvido nada que, quem compra esse tipo de “arte”, gastando esse tonel de dinheiro, não seja tipo aqueles mafiosos russos ou o car** a 4 simplesmente lavando dinheiro… só acho que esta é uma excelente maneira de se fazer isso.

  3. Coisa de doido…ha uns meses atras vi um programa de humor…que os caras colocavam um oculos escuros e acho que um relogio, no canto de uma parede, dentro de uma galeria de arte. po..era engraçado demais as pessoas olhando e admirando como se fosse uma obra de arte.

    Eu acho que a maioria..99% das pessoas que frequentam esses lugares nao entendem lhufas, neam!? haushuahus

  4. Beltracchi é fantástico no documentário, o cara tem um talento fora do comum, e realmente, todos querem que o quadro seja verdadeiro, aquele que vende e o que compra hehehe inocentes…

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