Estou de volta ao Brasil

Cheguei ontem de noite. A nossa volta ao Brasil foi tumultuada. Após embarcar 13:00 da tarde no Chile, chegamos em SP ás 4 da tarde. Como eu fui com minhas milhas, não deu pra escolher vôo muito bom, e a merda é que eu tive que esperar até às nove da noite quando seria minha escala para o Rio.
Em Sp começaram os problemas. A primeira constatação foi a mais óbvia. O Brasil tem que fazer grandes mudanças logo. Do jeito que está parece piada.
O aeroporto de Guarulhos está abarrotado de avião, e com isso, abarrotado de gente, saindo pelo ladrão. Não tem nem lugar pra sentar. O sistema de som é pior que de igrejinha de periferia, não se entende nada, muito barulho, muita bagunça. Pessoas jogadas dormindo pelos cantos.
Eu gosto do Brasil, mas tenho que reconhecer que a sensação de chegar aqui é parecida com a que o cara tem quando desembarca no Congo ou Somália. O avião para no meio do pátio e a galera desce por uma escadinha, todo mundo se aperta num busum que anda tanto, mas tanto, que parece que vai vir pro Rio pela Dutra.
Aí todo mundo é liberado numa portinha muito da safada onde em meio a agitação aglomeração, pessoas com malas imensas e um monte de brasileiro cara de pau – que no exterior não age assim mas no Brasil fica querendo furar fila, temos que prestar atenção num funcionário mais desmunhecado que o Paínho gritar como um feirante apontando caminhos diferentes para quem deve pegar conexão e quem vai fazer alfândega.
Guarulhos é um labirinto criado por uma mente maligna. Parece que o arquiteto daquela merda fez de sacanagem um monte de pegadinha pra enrolar o turista.
A começar pelos lugares onde você pode comer. Tudo lotado, comida ruim, mal servida, e cara como se fosse de ouro. Aí vem o atraso no seu vôo. Aliás, no seu e no da torcida do flamengo toda. Em pouco tempo, não resta o que fazer senão contemplar sua existência.
Justo no lugar onde o sujeito vai sentir sua vida desperdiçando-se como um eterno conta-gotas de sangue hemofílico, a internet sem fio é paga. Você sente um nó na garganta de lembrar o monte de internet gratuitas que tem em tudo que é birosca no exterior e num ato supremo de resignação, aceita o cruel destino de pagar uns cobres pelo acesso, já que não há mais coisa melhor para fazer.
Para sua surpresa, é necessário comprar um cartão, mas só vende do outro lado do vidro, que te separa dos que efetivamente estão na terra (do lado dos que fizeram o embarque, você mesmo no chão, está considerado “no ar”). Ou seja, internet tem, mas na verdade não tem.

Dormir é impossível. Um chinês fala aquele monte de coisa ininteligível na desconfortável cadeira atrás da sua, e você só realmente presta atenção nele depois que o cara dá uma tosse de ogro no qual você pode jurar que foi atingido na nuca por um perdigoto verde, desses que vem rodando no ar como uma boleadeira gaúcha.

Em meio a balburdia que se tornou o maior aeroporto do Brasil, o colapso social somado ao colapso operacional produzem um colapso de paciência no passageiro que fica tentando entender por que diabos é tão difícil colocar uma porra duma televisãozinha, (nem precisa ser de plasma, pode ser até de tubo) passando um filme ou outra merda qualquer. Ou que tipo de miserável tem a ideia sacana de cobrar pelo acesso à internet no aeroporto enquanto os políticos acham bonito colocar internet gratuita na favela e na praia.
Eu fico imaginando a merda de imagem que a gente está oferecendo ao turista mundial. E nisso eu acho graça, porque nós somos um país que sempre se preocupou mais com a imagem do que com o conteúdo. O Brasil, olhando de fora, parece muito com uma “socialaite” dessas estilo “new richie”, que quer saber qual o mais caro vestido do Valentino e as festas mais badaladas, mas tão logo abre a boca, só sai merda. E a merda, é suprema. A merda vai grudar na testa do Brasil de forma tão indelével, que não tem vestido bonito e caro que dê jeito. Não tem colar de brilhante, jóia ou acessório que desfaça a impressão grotesca que é a falta de conteúdo. E a constatação mais dramática é que estamos esvaziados envoltos em papel de presente. Fomos vendidos no exterior como um diamante do BRIC.
Até no conflito do Irã X EUA, palestinos e israelenses a gente se meteu. Tentamos fazer bonito no Haiti, bancamos mais do que podíamos para pegar de uma só bocada a copa e a olimpíada, baixamos as calças para entrar no conselho de segurança da ONU.
Tudo isso para que? Para melhorar a sua vida? A minha? Não. Você acredita em discurso? Em “legado?”

Eu não.

Eu acredito em: Amigos do rei, lei de Gerson e empreiteiros felizes.
O fato é que tudo aqui é pra fazer bonito. Pra sair bem na foto.
O Brasil é o típico esfarrapado que quer de qualquer forma entrar na festa dos bacanas. Somos o “Beto Rockfeller” da geopolítica internacional.
O Brasil carta pra todo lado que é o foda, que é a bola da vez, mas a bola da vez, o país “dos caras”, é uma merda dum paiseco de mentalidade colonial metido a grande, só que nem sequer tem um aeroporto que preste.

Embora eu me preocupe com a imagem terrível que estamos oferecendo aos turistas que aqui desembarcam, muitos deles vindos de países desenvolvidos em que os contrastes de desigualdade são inexistentes ou em tons pastéis, o que me deixa mais estarrecido é saber – como brasileiro que sou – que nós estamos pagando uma fábula para esta porra avançar na velocidade de um fórmula um, mas nos dão a “velocidade de cruzeiro” digna de um carrinho de rolimã. E ainda dizem que devemos botar as mãos para o céu e agradecer, já que podia ser pior.

Após ouvir  que meu voo ia sair duas horas atrasado, senti o alívio de ter alguma informação. Mesmo que seja uma má notícia, é melhor que zero notícia.
Quando finalmente o tempo parou de se arrastar, pude entrar no cata-corno lotado de gente que ia pegar o voo pra Paris com escala no Rio.
Descobri no momento que entrei naquela aeronave que eu estava premiado a sentar-me no cu do aeroplano. Esta é aquela dupla de poltronas que fica tão no rabo da aeronave, que você viaja ouvindo os pensamentos das comissárias de bordo.
O chato é que no avião você entra pela frente. Dá de cara com as mega gigantes poltronas da primeira classe, com suas telas de LCD que mais parecem cinemas portáteis.
Não nego que eu sempre tive inveja dos bacanas que vão na primeira classe. Viajar de avião faz você contemplar seu lugar no universo. A aeronave, como a escola, o trabalho e até o condomínio, representa a sociedade. Uns poucos no controle. Uma meia-duzia de bacanas em poltronas largas, com edredons, tomando champanhe e escolhendo se vão comer vitela, bobó de camarão, ou cordeiro com ervas finas, e após uma divisória, a massa. A senzala, onde vão os pés-rapados como você, todos apertados, todos espremidos, todos tentando ver um filme repetido numa telinha do tamanho do meu relógio.
Ao passar pela casa grande, eu, legítimo membro da senzala, notei que ali estava um careca com cara igual a esta:

O careca milionariamente escroto, olhava pra mim, com ar de desdém similar ao da foto. Engraçado isso dos caras da primeira classe entrarem no avião primeiro que o “resto”, porque parece que a empresa faz isso só para dar a eles o gostinho de olhar bem dentro dos olhos dos demais e pensar: “Seu fodido! Veja como eu sou melhor que você, seu merda!”

Resignado, ou melhor, humilhado, entrei pela senzala adentro até me instalar do lado do último banheiro. Era a senzala da senzala.

Pelo menos eu tinha uma janela para poder ver nuvem de uma ponta a outra da viagem e esquecer minha pobreza.
Tão logo o bagulho decolou, eu vi pela janelinha que a asa do avião estava batendo. Parecia um grande passarinho.
Então eu falei com a primeira dama: “Segura aí que eu acho que esta porra vai balançar!”
Mal eu falei isso, o vôo se tornou um remake do primeiro episódio de Lost. Aquela joça sacudiu com tamanha violência que um monte de coisas atrás da gente despencou. Ouvi as comissárias gritando. O refrigerante espatifou no chão e molhou tudo. A comida espalhou pelo corredor. Foi sinistro.
Quando as comissárias começam a gritar, chorar ou rezar, pode ter certeza que você está tecnicamente fodido, meu camarada.
Não deu outra. O avião começou uma sucessão de gravidade zero que me fez sentir um astronauta. Todo mundo em siçêncio sepulcral. Engraçado essa coisa de neguinho morrer quieto. Eu sempre pensei que quando um avião vai cair, surge uma louca histérica que começa a gritar e chorar. Mas no mundo real, nego fica mudo, meio que agindo com uma naturalidade forçada que parece servir para se iludir de que nada está acontecendo.

A sensação do balanço, eu confesso, é até gostosinha, quando você se desprende do aterrador medo de morrer. O duro é que esse desprendimento dura meio segundo entre um vácuo e outro.

É nessas horas que você constata que não devia ter aceitado ver aquelas malditas fotos do acidente dos mamonas nem do vôo da Gol. Eu olhava as pessoas em volta e em meio ao barulhão sacolejante do avião, eu tinha uma visão privilegiada da cauda. Todo mundo em silêncio. Alguns não disfarçavam o pânico e se agarravam tão forte na poltrona que não dava pra saber onde começava a pessoa e onde acabava a cadeira.
A Nivea por sua vez, efetuou uma “operação dentista”.
A “operação dentista” é o típico ato inconsciente da mulher de esmagar sua mão, modulando a força de acordo com o grau de perrengue que a situação propõe. Descobri este efeito na infância, quando esmigalhei a mão da minha mãe numa ida ao dentista.
A cada balançada, a Nivea esmigalhava minha mão com tanta força que eu pensei que ia quebrar. Como uma turbulência é algo variável, ela comprimiu minha mão como se fosse um coração de atleta.
No meio do bagulho, eu me surpreendi ao perceber que eu estava ficando enjoado. Foi uma grande surpresa, na medida em que eu sempre andei de montanha russa, rotor, twister e todo aquele monte de coisa de pirado que tem nos parques temáticos sem grandes problemas. Mas naquele avião, cinco mil e tantos metros de altura, eu comecei a sentir um “Aretuza feelings” tomar conta do meu ser.
O pior de vomitar no meio da tremedeira é que você nunca sabe quando deve chamar o Raul. Chamar o Raul no momento errado significará emporcalhar toda a maldita aeronave com os restos de coxinha com agenesia de requeijão lá do Havana.
Então fechei os olhos e concentrei-me em não vomitar. Os piores balanços começaram a diminuir e o piloto falou pelo radio que iria começar o pouso. Quando o avião tocou o solo, um carinha lá do meio aplaudiu. Sozinho.

Ficou no vácuo de mais de duzentas pessoas que estavam em choque e não conseguiam largar as poltronas para bater palmas. Minha mão estava moída. A Nivea olhou pra mim e só disse um eloquente:
“Puuuuta quiu paríííu, hein?”
Acenei positivamente com a cabeça e ela disse que eu estava amarelo.
Quando descemos do avião, eu dei uma última olhada para a massa de pessoas que deviam estar felizes como pinto no lixo, afinal, iam para Paris.
Mas depois do Guarulhos-Galeão com escala na ilha de LOST, nenhum daqueles pobres coitados inspirava sequer uma ponta de inveja. Todos eles tinham os olhos arregalados e uma expressão de desespero como as dos cristãos à espera de serem jogados aos leões.
Eu passei e olhei bem na cara do careca metido da primeira classe. Ele e sua impávida riqueza parisiense. Então me virei e falei alto com a Nivea:

Porra, se aqui foi assim, não quero nem imaginar a merda que vai ser sobre o Atlântico!
E então, eu fui pra casa, deixando atrás de mim uma alma atormentada de primeira classe.

FIM

Obs: Na verdade tem uma parte que eu não contei. Custamos a pegar nossas malas que chegaram molhadas. Ao desembarcar, encontramos a minha família que estava com meu primo, que viajaria no mesmo dia. O voo dele foi cancelado com algumas pessoas já embarcadas. Isso significou HORAS de espera para a empresa devolver as malas dele. Segundo a companhia os hoteis do Rio, Niterói e adjacências estavam todos lotados e por isso, eles hospedaram todos os passageiros (não é piada) em ITAIPAVA. E mandaram os caras pra lá de taxi!

O fato é que eu só cheguei em casa duas e paulada da manhã.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Que alegria, hein? Minhã irmã voltou de Milão e passou por poucas e boas tambem. Inclusive ser roubada na Itália. Lá tambem tem disso, uai..

  2. Sabe o que é mais ridículo no aeroporto de Guarulhos? É aquela esteira onde pegamos de volta nossa bagagem. Que porcaria! É estreita, velha e trava toda hora porque em determinado ponto tem uma curva fachada que as malas não conseguem fazer sem embolar umas nas outras. O mais curioso é que, pelo fato de a esteira ser circular e estreita, muitas malas caem no espaço interno e ficam fora do alcance das pessoas. A solução então seria simplesmente colocar um anteparo na parte interna da esteira para evitar a queda das malas, mas sabe qual a solução genial que arrumaram? Colocaram DOIS funcionários lá, só para pegar as malas que caem e desenroscar a esteira. Piada. Comparando com os aeroportos europeus, esse parece um terminal de buzão de periferia.

  3. É Philipe, você está fadado a passar por “gumpices”.

    Quanto a imagem que estamos passando do Brasil….concordo plenamento com vc…

    • Pois é. Espero que este governo trabalhe firme como precisa. Pela fama, a política de trabalho da Dilma é do tipo feitor. Quem sabe resolve, né?

  4. Concordo com voce em genero, numero, grau e burguesia ignorante que enriqueceu vendendo bigiganga na feira ou com “iscritoriu di contabilidadi”: CUIDADO, NO BRASIL, PARECE QUE E, MAS NAO E!!!!

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