Entrevista com meu pai

Meu pai acaba de lançar seu… (puts, que vergonha, já nem sei mais qual) livro. Deve ser o quarto ou quinto. Seja como for, a obra se chama “A mula do Ouro”.


Muitos leitores conhecem uma ou outra história envolvendo o meu pai. Volta e meia alguém me pergunta o que ele está fazendo, inventando e tal. Além de inventor, ele gosta de escrever ficção histórica.  Pra dar uma moral pra ele, eu resolvi republicar a entrevista que ele deu para o Jornal da cidade de Três Rios.

1-O que levou você a dividir com os leitores, através do livro, seus conhecimentos e pesquisas colocadas na obra?

Desde o primeiro livro que escrevi sobe a história da Central do Brasil, “125 Anos de Ferrovia” de 1983, procurei entrelaçar pessoas com os fatos históricos. Geralmente meus colegas historiadores de transportes se fixam nas datas de decretos, das inaugurações, considerando que as coisas acontecem porque têm que acontecer. Todavia, eu acredito, gente é que faz a história. Redigir a história do transporte ferroviário e rodoviário em forma de romance histórico é talvez uma forma mais lúdica, de compartilhar com os leitores fatos tão importantes na formação econômica e social da nossa região.

Tive também bons professores, como o Sr. Hugo José Kling, avô de minha esposa Goreth que escreveu livros sobre a história de Três Rios e Petrópolis, sempre com um viés de romancista. Pretendo seguir nesta linha: mais como romancista do que historiador.

Portanto, baseado em uma lenda da nossa região, contada pelo Sr. Hugo, montei a história da implantação de ferrovias e rodovia. O título diz isto, das mulas carregadas de ouro que escorregavam pelas pedras do rio Paraibuna ao se desviar do posto fiscal. Impedidas de nadar pelo peso do ouro ficavam para sempre no leito do rio. Nosso herói principal, um escravo da futura Condessa do Rio Novo, encontra os restos de uma dessas mulas. Por aí vai o romance histórico.

2-Por favor, conte alguma coisa sobre os contatos feitos durante a pesquisa:

Fiz visitas a todos os locais descritos, conversei com pessoas que tinham conhecimento de épocas passadas e li com atenção o material que recolhia nestas incursões. Depois fiz uma experiência interessante: publiquei o livro em um blog na internet. Os subsídios dos leitores virtuais ajudaram a melhorar a obra, corrigir defeitos, embora eles sempre persistam.

No exterior, visitei pueblos da Espanha, fiz o caminho pela serra do Xurés até Portugal, tal como Emílio, o personagem principal do livro. Na Alemanha, percorri o vale do Rio Mosel, de onde vieram várias famílias de colonos em 1846 para povoar Petrópolis. Segui o manual do romancista histórico, que deve visitar os locais das encenações, sentir o vento, o cheiro, o clima para introjetar o ambiente real, fazendo uma boa mistura com a ficção em sua cabeça. É uma condição necessária, mas nem sempre é suficiente. É preciso um grande trabalho de pesquisa, fazer opção por informações desencontradas e não ter medo de ser criticado pelos historiadores profissionais.

3-Como você imagina a reação dos seus leitores nesta obra?

Estou descobrindo a reação dos leitores agora, depois que o livro foi publicado e está sendo vendido. Os que têm paciência para seguir a trama da história têm dado declarações favoráveis, a maioria dizendo que aprendeu muito.

Um escritor da história do café que leu o livro na Internet enviou-me um e-mail do Paraná, cumprimentando pelo meu conhecimento sobre o tema e afirmando desconhecer a importância da antiga Província do Rio de Janeiro nesta cultura. De fato, São Paulo tornou-se sinônimo de café no final do Império e em todo período republicano, até a industrialização do país promovida por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e a importância do Vale do Paraíba Fluminense fica realmente esquecida nos escaninhos da história.

Todavia, alguns leitores reclamaram de excesso de informações históricas, até envolvendo outros países. Como minha visão da História é sistêmica, ou seja, não é possível, por exemplo, estudar a História do Brasil sem conhecer a História de Portugal e das Colônias, às vezes exagero mesmo.

Conclusão: não dá, quando se escreve, para imaginar qual a reação dos leitores. Eu até andei pesquisando um livro interativo, baseado em inteligência artificial, com sistemas multi-agentes capazes de continuamente montar o livro de acordo com o gosto do leitor. Mas aí é outra história. Tenho até patente do algoritmo que faz isto, mas nunca consegui implementá-lo, apesar de ser uma ótima ferramenta didática na educação à distância. É uma ideia que está adormecendo.

4-É totalmente dispensável pela grandiosidade do texto, mas você chegou a pensar em ilustrações (fotografias), etc?

Pensei sim. O fotógrafo alemão Revert Klumb, que acompanhou a Família Imperial em junho de 1861 quando da inauguração da União & Indústria deixou imagens notáveis. Foi o autor do primeiro livro de fotografia de viagens no Brasil, com seu “12 Horas de Diligência – Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”, de 1872.

Com esta finalidade percorri, com minha esposa Maria Goreth – que está fazendo Doutorado em História da Arte na Universidade de Salamanca trabalhando sobre o pioneirismo do fotógrafo Klumb – vários locais, registrando as mudanças ocorridas. Ela é uma exímia fotógrafa e vamos deixar este trabalho de análise para outro livro que pretendemos lançar no próximo ano, quando estará sendo comemorando o 150º aniversário da Rodovia União & Indústria. É um projeto em gestação, não sei se de fato conseguirá nascer.

Decidi então não ilustrar nada no romance, salvo a fotografia da capa que é de Klumb. A capa é um projeto de meu filho progênito Philipe, um escritor bem melhor do que eu, tendo milhares de leitores diários em seu blog “O Mundo Gump”. Na foto da capa, tanto o fotógrafo como o fotografado são personagens do livro, uma liberdade que o escritor tem no romance histórico, misturando fatos e personagens reais com fictícios num entrelaçamento tal que não se sabe onde começa a história e termina a ficção. Os leitores conseguem visualizar as cenas, o rosto das pessoas e até ouvir as vozes e músicas. Esta imagem mental é muito superior a qualquer desenho, porque não é induzida, mas criada pelo leitor, embora exija certo esforço e concentração. A TV e o cinema dominam o tempo das pessoas porque lhes poupa este esforço imaginativo. É uma pena, porque quando exercitado é muito melhor do que qualquer desempenho artístico. Por isto livros continuam sendo escritos, editados, comprados e até lidos.

5-Qual a mensagem que você pretendeu deixar com este trabalho?

Compensa ler a História do Brasil. Temos algo inédito: a única monarquia das Américas e uma história curta, mas vigorosa. Percebi isto na Alemanha e na Espanha, pelo interesse das pessoas na nossa história. Portanto segui esta linha narrativa: o olhar estrangeiro, que se choca com os aspectos culturais da terra visitada ou escolhida para viver.

Com relação à mensagem que pretendia deixar, confesso que não ter, objetivamente, intenção de deixar mensagem alguma, apenas contar uma história. Mas acredito que as mensagens subjetivas podem estar presentes de maneira forte no livro. Então elas interagem com a rede de conhecimento existente na mente do leitor e forma um panorama, que o próprio escritor não tinha pensado. […]

6- Qual o impacto causado pela citação de vultos como Eufrásia Teixeira Leite, de Vassouras?

Eufrásia era a princesa do Vale e foi uma mulher de vanguarda no século 19. Ela entra na história através da Madame Grivet, que ensinava francês para as filhas dos fazendeiros de café na região de Vassouras, em uma cena imaginada quando seu cavalo dispara assustado por uma cascavel. Um bisneto de Mme. Grivet enviou-me um e-mail depois de ler o livro na Internet, perguntando como eu sabia tanto sobre ela. Confessei que sabia muito pouco, apenas do que li em uma Dissertação de Mestrado de História. Mandou-me, então, mais informações que inclui no livro impresso de maneira sintética. Parece ter gostado do fato da antiga professora ter ressuscitado no romance.

Outra reação positiva foi a de um descendente do barão Ribeiro de Sá. Depois de um contato telefônico, também fruto da versão na Internet, visitei um bisneto que é médico aposentado e proprietário de um sítio em Monte Serrat, em Levy Gasparian ao pé da pedra de Paraibuna. Corrigiu certas informações, como a ordem do sobrenome, que na época, em Portugal, como até hoje na Espanha, o primeiro é do pai e o segundo da mãe. Contrário do Brasil e da maioria dos países, onde o último é o do pai. Da mesma forma, não se importou com as cenas imaginadas para seu bisavô, que é um personagem muito presente no romance.

Muitos romancistas fogem de citar personagens reais, preferindo falar do milagre, nunca do santo. Eu falo de santos e imagino milagres. Até agora tudo bem, mas nunca se sabe o que poderá acontecer. Se surgirem problemas, terei de enfrentá-los.

7- A presença esotérica com o personagem Donana é alguma figuração para traduzir o sentimento religioso daquela classe social na época em que se passa a história?

Gosto da literatura fantástica. No Brasil e América do Sul temos escritores consagrados, como o prêmio Nobel colombiano Gabriel Garcia Marques e o pioneiro brasileiro Machado de Assis. Numa das versões do livro o personagem consegue avançar no tempo, ao atravessar o túnel de cerca de 300m entre as antigas estações de Casal e Niemayer, nas linhas da Central do Brasil no município de Vassouras. Segue atrás de um trem de minério vazio e chega à estação de Casal onde pessoas aguardam um trem rebocado por locomotiva a vapor. É uma espécie de Túnel do Tempo. Ficou, acredito até interessante, mas abandonei esta versão fantástica, de idas e vindas ao longo do tempo, mas concentrar-me na sequência cronológica. Escrever é como subir em árvore, você tem que decidir sobre qual galho tomar nas bifurcações.

Donana me recorda uma antiga empregada doméstica de nossa casa, Dona Sebastiana e outras pessoas antigas que conheci quando morava no Portão Vermelho. Pode ser realmente um espírito, ou distúrbios emocionais de um canteiro espanhol chocado com uma cultura diferente. Meu avô era também canteiro (que trabalha com cantaria de pedra) e espanhol. Portanto, Donana como o mestre Emílio não são figurações, mas personagens que querem voltar à vida através das palavras. Porém, nada a ver com psicografia.

8-Em quanto tempo o livro foi escrito?

O livro começou ser escrito em 1996, mas ficou adormecido por muitos anos. Fui fazendo pesquisas, experimentando linhas narrativas até que tive oportunidade de ficar fora do país por um ano. Muitas vezes, enquanto a neve batia na janela eu estava digitando cenas passadas sob o sol causticante do Vale do Paraíba.

O livro foi escrito rapidamente. Passou, todavia, por outro período de hibernação, porque foi precedido pelo livro “O FUTURO DAS ESTRADAS DE FERRO NO BRASIL”, que era a ampliação do relatório para a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do MEC que financiou a bolsa de pós-doutorado. Este livro foi lançado na UFRJ no Rio de Janeiro em março de 2009, em comemoração aos 150 anos de titulo homônimo de Cristiano Otoni.

Em dezembro do ano passado, fiz esta edição apressada para um evento que seria realizado pelo Movimento de Preservação Ferroviária, dirigido pelo amigo Professor Victor José Ferreira, que assina o prefácio e o comentário da contra-capa do livro A Mula do Ouro.

O lançamento em Três Rios, minha terra natal e onde transcorre a história pode ser o início de uma jornada promissora ou um encalhe esquecido. Nunca se sabe o que pode acontecer. Um livro é como uma seta lançada pelo arqueiro, que tem todo poder de caprichar na mira até soltar a corda. Daí em diante a flecha tem vida própria, sofre efeito do ambiente e pode ou não acertar algum alvo. Um escritor como um arqueiro, deve buscar outra seta e continuar atirando. É o que pretendo fazer. O ritmo de produção vai depender da aceitação dos leitores.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

    • Pois é. Muita gente escreve na minha família. Meu bisavô foi bastante conhecido na cidade por ser um historiador autodidata, culto pra caramba. Ele tinha uma coluna no jornal da cidade. Aí veio meu avô, que é poeta, escreve trovas ao ponto de ganhar vários concursos. Já teve até musica dele cantada pela Clara Nunes. Minha mãe também escreve super bem. Daí tem meu pai que já fez até novela em jornal, publicou vários livros e tal, e tem também o meu tio, irmão dele, que publicou um livro recentemente.

    • Hehehe, pois é. E o meu pai ainda faz poesia também. Agora, que é muito maneiro mesmo é o que a minha mãe faz. Ela pinta uns quadros que saem para o mundo real. É complicado de explicar sem mostrar. Se os meus leitores conhecessem meus pais iriam entender porque eu sou tão maluco, hehehe.

  1. po, que legal, cara, estou trabalhando na fiscalização da ferrovia transnordestina, no trecho daqui de pernambuco, e ultimamente ando me interessando muito sobre o tema estradas/ferrovias. e olha que eu odiava o tema devido às cadeiras de topografia que paguei na faculdade com um professor fela dumas puta.. hehehe vou encomendar esse livro pra mim, se bem que eu iria me interessar bem mais se seu pai escrevesse sobre trens de levitação, Philipe, algo como passado e futuro dessa tecnologia! se ele tiver algum artigo ou texto sobre isso, por favor, nos disponibilize!

    • O meu pai tem um livro exatamente sobre isso, se chama o futuro da estrada de ferro no brasil, seguro que depois o philipe disponibiliza um link para voce.

  2. Eu nao compraria.

    podem azucrinar… mas meus interesses por literatura visam mais coisas do tipo que o Philipe escreve… Stephen King, Dean Koontz…

    por deus… leiam Dean Koontz… eh o cara .

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